Quando todos pensavam que o boom da literatura hispano-americana, com o seu realismo fantástico, teria chegado ao ápice através da consagração de autores como Jorge Luis Borges, Julio Cortázar, Gabriel García Márquez e Mário Vargas Llosa, surgiu a figura de um escritor e poeta chileno, que morreria precocemente aos 50 anos, ganhador dos prêmios Herralre e Rómulo Gallegos, que deixaria uma obra decisiva para a ficção do século XXI: Roberto Bolaño (1953-2003).

Seus livros são marcados pela consciência de que o mote do que se escreve serve apenas como instrumento mediador para que se possa encontrar o não aparente.  O tudo e o nada formam um amálgama constante nas narrativas do autor de Estrela Distante (1996), Detetives Selvagens (1998), Noturno do Chile (2000), Putas Assassinas (2001) e 2666 (2004). A constante relação entre poesia e conflagração, o cenário violento, a ditadura em seu país de origem, o exílio, o amor pelos livros, a ironia e a tragédia da guerra urbana e social, a princípio, podem parecer elementos utilizados sem métodos adequados para formar a tessitura de cada história.

O autor faz uso do ‘falso fim’ para envolver o leitor na trama de cada uma de suas novelas. Trata-se de uma caçada a si mesmo, já que a memória nunca vem com a mesma amplitude e com a mesma nitidez com que se forma em nossas mentes.

Bolaño viveu toda a sua vida com sérias dificuldades de ordem material: foi preso pelo regime opressor de Pinochet, refugiou-se no México, vegetou, morou e morreu em Barcelona.  Provavelmente, na obra deste escritor, o leitor mais atento poderá observar uma questão crucial: saber onde está localizado o limite entre os gêneros. Outro limite exige definição: o ponto de distinção do que é ficção e o que é admissão do vivido.

Aqui, é preciso ter uma noção mais profunda do conceito de contemporaneidade. Procurar saber se o tempo atual está diretamente relacionado às condições sociais e históricas, ou se esta relação se dá em face da forma com que cada um consegue ver a si mesmo diante do outro. E, no caso do artífice da palavra, como ele consegue transpor esta percepção/sensação para o papel. Como ensinou George Lukás: “A vida faz-se criação literária, mas com isso o homem torna-se ao mesmo tempo o escritor de sua própria vida”.

O autor seguiu à risca o caminho dos exilados borgianos. Ele era um daqueles que encontram refúgio entre as estantes das muitas bibliotecas espalhadas pelos países de língua espanhola. Bolaño não dispensou o caráter tradicional na feitura de sua obra em prol de uma tentativa desesperada de atingir a vanguarda. A leitura das primeiras páginas, de qualquer um dos seus livros, projeta o leitor para um mundo marcado pela forma incomum e jocosa com que o autor encarava sua realidade. Os recortes bruscos no texto (para serem retomados em momentos bem distantes) são outra característica comum em sua escrita. Inquietações, dúvidas e vazios são inseridos constantemente. Ele solta e controla as rédeas com total domínio. É autobiográfico em todos os momentos sem medo ou culpa, mas deixa bem claro que, em literatura, ninguém consegue ser totalmente sincero.

 

Nathan Sousa (Teresina, 1973) é ficcionista, ensaísta, poeta, letrista e dramaturgo. Tem vários livros publicados, dentre eles Um esboço de nudez (2014) e Semântica das Aves (2017). Venceu por 04 vezes os prêmios da União Brasileira de Escritores, foi finalista do Prêmio Jabuti 2015 e do I Prémio Internacional de Poesia Antonio Salvado.

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