Disse o copista, mas Deus sabe mais, que Aİmuhallab Bin Alfatḥ Albaġdādī leu na obra Alwāḍiḥ almubīn fī d̠ikri man istašhada mina-lmuḥibbīn, escrita por cAlā’uddīn Muġalṭāy Bin Qīlij, conforme testemunha Abū Bišr Mattà Bin Yūnus, tradutor da Poética de Aristóteles, que dentre as diversas caligrafias utilizadas pelo poeta cUṭayya, coube às arcaicas linhas retas do kūfī o registro de próprio punho de seus antológicos versos, que tanto enterneceram o fabulista Aljāḥiẓ, o califa Hārūn Arrašīd, quinto da dinastia abássida, bem como H̬urāfāt, cujo próprio nome evoca a fábula, mas somente conhecemos o que se transcreveu nas margens de algumas páginas do Kitāb alawrāq, que em vosso idioma ficou conhecido como Livro das folhas, e depois registrou-se em seis apócrifos absolutamente distintos, todos verdadeiros e fidedignos, conforme atestam todos os escribas e historiadores do califa Mucāwiya Bin Abū Sufyān, e Deus quis que sua palavra bastasse, e todos sabem que, entre as páginas perdidas do Livro das folhas e a palavra do califa, é prudente que fiquemos com as várias versões dos versos de cUṭayya em distintos significados e caligrafias; foi ainda em kūfī que se escreveu a venturosa jornada daquele que não se registrou o nome, somente a obra, posto que nada além lhe importava, e que tamanha era a admiração do califa a quem servia que lhe foi concedido o que bem lhe prouvesse, e, conforme lhe era imperioso, pediu que fosse permitido a todos os vizires e ao próprio califa que concedesse aos súditos os vossos ouvidos, e muita graça acharam todos de tão inútil pedido, mas para que não se perdesse ou se questionasse a palavra do califa, e isso o livraria do enfado de determinar a execução de mais alguém em tão curto período, consentiu que fosse feita tal escuta e que se registrasse o que fosse proveitoso, mas somente em ruqāc, a segunda escrita do Livro das folhas, própria para os pequenos espaços onde anônimo escriba registrou, entre as lamentações populares, quatro versos nas margens do Kitāb alawrāq evocando a virtude e o destino apagando o que não fosse escrito com generosidade, posto que grande era a generosidade de emprestar os ouvidos até mesmo para mendigos, mas não para estrangeiros e ladrões, principalmente os que agora tiveram as orelhas ou os polegares cortados, como prova de sua leviandade; entretanto, na terceira escrita, a difícil e seca caligrafia muḥaqqaq, tratando dos benefícios do cálamo e do transbordamento dos rios e sua iminente destruição, havia também os resquícios das lamentações em torno da fome e da sede dos que não poderiam conter em si menos que a mera sobrevivência, mas Deus quis que sobrevivessem, e que seu silêncio se irmanasse ao silêncio do céu, entrecortado pelas aves de rapina; quis também que a quarta escrita, rīḥānī, se apresentasse entrelaçada como os ramos do manjericão, e que em sua intrincada trama se pudesse ler um juramento atribuído a determinado escriba sempre anônimo e seu compromisso com a honestidade e submissão, estes os anseios gentilmente ofertados aos súditos, que bem os recebem sob os auspícios de lanças, chicotes e iatagãs, conforme o descompromisso de cada um; da quinta, nash̬ī, não restaram muitos vestígios além de alguns cantos entoados por antigos dervixes sobre a iminente morte de todos os escribas, sobre os dias que se sucedem idênticos, salvo se o califa determinar que se cante de outra forma, e sobre a noite, a eterna noite que envolve o homem e o djinn; na sexta, t̠ulut̠, apresentando-se elaborada e florida, em cujos ornamentos revolveram-se as lamentações da separação dos dias e das tintas, entre acidentes e ausências, houve quem imaginasse que era possível estender em palavras todos os rudimentos daquilo que uns chamam vida e recontá-la para que em tulut se se encontre uma nova forma de ter vivido, e que a lembrança dos dias idos seja somente uma forma de alento; a sétima caligrafia chama-se ṭūmār, sendo simplificada e pouco arredondada, e nela foi escrita a mais popular das versões apócrifas de cUṭayya, tratando da fama, do conforto e da bondade existente no fio da espada onde gravou-se a lembrança de antigos versos escritos na caligrafia kūfī, e em sua lâmina registrou-se em fábula a paciente obediência dos súditos além das terras de Zūmān, que tudo estava escrito, mas que nenhuma de suas letras pudesse novamente ser ensinada ao vulgo, e que seu silêncio fosse mais proveitoso aos califas e vizires, conforme disse o copista, mas é bem possível que se trate do poeta e compilador Abū Tammām, contemporâneo de Hārūn Arrašīd, não sei, Deus sabe mais.

* Adriano Lobão Aragão é coeditor da revista eletrônica dEsEnrEdoS e autor, dentre outros, de as cinzas as palavras (poemas, 2014) e Os intrépidos andarilhos e outras margens (romance, 2012).

(Publicada na Revestrés#26 – Agosto/Setembro 2016)