É no centro, totalmente fora do eixo intitulado “centro gastronômico de Teresina”, que se esconde um dos pratos mais aclamados dos últimos 20 anos, no que diz respeito a pescados. Ali, no meio de um quarteirão da Rua João Cabral e a poucos metros do rio Parnaíba, esconde-se a receita de peixe do VTS.

Vicente Trindade dos Santos é marceneiro, mas foi por outra habilidade que ficou famoso. É ele o chefe de cozinha por trás das receitas de peixe que fazem um discreto sucesso na capital. Discreto porque não há restaurante. Ao menos, aparentemente. A fachada é de uma simples marcenaria. Mas de madeira mesmo, só a colher que Vicente usa pra preparar os pratos.

Há cerca de 20 anos, uma recomendação médica fez o maranhense Vicente adotar um regime a base de peixe, a fim de evitar as constantes crises de cálculo renal de que sofria. Criou ele mesmo a receita light de peixe que logo atraiu fãs através do marketing mais antigo do mundo: o boca a boca. Amigos e vizinhos começaram a espalhar a fama do marceneiro que, sem saber, ganhava ali um novo ofício.

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Foto: Maurício Pokemon

O peixe, especialidade do Vicente, tem apenas duas variações: cozido e frito. Ambos acompanhados de arroz branco, um pratinho para depositar as espinhas e só. Não há sofisticação alguma. É no fundo da marcenaria, após passar pela cozinha apertada, que os clientes podem sentar em simples mesas de ferro, embalar-se numa rede à sombra de uma árvore, tirar o paletó e comer de colher. Aqui também podemos trocar a palavra ‘clientes’ por ‘amigos’. Não entram estranhos. “É como uma confraria. Um amigo vem e convida outro e assim vai”, explica Vicente. “No mundo de hoje, tão violento, quem vai abrir sua porta pra estranhos?”, defende as regras da casa.

É Vicente, sozinho, que vai às compras no mercado, desde a escolha dos temperos ao peixe que vem de Belém. Cebola, tomate, limão e sal são os ingredientes da receita ao molho. Não há nenhum tipo de incremento, e qualquer sugestão de aprimoramento pode ser vista como uma ofensa.

O ex-marceneiro é conhecido pelo jeito despachado e espontâneo – e aqui me permita esse eufemismo. Enquanto limpa e prepara os Piratingas ele explica que nunca, em hipótese alguma, o peixe deve ser congelado. “Esse frescor faz toda a diferença no sabor do peixe”, diz, deixando escapar o que suspeito ser um tantinho do segredo.

Pela discrição e conforto, boatos dão conta de que o local serve de ponto de encontros políticos e reuniões de empresários. Há alguns anos o quintal recebeu uma plaquinha “Club do VTS”, doada pelo publicitário Siqueira Campos, que dá margem ao imaginário de “clube secreto”. Nos fins de semana, às vezes recebe músicos e roda de samba improvisada por clientes da velha guarda.

Reuniões ocultas à parte, existe também um mito em torno do toque final, com o peixe ainda no fogo, antes de ir à mesa. É que ninguém, exceto Vicente, mexe nas panelas. Rubens, afilhado do cozinheiro, auxilia até onde lhe é permitido, mas afirma: nunca soube o segredo da receita do padrinho.

“É tudo bobagem, não há nada disso”, contesta Vicente sobre o mito. “As pessoas inventam esses fuxicos pra criar um clima, um mistério”, afronta. “A verdade é que tudo que é difícil desperta curiosidade. O que é fácil demais não tem prestígio”. Já ultrajado com a indagação tão insistente, Vicente finalmente decide revelar: “O segredo é que quem nasceu pra trabalhar de roça não trabalha em escritório”.

O peixe só é feito sob encomenda – você liga e faz seu pedido. Não adianta procurar no Google, nem tampouco Telelista. É preciso ser convidado para o almoço-iniciação. Se acontecer com você, disfarce a empolgação e aproveite o peixe. E não adianta pedir garfo.

(Matéria publicada na Revestrés#02 – Maio/Junho 2012)