O Terapeuta da Imperatriz está em absoluto estado de perplexidade, evoluindo para o desespero. Há alguns meses que os clientes vêm, paulatinamente, dispensando os seus indispensáveis serviços. Ele nunca tinha pensado na vida sem clientes e, ainda que o tivesse feito, não imaginaria como resultado uma tal catástrofe no seu psiquismo. É como se só os clientes tivessem a insulina para a sua diabete, só eles doassem sangue para desarmar a sua hemofilia. Acontece que o Terapeuta da Imperatriz não é diabético, tampouco hemofílico e sabe que os clientes não se apoderaram do ar que ele respira. Mas sente um sufoco insuportável.
Quando o primeiro cliente se despede, ele até sente um alívio. Trata-se de um chato, fixado numa ejaculação precoce que o atormenta desde a juventude e agora, ultrapassados os 60 anos, adquiriu uma outra fixação: a impotência. Esta última, veio com a falência, que determinou a resolução de deixar a terapia.
Uma semana depois, um outro cliente encerra as contas. Uma cliente, aliás. Esta também não causa nenhum impacto no psiquismo do terapeuta, apesar da pena que sente da moça, tão necessitada de uma terapia, porém impossibilitada de sustentá-la no desemprego.
A terceira a desertar, logo em seguida, já grila o terapeuta. Uma escritora, que lhe contava estórias divertidíssimas, enquanto ele tentava arrumar-lhe a cabeça para que ela se permitisse o sucesso. Esta perda doía-lhe. Através dessa cliente, ele se sentia colaborando com a cultura. Mas já não se sobrevive de cultura neste país, afirmou-lhe a escritora, fechando as contas.
Contudo, não é só esta recente perda que o perturba. Algo está batendo mal no seu astral, parecendo mesmo anunciar um longo período de azar. A este pensamente, o terapeuta bate três vezes na escrivaninha de jacarandá e corre a consultar o seu astrólogo, que lhe fala na passagem de Urano e Plutão, significativa de mudanças drásticas. O terapeuta procura alguns colegas e constata que eles também estão sendo atingidos pelas intempéries planetárias.
Mas, ao sair o sétimo cliente (sete, número cabalístico!), o terapeuta volta a sentir aquele frio na espinha. Consulta sua cliente preferencial, a Imperatriz, que, diante do relato, sente um arrepio generalizado e manda chamar o pai-de-santo do palácio. O pai-de-santo, em transe, constata que a quinta ex-mulher do terapeuta mandou fazer um “trabalho” pesadíssimo contra ele. E indica-lhe os antídotos para o mal: “trabalhos” em casa, no terreiro e na rua. Feito tudo isso, a urucubaca voltar-se-á contra a agressora.
De fato, a agressora sofre um atropelamento, porém os clientes do terapeuta continuam saindo e todos pelo mesmo reles motivo, que a Imperatriz não consegue entender: falta de grana. Afinal, pelos informes do palácio, as condições de vida no país estão melhorando consideravelmente.
Só o terapeuta mingua, parece. Em reconhecimento aos bons serviços prestados (o terapeuta curou-a de uma anorexia), a Imperatriz agora tem sessões diárias. Mas não consegue preencher o vazio deixado pelos outros clientes. Dir-se-ia que a Imperatriz não é tão boa doadora de vida quanto os mortais comuns, que lhe confidenciavam tantas e tão diversas complicações existenciais. Os problemas da Imperatriz, sabe-os de cor: uma falta de apetite intermitente (na verdade, provocada pelas sucessivas dietas no passado, quando disputava a mão do Imperador); a mania de comprar objetos inúteis, que já enchem três aposentos do palácio; um vazio na cabeça, responsável pela maioria das bobagens que declara à imprensa; o pânico de sequestro (até justificável); uma certa tendência à histeria; e uma compulsão pra viver na periferia do real. E aqui vale acrescentar que, embora nunca tenha ouvido falar em Maria Antonieta, muito menos na sua célebre pergunta (“se o povo não tem pão, por que não come brioches?”), a Imperatriz faz perguntas e observações de semelhante teor. E o que é pior: a cliente preferencial jamais apresentou qualquer melhora. Isto arrasa o terapeuta.
Mas não é somente o terapeuta da Imperatriz que está à beira do suicídio. Outros também o estão. A coisa parece síndrome ou praga. Alguma maldição abateu-se sobre os profissionais da terapia, sem escolher correntes. Ao tomar conhecimento disso, o nosso personagem propõe aos colegas uma saída genial: abrir os consultórios, fazer terapia de graça, clamar generosamente “venham a nós os necessitados”.
Os “necessitados”, porém, não aparecem. Será que um milagre dos céus ou alguma combinação astral acabou com a neurose na terra? O que é feito do complexo de Édipo – os filhos já não estão nem aí para as suas mamães? Onde, aqueles deliciosos maluquinhos, que se acreditam em busca do prazer, enquanto tornam a própria vida e a dos outros um inferno? E os empanicados, os histéricos, os sadomasoquistas, os necrófilos? As mulheres já não sofrem de frigidez, já não têm culpas? Como é possível viver sem culpas? Freud morreu? Que absurdo!
Maldita saúde mental!, explode o terapeuta, suando sua solidão à janela do consultório em um 8º andar. A rua está febril, parece uma grande feira. Os transeuntes correm, em direções diversas, alguns deles em nenhuma direção. Param nas centenas de barracas dos camelôs. As lojas e restaurantes fecharam. Tudo se compra, se come, na rua. Dorme-se também na rua, transformada em um gigantesco dormitório. Pessoas bem vestidas, com cara de quem passou por universidade, compõem a malta e não parecem incomodadas pela situação ou por ela esmagadas. Dir-se-ia que extrapolaram e pairam agora, estranhamente, sobre a realidade. Súbito, surge um homem, de Bíblia na mão, ameaçando a todos os impuros com o fogo do inferno. E logo aparece um outro pregador, bradando que a besta do Apocalípse já mostra suas garras e que todos se penitenciem, pois é chegado o final dos tempos. A multidão se divide entre um e outro.
O terapeuta sorri, um sorriso de quem entendeu tudo. Aperta o nó da gravata e fecha o consultório.
Na rua surge, então, um terceiro pregador. Este, pós-apocalíptico, diz-se o enviado do Senhor para guiar o povo à terra prometida, onde só há alegria e riqueza, uma grande Miami. A multidão o aclama, em uníssono. Ele anda e a multidão o segue, ávida por suas palavras. E enquanto a multidão o segue e deposita o dízimo na sua capanga, o coração do (ex) terapeuta enche-se de bem-aventurança. Já não lhe faltarão clientes.
Agora, quem se sente miseravelmente só é a Imperatriz. Inconformada com a deserção do ingrato terapeuta, a Imperatriz manda colocar água e flores perfumadas na sua banheira de hidromassagem e se suicida com uma overdose de cocaína, aspirada nas pétalas de uma rosa chá.