Cozinhar parece ser a terapia da vez. Comidas sendo testadas e compartilhadas nas redes sociais, desafios de pratos entre amigos e familiares, algum exibicionismo dos virtuoses culinários e fluxo intenso de receitas e dicas via mundo digital são evidentes.
Nos últimos meses as buscas por receitas simples e práticas na internet aumentaram consideravelmente. Segundo o Nexo Jornal, o Google Trends, por exemplo, chegou a registrar 139% de aumento nas pesquisas com a tag “como fazer brownie”, no final de março, comparando-se com a média anual. Outras receitas que também estão no topo das buscas são as de pão, coxinhas e esfirras. Aumentou também a procura por “como fazer pizza”, “como preparar chocolate quente” e, nos finais de semana, instruções para fazer lasanha e churrasco.
Mas seguir à risca o modo de fazer dos muitos sites de culinária não traz garantias de que o prato vai sair impecável visualmente e inegavelmente delicioso. Para aqueles que não estavam habituados a cozinhar no dia-a-dia, os desastres são os temperos e resultados mais presentes.
Em uma dessas tentativas a enfermeira Isis Cristina, 28 anos, quase explodiu uma panela de pressão. Morando sozinha, Isis quase sempre faz as refeições fora de casa. Suas habilidades culinárias se resumem a coisas práticas e rápidas, com baixo grau de dificuldade, como cuscuz e sanduíches. No dia do grande susto, tudo parecia sob controle enquanto ela preparava o almoço. O arroz estava no fogo, o feijão cozinhando e tudo ia muito bem. Até que a panela começou a fazer um barulho diferente: um chiado que não devia estar ali. Isis se desesperou e correu para pedir socorro, sendo atendida pelo funcionário da manutenção do prédio em que mora. “Tive que chamar alguém para me ajudar a desligar o fogo e abrir a panela de pressão, porque achei que aquilo ia explodir”, conta. O pino da panela saiu da tampa, o caldo do feijão começou a jorrar para todo lado. “Sujei minha cozinha inteira e ‘peguei trauma’ de feijão”, lamenta. Sem almoço, foi socorrida pela segunda vez. Uma vizinha, solidária, lhe ofereceu um prato de seu almoço.
Pães queimados, biscoitos catastróficos, pudins deformados e bolos desconstruídos são só alguns dos muitos registros.
Durante o preparo dos pratos, são comuns as ligações para conseguir instruções, para a mãe ou amigas. Mesmo com as receitas encontradas na internet, os telefonemas ajudam Isis a salvar as refeições. “Nesses meses engordei quase dez quilos, porque não sei fazer comida e passo o dia comendo besteira. Não sei fazer nem arroz. Meus pais me mandam muita coisa praticamente feita, e é o que tem me salvado”, conta.
Desastres culinários são recorrentes para quem está começando a se aventurar na cozinha e tem habilidade quase nula. Durante o distanciamento social essa foi a receita usada por um grupo de sete amigas para criarem, de forma despretensiosa, um perfil só com vários desses desastres. Pães queimados, biscoitos catastróficos, pudins deformados e bolos desconstruídos são só alguns dos muitos registros do perfil @chefsnaquarentena, no Instagram.
“Somos mulheres entre 35 e 60 anos, algumas com filhos, acumulando muito trabalho e funções durante a quarentena e com zero de habilidade culinária. Só queríamos nos divertir”, conta uma das criadoras, que prefere não ser identificada.
A ideia era compartilhar as experiências pessoais com outras amigas e com familiares. Mas o perfil tomou proporção inesperada: passou a receber mais de trezentas sugestões de conteúdo diários e, hoje, tem mais de duzentos mil seguidores compartilhando seus perrengues na cozinha.
“Um dos motivos é que as pessoas se identificam, a gente passa a mensagem de que está tudo bem se errar, não temos que ser perfeitas sempre. As pessoas se sentem incluídas, não se sentem derrotadas e acabam vendo o erro com humor. E, em meio à pandemia, isso acaba sendo um alívio”, afirma.
A criadora conta que os desastres na cozinha continuam sendo parte de seu dia-a-dia. “Realmente não temos nenhum dom culinário. Obviamente, não é sempre que erramos. Mas, recentemente, fiz dois bolos: um queimou nas laterais e o outro queimou na parte de cima”. Apesar disso, ela acredita que cozinhar pode ser visto como uma ação terapêutica, um momento que possibilita a candidatas e candidatos a chef se desconectarem um pouco do mundo.
O sentimento de que há algum amor compartilhado através de receitas também existe. Mesmo sem grande habilidade, Isis segue se arriscando na cozinha preparando algo especial para quem ama. No dia do aniversário de seu companheiro, e também no Dia dos Namorados, o cardápio ficou sob seu comando. Para a última data, a enfermeira escolheu um prato em que as chances de erro para ela eram quase nulas: macarrão. “É minha especialidade”, revela. Procurou uma receita com molho diferenciado na internet e preparou o almoço do casal.
A receita, com algumas ligeiras adaptações, foi aprovada. O tempero do afeto deixou para trás, por alguns momentos, os desastres culinários.
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