Eu vi o Gil. Mas, talvez, pode ter sido deus. E, tal qual se espera diante daquilo que é infinito e eterno, paralisei. “Ele caminha meio tropeçando no seu próprio andar”, diria depois, tentando dar um verniz de verdade a um fato mais ou menos turvo.
“Não seria alguém bem parecido?”, perguntaram. Não, não. Era o Gil. Eu vi com esses olhos que a terra não há de comer, porque vou doá-los. Vi com o espanto de quem se aproxima de tudo o que é sagrado: era o Gil. E a gente fica meio sem jeito, sem saber onde botar as próprias mãos, cara a cara com deus. Carregando a sua própria malinha de mão, além de toda a imensidão de ser sublime.
Mas bem que poderia ser deus. A gente não sabe como se comportar diante de um deus, afinal. Estava ali meio apressado, meio a seu tempo, com a cabeça de algodão, talvez cheirando a bumbum de bebê. A barba clara sobre a pele escura. Seguia rumo a bonsucesso? Eu não sei, mas era sim o Gil. Ali na minha frente, respirando o mesmo oxigênio, dividindo o mesmo tempo e espaço e sob a mesma atmosfera que eu.
Sim, agora tenho certeza. Era o Gil. Ou, talvez, uma entidade, uma força oculta, um preto velho a passear pra depois do ano dois mil. Era sim um pouco estranho que a voz no alto falante do aeroporto, com a sensação do brilho, não clamasse pela plena atenção de todos àquele fato. Que ninguém – nem mesmo eu, que vi o Gil – abrisse caminho com a cor-do-veludo, com amor, com tudo, para ele, ali, entre nós, meros mortais. Gente estúpida.
Pois é, eu vi o Gil. E foi até que nem tanto esotérico assim. Ele anda com fé, confiante no futuro. Foi sumindo pela escada rolante, num instante que, afinal, passou depressa como tudo tem de passar. De repente me encheu de paz. Era mesmo o Gil. Mas, talvez, pode ter sido deus. E, você sabe, a gente fica meio sem saber o que fazer diante de um deus.
(Arte de Aline Santiago)