Uma das marcas mais fortes da poesia que se afirma a partir do século XX é a tentativa de resistir às contingências da vida diária sem cair no sentimentalismo vago. O continente africano atravessou o tempo arrastando graves dificuldades de todas as naturezas, principalmente de ordem política e civil. É exatamente nesse cenário, com os olhos voltados para os encantos do Oriente, apostando na constituição da figura da mulher como reestruturação territorial do próprio país, e buscando o prestígio e a assimilação do sujeito poético com povos e países distantes, que surge a poesia de Eduardo White.

Eduardo Costley White nasceu em Quelimane no ano de 1963. Filho de pai moçambicano de origem inglesa e de mãe portuguesa, White é figura das mais importantes na formação da literatura contemporânea de Moçambique. O autor de “Amar sobre o Índico” (1984), “Homoíne” (1987), “Janela para Oriente” (1999) e “O Poeta Diarista e os Ascetas Desiluminados” (2012), dentre outros; o vencedor de prêmios como o Prêmio Nacional de Poesia, o Prêmio de Literatura José Craveirinha e o Prêmio Glória de Sant’Anna, realizou seu trabalho como quem fez uma “escavação interior”, testemunhando um lugar de onde não pode evadir-se. É fácil identificar a influência das poesias portuguesa, islâmica, oriental e anglo-saxônica em seu trabalho. No entanto, sua poesia está fincada na produção de uma literatura nacional, escrita em português, e, por conseguinte, capaz de delinear uma teoria poética específica aplicável, afirmando a criação de uma identidade moçambicana.

Sua poesia vai da euforia de caráter cívico e social, a um momento de distopia. O conflito entre a leveza do poeta em seu ministério e a matéria sobrecarregada da realidade de sua terra aparecem em versos como estes de “Até Amanhã Coração” (2007): “Há pouca poesia no mundo que me rodeia./ […] O que vou fazer com esta poesia toda no emprego?”

Não há dinheiro para comprar livros em seu país, mas o poeta insiste na construção da ponte de saída através da poesia. O questionamento é constante. A angústia não cessa, como se pode ver em outros versos do mesmo livro: “Como posso pedir-lhes que leiam, como posso pedir-lhes que ao invés dos pratos ponham livros à sua frente?”

O amor, apresentado como tema de estreia na sua primeira obra, tornou-se o tema central de toda a sua escrita. O amor e seus efeitos. Verifica-se o erotismo como pedra de toque da criação imagética de uma nova nação. A África, a terra natal, a mulher amada e a morte. Sim, a morte. A simbolização da evaporação do amor. Elemento fundamental para a reconstrução do mundo e do sonho. Não há nada que esteja direcionado para a concepção coletiva na poesia de Eduardo White que não seja, antes de tudo, uma prática lírica individual. Seu texto instala-se totalmente na história e no espaço geográfico. Apela para os sentimentos humanos. Fala da terra e do homem, de sua necessidade de realização, mas é puramente uma poesia moçambicana, porque a sua semântica e as suas imagens são marcadamente moçambicanas.

Face ao exposto, é bom lembrar as palavras de Octávio Paz, quando disse: “Parece-me que as mudanças na sensibilidade colectiva que vivemos durante o século XX obedecem a um ritmo pendular, a um vaivém entre Eros e Tânatos”. Eduardo White afronta a acepção da morte, traça uma cartografia da figura feminina numa mímese que descreve um Moçambique com olhos para o Oceano índico. Distancia-se, assim, dos movimentos poéticos do passado, não se caracteriza como tão somente universal, nem individualmente de reivindicação e de caráter nacionalista por si só. É intimista, mas, ainda assim, coletivo, pois recorre ao sentimento humano que lhe pertence e que pertence a qualquer um.

Sua poesia tem vocabulário integrado às imagens geográficas como representações metonímicas e metafóricas, sem relaxamento na forma, com versos predominantemente livres, sem desviar para o nonsense e sem rimas sofríveis, o que vem a criar uma elasticidade entre a realidade e o seu subterfúgio poético. O sujeito da poesia forma-se como ambiente de princípio para um passeio interior, como diz o próprio autor nestes versos de “Os Materiais de Amor Seguido de O Desafio à Tristeza” (1996): “esta ilha que sou ao Norte”. Seu lugar mítico, porque carregado de fragmentos de uma história que não deu aos seus membros o direito de contá-la com suas próprias palavras. É Moçambique seu ponto de partida e de chegada. Seu sujeito e seu objeto de desejo; sua musa negra de olhos azuis.

Eduardo White morreu precocemente aos 51 anos, em agosto de 2014.

 

Nathan Sousa (Teresina, 1973) é ficcionista, ensaísta, poeta, letrista e dramaturgo. Tem vários livros publicados, dentre eles Um esboço de nudez (2014) e Semântica das Aves (2017). Venceu por 04 vezes os prêmios da União Brasileira de Escritores, foi finalista do Prêmio Jabuti 2015 e do I Prémio Internacional de Poesia Antonio Salvado.

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