Responda rápido. O que vale mais: um filme bom com o final ruim ou um filme ruim com aquele belo final? O produtor é que tem a palavra decisiva. Manda tudo para a ilha de edição. Quem mora em uma ilha de edição? A película queima depressa. Como sabe? Vi num filme. Repita comigo, Rosebud. Como? R-O-S-E-B-U-D. Era um trenó? Era apenas um trenó? E ainda chama de clássico. Corta! Corta! Cadê a luz? Não foi paga neste mês. Muitos roteiristas querem filmar mas não querem escrever. Ninguém consegue viver dentro de um estúdio. Ou você acha que Bogart era galã vinte quatro horas? O banheiro químico do set de filmagem é o mais democrático. Cagam diretores, atores, atrizes, roteiristas, contrarregras e figurantes. Viva, o produtor morreu. Foi achado em cima do dinheiro da bilheteria. O motivo? Engasgou-se com o charuto. Qual o filme da sua vida? Nós que nos amávamos tanto, de 1974, do Scola. Não conheço, tem na Netflix? Chapado, ele me pediu para ler o seu roteiro, viagem a Marte e alienígenas sugadores de sangue. Rasguei. Refiz e patenteei. Boa história, mas cadê o monstro? Tem que ter monstro. Senão eu fecho o setor de efeitos especiais. Sou fã e quero service, disse a criança ao sair da sessão. Tá vendo aquele Oscar. Ganhei de melhor curta de animação. Sei. Qual o seu ator favorito? Ah, não vale soprar. Fecharam mais três longas com ele. Está em todos os jornais. O motivo? Bateu na esposa. Sou ator do método. Sou atriz de incorporar. Com este cachê sou o que você quiser. Eu prefiro rodar em plano sequência. Tá na moda. Já viu Ben-Hur? Não. Oito e Meio? Nem. O Piano? Nunca. Serpico? Oi? Gritos e Sussurros? Nem faço ideia. E por que raios você quer dirigir o meu filme? A culpa é do crítico de fazer o longa flopar. Qual é a cena da sua vida? A do chafariz. Ela insiste com Godard, Truffaut e Varda. Eu, de verdade, quero ver o filme do Vin Diesel. Sou do tempo em que se baixava pelo Emule. Eu sou do tempo do torrent. Eu sou do tempo em que se faziam bons filmes. Sou do tempo do VHS. Sou do tempo do DVD. Eu sou do tempo em que não havia esses super-heróis. Eu sou do tempo em que se fumava dentro da sala de cinema. Eu sou do tempo em que a censura cortava as cenas de nudez. Eu sou do tempo em que Tubarão era novidade. O meu tempo vê primeiro no Rotten as notas dos filmes. Se for preto e branco eu não assisto. Estacionamento, vinte reais a hora. Ingressos, trinta reais por pessoa. Pipoca e guaraná, quarenta e nove e noventa. O que viu de bom? Twin Peaks. Quando posso soltar spoilers? Logo depois da sessão? 24 horas depois de assisti-lo? Uma semana depois da estreia? Qual é o signo do Chewbacca? Nossa, isto é muito Black Mirror! Eles estavam mortos? Hello, Sydney! Attica! Attica! Attica! I singing in the rain. Its showtime, folks. Here’s Johnny! I’ll be back. Dave! Dave! Dave. Sinceramente, querida, eu não dou a mínima. Olha, o seu roteiro é muito bom. Acho que só um filme não é o suficiente. Vamos fazer uma trilogia. Para apresentar melhor o universo daquela história. Na verdade, é mais dinheiro para o estúdio. Quantos filmes de diretoras você assistiu? Quantos filmes LGBT você viu? Quantos filmes de seu país você acompanhou? Este filme tem bons diálogos, excelentes sequências de ação, ótima trilha sonora. Só tem uma questão: o protagonista tem que ser negro? Duas estrelas? Apenas duas estrelas? Coloquem a cabeça do crítico naquela estaca. Corta! Corta! Pagaram a conta de luz? Ainda não. Sempre teremos Paris. Paris é para amantes, por isto fiquei apenas 35 minutos lá. De Niro ou Pacino? Kidman ou Roberts? Cruise ou Gere? The Rock ou Vin Diesel? Lee ou MCqueen? E o Oscar vai para. Central do Brasil. Uma cena? Na escadaria da Igreja do Senhor do Bonfim. Tá bom, mais uma. O final de Solaris. Esta merda de trenó novamente. Eu não vejo mais os filmes do Woody Allen. Mas já viu o novo do Polanski? Adorei. Me diz um filme que a atriz arrasa? Uma Mulher Fantástica. Tenho em mim todo o sentimento do mundo. Não, para, isso não é filme. Isto sim é uma marmelada. Enlatado americano. How I Learned to Stop Worrying and Love the Bomb. Fala de cinema francês, mas só assistiu Amélie Poulain. Mais uma adaptação? Remake? Reboot? Um clássico moderno. Obra-prima do cinema. Um final? Bicho de Sete Cabeças. Não aguento esses filmes coloridos do Almodóvar. Filminho de menina. Olha, esta cena ele criou para causar. Cala a boca e assista. Com quantos metros de filme se faz um filme? Luzes da Cidade. Uma trilha inesquecível? O Guarda-Costas. Jedi não tem plural. Somente nos cinemas. Exclusivo nas melhores salas. Eu já te disse, sabre de luz não existe. Corta! Corta! E a luz? Só na semana que vem. Uma expressão ruim? Retomada do cinema. Cena 145: O homem pisando na Lua. Bombshell. Bacurau. Me indica um filme? É de dar medo? Eu não gosto de dublagem. Droga! Merda! Beija a minha bunda. Fodedor de mãe. Ele não acompanha a legenda até o fim. O som do cinema brasileiro é ensurdecedor. O quê? Hollyweed. Inscrições abertas. Eu ainda quero ver o filme do Van-Damme. Zumbis ou ETs? Vai ser uma enorme franquia. Meu top dez é. Injustiça ele não levar o prêmio. Liv Ullmann ou Bibi Andersson? Ingrid Thulin. ATENÇÃO, RODANDO CENA. Audição. Você não. Você não. Você não. Você sim. O produtor pediu para colocar a sobrinha dele no núcleo principal. Corta! Corta! Luz. Que luz? Ele tem o talento único. Um quê de Bergman, outro quê de Pasolini. Trilogia da Vingança. Trilogia do Anel. Trilogia da Máfia. Trilogia das Cores. Trilogia do Nolan. Trilogia Before. Por que a mulher é sempre a que está em perigo? I wanna be a producer. Uma turminha que irá aprontar tamanha confusão. E os filmes do abusador, como ficam? E as pessoas de quem ele abusou? Segundo o porta-voz: retiro sexual. Reconhecimento cinematográfico. Qual será a minha participação nisso tudo? Claquete. Cena 153: O tiro no presidente. McLovin. Um bom título, O Beijo da Mulher-Aranha. O meu Tarkovsky é com Y. Esta marca comercial tem que aparecer no filme. Amanhã a gente roda. Corta! Não temos luz. O cachê é muito alto para uma cena de quinze minutos. Não são quinze minutos, são mais de quinze anos de profissão. E o Groupe Dziga Vertov? Comunista aqui, não. Democracia em vertigem. Somos uma produtora anticapitalista. Hã? Ninguém atende na ilha de edição. Responda rápido: Para onde vai o cinema? A luz! A luz! A luz!
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O conto Ilha de Edição faz parte do livro Somente nos cinemas (Ateliê Editorial), segundo livro do escritor, produtor cultural e editor Jorge Ialanji Filholini, autor também de Somos mais limpos pela manhã (Selo Demônio Negro), finalista do Prêmio Jabuti.
Publicado na Revestrés#44 – novembro-dezembro de 2019.
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