Certa vez uma repórter hasteou o microfone e, com a curiosidade ousada que a profissão lhe exige perguntou sem cerimônia: “Seu Elias, qual o segredo do seu sucesso?”. O senhor do rosto redondo fitou-a coçando a cabeça e logo emendou. “Minha filha, nessa vida eu só sei fazer duas coisas direito”, pausou em suspense, convencido a revelar: “E é sorrir e dançar”.
Pé de valsa assumido e dono de um sorriso fácil, Elias Araújo da Costa nasceu em Parnaíba, litoral do Piauí. Cresceu as margens do rio, gostava de pescar e foi dono de uma ferraria onde construiu o seu primeiro barco. Em 1974 mudou-se com a família para Teresina. Ele vendia biscoitos e a esposa era professora – o casal já tinha quatro filhas, era preciso aumentar a renda.
Foi a esposa quem deu a ideia de Elias ir a Parnaíba trazer pescados para vender. Eles alugaram um ponto que passou a ser a badalada venda de camarões da zona Leste de Teresina, em meados dos anos 80. Para alguns amigos que virariam fregueses, Elias atreveu-se a preparar com alho e olho o camarão, ali mesmo. Varanda suspensa, mesas improvisadas, assim surgiu há 36 anos o Camarão do Elias.
Na Rua Torquato Neto, bairro São Cristóvão, segue instalado até hoje o restaurante. O lugar é aconchegante e virou referência em boa alimentação já nos primeiros anos de existência: desde 1989 não teve sequer um ano que deixou de integrar o ranking do Guia Quatro Rodas.
Elias fez charme para a repórter naquele episódio, mas a verdade é que o sucesso gastronômico do lugar esconde sim alguns segredos. O fornecedor de frutos do mar, por exemplo, é o mesmo há quase quatro décadas – o que deixaria qualquer gerente surtado com a possibilidade de atraso ou mesmo a falta do produto. “Não compramos camarão de cativeiro, nosso camarão é do mar”, diz Sayonara Holanda, a 3ª filha do casal, que hoje administra os negócios do pai. Ela era uma criança quando viu Elias fundar o restaurante. Aos 20 anos começou a trabalhar ali e acabou descobrindo-se empresária.
Sayonara enfrentou o desafio de equilibrar tradição e inovação, para acompanhar a heterogênea clientela do restaurante – já é a quarta geração que prova as delícias do cardápio – e afinar o serviço para esse público fez-se necessário. “A chegada de novos restaurantes e franquias na cidade foi um estímulo para nós”, diz ela, que pessoalmente faz as compras, treina funcionários e escolhe as atrações musicais do restaurante, outro trecho peculiar da história do Camarão do Elias – dos anos 80 para cá, muitos artistas piauienses e bandas se revelaram ali, nas noites de MPB, chorinho e samba.
A estratégia de inovação também transformou seu Elias em um digno boneco de Olinda, desenhado pelo cartunista paulista Cassio Manga. Sem querer, eles criaram um mascote responsável hoje pela presença da marca em diversos eventos gastronômicos que pipocam pela cidade – o Camarão do Elias está sempre presente nas edições de eventos na rua e em praça pública que envolvem arte, gastronomia e ocupação dos espaços, e também em muitas prévias de carnaval, formando um verdadeiro bloco dos amantes do caldinho de peixe.
A barraquinha se instala onde tem agito e o cardápio adaptado traz, além do caldinho, o tradicional vatapá a preços populares. “As pessoas se surpreendem com a nossa presença”, comenta Sayonara. “Por que um restaurante de 36 anos ainda quer vender vatapá na rua?”.
O alto astral dos eventos tem tudo a ver com a presença festiva de Elias, hoje, com 77 anos. Ele circula pelas mesas e cumprimenta os clientes com a simpatia que lhe é característica. “Foi sempre assim”, diz Maria José Lemos, a Mariazinha, cozinheira do local desde sua inauguração. “Seu Elias adorava levar os amigos para dentro da cozinha para nos ensinar novas receitas”, conta.
Muitas dessas intervenções de clientes na cozinha entraram para ficar no cardápio do restaurante e foram batizadas com o nome de seus criadores. O ex-diretor da Cepisa havia acabado de chegar da França com um molho pouco conhecido por aqui e quis testar harmonizando com o camarão. Vestiu o avental, preparou a receita e hoje empresta seu nome ao prato Camarão Paulo Roberto, que leva creme de leite e curry.
Como uma espécie de Masterchefe Elias, o dono do restaurante ia provando e aprovando os pratos dos colegas, e assim surgiram o Filé Nepomuceno, o Filé Pedro Almeida e a Tilápia à moda do Faustino. A própria cozinheira também ganhou homenagem: o Filé Mariazinha custa 85 reais e é servido com molho de alho ou madeira e batatas coradas.
A maioria dessas pessoas estão eternizadas no mural do seu Elias – duas grandes paredes no interior do restaurante são ocupadas com fotos e registros de gente que passou por ali. Há artistas, músicos, empresários, turistas, clientes cativos ou visitantes de primeira viagem. “O mural é um xodó do meu pai, ele adora tirar fotos e sempre tinha à mão um álbum de fotografias para mostrar aos clientes”, explica Sayô. A tradição permanece, embora a técnica tenha sido atualizada: o mural do Elias acontece hoje em tempo real no Instagram – seguido e curtido por 13 mil pessoas. Na rede dos clicks efêmeros, história e tradição também ganham corações.
Camarão do Elias: Avenida Pedro Almeida, 457, São Cristovão, Teresina-PI
Publicado na edição Revestrés#25.