Com que frequência você vai ao teatro? Qual seu estilo de leitura preferido? Você já comprou algum disco de banda ou músico piauiense? Já foi a algum espetáculo de dança? Quem é Torquato Neto? Estas foram algumas das perguntas que pessoas de diferentes idades, sexos e classes sociais responderam – um questionário aberto, elaborado pela Revista Revestrés e o Instituto de Pesquisa Amostragem, que circulou nos bairros e zonas de Teresina para tentar traçar, pela primeira vez na história, uma pesquisa sobre o consumo de cultura do piauiense. Os resultados trazem dados alarmantes e, ao mesmo tempo, esperançosos. Só para adiantar: 95% das pessoas afirmaram não conhecer nenhum cineasta piauiense, 82% não vão ao teatro, 88% não têm ideia sobre nomes da dança e 64% declararam não ter o hábito de ler. Para sair do negativo, mais de 60% das pessoas dizem conhecer um cantor ou banda piauiense – mas somente metade desse percentual já foi a um show ou comprou algum CD. Os cantores Lázaro do Piauí, Frank Aguiar e a banda Validuaté figuram entre as vendas. Para chegar a esses dados, o Instituto Amostragem entrevistou 300 pessoas no mês de abril, em bairros das zonas norte, sul, leste, sudeste e centro – todas com no mínimo 15 anos de idade. As entrevistas foram presenciais e nos domicílios, acompanhada por supervisores. Por exigência da Associação Brasileira de Empresas de Pesquisa, órgão que dita os critérios para a aplicação de pesquisas, cada entrevista teve no mínimo 20% de checagem.
“O supervisor volta no domicílio visitado ou telefona para saber se a pesquisa foi realmente realizada com aquela pessoa que consta no questionário”. João Batista Teles – Diretor do Instituto Amostragem
Ele esclarece ainda que a variedade da amostra colhida para essa pesquisa de caráter quantitativo é suficiente para realizar inferências sobre as perguntas propostas. “A preocupação foi generalizar os resultados estimados de modo a representarem a população teresinense”, diz Batista. É a primeira vez que uma pesquisa com essa finalidade acontece no estado. Em maio deste ano a Fundação Cultural do Piauí (Fundac) recebeu membros do Ministério da Cultura para realizar uma oficina de planejamento do Sistema Cultural. Eles não encontraram nenhum dado local de apoio. O Plano Estadual de Cultura deve servir como um guia para que órgãos do governo atendam às necessidades na área da cultura – ele traça metas a serem atingidas nos próximos dez anos (alcançar a média de 4 livros lidos ao ano por pessoa, por exemplo), além de incluir o estado na partilha de recursos federais para a cultura. “Se não tiver um sistema estadual implementado, leis aprovadas na Assembleia e o sistema funcionando plenamente, não vai ter um fundo para receber os recursos, então o estado fica prejudicado”, disse Rosimere Carvalho, da Universidade Federal de Santa Catarina, que veio ministrar palestra em parceria com o MinC. No ano passado o órgão ofertou 6 milhões de reais em edital. O Piauí ficou de fora. Pretensões à parte, a Pesquisa Revestrés/Amostragem de Cultura talvez sirva de base para pensarmos as necessidades de um estado que desconhece seus literatos, que não frequenta o cinema e que confunde artes cênicas com espetáculos de humor. “Até hoje as questões culturais são tratadas de forma empírica, através do ‘achismo’ ou do ‘ouvi dizer’”, observa Wellington Soares, editor de Revestrés. “Como elaborar projeto cultural para o estado sem uma fundamentação científica, com dados concretos?”. A pesquisa nasce do intuito de jogar luz sobre os problemas culturais da região, muitas vezes visto através de lentes embaçadas. “Encaramos não como obrigação, mas como uma das finalidades precípuas da revista”, afirma Soares. “São dados preocupantes, mas ao mesmo tempo desafiadores aos que produzimos cultura no Piauí”, completa. “Fica a convocação para que todos façamos um grande mutirão no sentido de reverter esse quadro”. CINEMA Qual a última vez que você foi ao cinema? O índice que diz respeito ao hábito dos teresinenses de ir ao cinema revela que 76,67% da população não têm esse costume, enquanto 23,33% declaram frequentar o cinema. O baixo índice não é privilégio local: “O brasileiro vai menos ao cinema hoje do que há algumas décadas”, considera o cineasta Cícero Filho, diretor de “Ai, que vida!”(2008) e “Flor de Abril” (2011). Embora a capital do estado tenha mais salas de cinema hoje, muitos municípios viram esses espaços fecharem as portas. Para Cícero, trata-se do fenômeno da falta de acesso aos bens culturais e dificuldade em consumir outros produtos que não são disponibilizados pela TV aberta ou acessados via internet. “Faço parte de uma geração de cineastas que emergiu do popular, das margens do sistema, e corro os riscos de produzir e não ser visto. Mas temos que ter coragem de enfrentar os desafios e romper com os preconceitos”, declara, destacando que, apesar dos obstáculos, há gente produzindo e distribuindo filmes. A falta de estímulo à cultura nas instituições de ensino e a insuficiência de projetos políticos são enumerados pelo diretor como agravantes. “É um trabalho que poderia ser suavizado se as instâncias governamentais criassem estratégias para ajudar o artista e o produtor independente”, relata, sugerindo a abertura de mais salas de cinema, projetos de exibição de filmes nos espaços públicos, promoção de festivais para circulação das obras, criação de escolas técnicas de cinema e lançamento de editais para produção cinematográfica. Em uma capital que segue uma tendência nacional e os centros comerciais concentram a grande maioria das salas de cinema, o Teresina Shopping aparece como referência para 88,57% das pessoas. Em segundo lugar vem os cinemas Riverside, com 12,86%. Quase 2% das pessoas disseram ir ao Cine Rex, cinema de rua fechado há quase duas décadas. Vale ponderar que, dentro da margem que afirma frequentar as salas de exibições, 2,86% não sabem dizer quais. Apesar da predominância de exibição dos filmes estrangeiros nos cinemas dos shoppings, a produção local resiste e procura espaço nos locais públicos. “Precisamos discutir: onde esses filmes piauienses são exibidos? Não é no Riverside nem no Teresina Shopping. Habitualmente, nos espaços alternativos da cidade, como o Teatro do Boi, em praça pública ou nas universidades”, considera Cícero Filho. Para a piauiense Dácia Ibiapina, professora de cinema, roteirista e produtora, é preciso fomentar a abertura de salas de cinema nos bairros e no centro da cidade, bem como nas cidades do interior do Estado. “É necessário passar filmes nas escolas de ensino fundamental e médio e levar as crianças ao cinema. Enquanto as salas ficarem dentro dos shoppings, com ingresso caro, o cinema será inacessível para quem é de baixa renda”, defende a estudiosa. Essa realidade pode ter relação com a frequência com que se vai ao cinema. De acordo com os dados da Pesquisa Revestrés/Amostragem, a média de idas ao cinema do teresinense é de seis vezes ao ano. Para Dácia, o cinema é pouco acessível para a maior parte da população piauiense. “Tem poucas salas de cinema no estado, os canais de TV aberta e a maioria dos canais de TV paga raramente passam filmes brasileiros e, mais raramente ainda, filmes piauienses”, ressalta a professora. Ingressos caros, cinemas concentrados em locais estimulantes ao consumo e a preferência por exibição estrangeira, são alguns fatores que podem explicar porque 95% da população afirma não conhecer nenhum cineasta piauiense. Os que arriscam algum palpite, além de Cícero Filho (33,33%), citam o escritor Cineas Santos (20%) e o ator Franklin Pires (6,67%) “Por que os piauienses demonstram desconhecimento sobre a cultura? Eu não diria que é simplesmente ignorância, mas são sintomas de um grave indicador da falta de acesso a muitos dos bens culturais. Nossos filmes, músicas e livros ainda não são páreos para o esquema comercial que projeta esses produtos internacionalmente”, afirma Cícero Filho. Pesquisador de cinema e professor do Mestrado em Letras da Universidade Estadual do Piauí – Uespi, Wanderson Lima compartilha do ponto de vista de que a produção piauiense é pouco visibilizada. “Para a maioria da população brasileira, não apenas piauiense, a ideia de cinema se resume ao cinema de Hollywood. Como a maior parte do cinema feito aqui trilha o caminho do alternativo, a população muitas vezes sequer percebe a existência de tal produção”, analisa. Para Wanderson, alguns fatores tornam a situação mais complexa, como a pouca preocupação com a formação de público. “Com exceção de Douglas Machado e Cícero Filho, ninguém mais, que eu saiba, pensa entre nós sobre o cinema numa perspectiva profissional”. Para os produtores, roteiristas e atores de Picos, cidade a 307 quilômetros de Teresina, o cinema é encarado com seriedade e profissionalismo. A reportagem da Revestres#18 foi lá conhecer uma improvável Bollywood: 19 longas metragens lançados em quatro anos, numa cidade sem salas de cinema e sem locadoras. As exibições acontecem em praças públicas e ginásios, reunindo até mil pessoas. Seis grandes salas de cinema devem ser inauguradas com a chegada de dois shoppings que estão em construção na cidade. Nas placas das obras, o aviso: “Tom Cruise, Brad Pitt e Angelina Jolie em breve estarão aqui!”. FOTOGRAFIA Estúdios, salões ou eventos sociais. Rebatedores, flashs e objetivas. Quando se trata de fotografia, é possível que a referência visual recorra a exposições, ao fotojornalismo ou até mesmo a ensaios e books de casamento. No entanto, você saberia nomear algum desses profissionais? Apenas 26,33% dos entrevistados disseram conhecer algum fotógrafo piauiense – dentro dessa margem, alguns deram verdadeiros chutes na lua – 73,67% revelaram não fazer a menor ideia. Para o fotógrafo Manoel Soares, um dos criadores do DEZPHOTO, coletivo de fotógrafos do início desta década, as pessoas não estão preocupadas diretamente com arte e cultura e o desconhecimento pode ser explicado pela baixa qualidade da educação. “Políticas públicas constantes e duradouras na área cultural podem causar um efeito benéfico para disseminação das artes na população”, defende sobre a área onde atua. Na visão de Soares, empresários e grande parte do público possuem formação semelhante e desconhecem os valores culturais e artísticos da cidade sobre a produção fotográfica local. “Os artistas devem tentar promover a junção de programas de governo de incentivo à cultura junto aos empresários e criar um novo pensamento. As ações por parte de ambos os lados ainda são muito ineficientes e não atendem nem a população e nem a classe artística”, coloca. Também fotógrafo, Luciano Klaus é documentarista premiado no Salão de Fotografia de Teresina e no programa DOCTV da TV Cultura. Desenvolve projetos sobre a memória audiovisual piauiense. Ele relaciona pontos que contribuem para o que chama de ostracismo da arte fotográfica: “A pouca e errática produção dos artistas, quase nenhum evento fotográfico no calendário da cidade e os fotógrafos terem escolhido ganhar dinheiro”, para ele, são os motivos do desconhecimento do público sobre fotografia. Além disso, Luciano Klaus aponta um crescimento expressivo da fotografia de eventos nos últimos anos. “Vários fotógrafos estão migrando do jornalismo e da publicidade para o social, mudando a face do mercado”, diz. Luciano Klaus e Manoel Soares concordam sobre um ponto: a iniciativa pessoal faz diferença. “Precisamos romper esse ciclo de miséria estatal e empresarial, criando nossas próprias alternativas. Esperar que alguém nos descubra em nosso isolamento vai demorar”, defende Klaus. Sob a mesma ótica, Manoel Soares coloca que existe comodidade por parte de quem produz na área. “Há um ciclo vicioso. O artista não faz porque não há incentivo, espaço, condições ou sei lá o quê. O poder público e o empresariado também não fazem nada adequadamente. Fica tudo como está. Novas tecnologias estão disponíveis. Novas formas de se comunicar surgiram. É só saber aproveitar”, completa Soares. TEATRO As quatro casas de espetáculos em Teresina, juntas, não somam 1.500 lugares na plateia – para se ter uma ideia, na vizinha Fortaleza, somente o Teatro José de Alencar tem 764 assentos. Nosso equivalente, o Theatro 4 de Setembro, tem espaço para 530 pessoas. Mas pra que tantas cadeiras se é para ninguém sentar? Os dados da Pesquisa Revestrés/Amostragem de Cultura revelam que 82% da população não costumam ir ao teatro. Dentro do percentual que afirma ter esse hábito (18%), 70% das pessoas citaram o Theatro 4 de Setembro como destino de suas incursões pelas artes cênicas. “Os teatros da cidade, que são pouquíssimos, vivem em condições precaríssimas de conservação, bem como de equipamentos e material humano”, frisa Adriano Abreu, diretor do Coletivo Piauhy Estúdio das Artes. “As artes cênicas aqui vivem em permanente situação de penúria, urgência e construção”. O ator João Vasconcelos, que recentemente assumiu a direção do 4 de Setembro, destaca o trabalho dos grupos de teatro e a frequência de espetáculos locais em cartaz. “O teatro de grupo permanece em ação desde os anos 70, ganhando prêmios e fazendo história”, afirma. “O Grupo Harém, o Escarlet, de Floriano, mas também a arte de Lenora Lobo, Lina do Carmo, Marcelo Evelin, Nazilene Barbosa, e crianças da periferia de Teresina no balé Bolshoi”, muda o foco. “O que me intriga é que os entrevistados não conheçam nenhum desses artistas”. Não conhecem e sequer compreendem o significado de dramaturgia, ao que parece. A pesquisa perguntou se as pessoas conheciam algum nome do teatro piauiense. O resultado foi 91,33% das pessoas dizendo “não”. No percentual de 8,67% das respostas afirmativas, a maioria esmagadora aponta os humoristas João Cláudio, Amauri Jucá e Dirceu Andrade como teatrólogos. “Eu já fui eleito o melhor publicitário da cidade, nos anos 90”, ri Dirceu Andrade em conversa ao telefone. “As pessoas confundem tudo. O fato de nos apresentarmos em teatro talvez seja a raiz da confusão”, completa. Há tempos o humor piauiense vive uma boa fase, com espetáculos quase diários e casas lotadas. “O humor veio para fortalecer e popularizar o teatro, abrindo o precedente de uma nova linguagem e nova plateia, a partir desses três nomes”, afirma Vasconcelos. “As pessoas vêm ao teatro para ver espetáculos mais relaxados, para o riso e o entretenimento, através do humor”. Adriano, no entanto, para quem o teatro é uma manifestação cultural insubstituível, vai contra a mistura de estilos. “Confundir teatro com show de humor é uma prática e crença da classe média local”, critica. “Essas pessoas necessitam de entretenimento cultural, buscam na internet e quando têm recursos financeiros vão ao teatro consumir espetáculos que repetem a mesma fórmula há anos”, especula o diretor. “No entanto, isso não é teatro. Pelo menos não na acepção do termo imortalizado por Shakespeare, Samuel Beckett, Nelson Rodrigues ou Francisco Pereira da Silva”. Para ele, o estado fica em dívida em seu papel de fomentar e incentivar arte e cultura. “Na outra ponta da linha, a iniciativa privada não enxerga o produtor cultural como investimento viável”, diz Adriano. Ele critica ainda as políticas públicas voltadas para a cultura, o descaso com os espaços de arte e segue na defesa do artista. “Apesar da falta de público, precisamos usar aquilo que faz o teatro viver há milênios: coragem, criatividade e paixão”. Reforça: “Um território capaz de produzir medalhista de ouro olímpico que, ao mesmo tempo, se ressente em ser um primo pobre da nação”. MÚSICA Frank Aguiar é o cantor mais lembrado pelos teresinenses, segundo a Pesquisa Revestrés/Amostragem de Cultura. Com 20,54% das respostas, o tecladista que saiu do Piauí nos anos 90 para tentar carreira em São Paulo não só é reverenciado pelo povo como figura nos porta-discos – 10,34% afirmaram ter comprado seus CDs. Mas no quesito “CD de cantor(a) ou banda piauiense que já comprou”, Lázaro do Piauí é quem aparece na primeira posição, com 13,9% das preferências. Esses dados, no entanto, pertencem ao pequeno universo de 29% dos entrevistados que disseram comprar discos produzidos por seus conterrâneos. A banda autoral Validuaté aparece na terceira posição, em 9,20% das respostas – dado que surpreende os próprios músicos. “Ficamos muito felizes, é um feedback importante para vermos que não temos mais controle sobre os lugares que nossa música está alcançando”, afirmou Quaresma, vocalista do grupo. O dado torna-se ainda mais representativo se considerarmos que a banda tem apenas metade da estrada dos outros artistas citados (Validuaté completa 11 anos esse ano), além de fazer pouco ou quase nenhum investimento midiático. Procurado pela reportagem, o cantor Frank Aguiar atribuiu o resultado ao esforço do seu investimento e aos novos direcionamentos de sua carreira. “Este ano retornei ao Piauí, montei aqui meu escritório e me agenciei com uma empresa local”, diz o cantor, que também está no ar com um programa na TV Meio Norte. “De minha parte sempre fiz questão de enaltecer o meu estado por onde passo, mas não me considero um representante da música piauiense”, esclarece. “Eu canto a música brasileira, o forró, o nordeste, e isso é genuinamente brasileiro”. O cantor, que prepara a festa dos 25 anos de carreira e promete a gravacão de um DVD no litoral piauiense, diz que teve que encarar a crise do mercado fonográfico para seguir em frente. “Antigamente eu vendia um milhão de CDs, hoje os números nas vendas são muito baixos”, revela. “Eu tive que ir pra rua, fazer mais shows, disco promocional, ficar atento”. Ele critica ainda a falta de verbas para a cultura e diz que driblou as dificuldades através da arte. “Se não fosse a minha música, hoje eu não seria ninguém”, diz. Ele, que foi vice-prefeito da cidade de São Bernardo e também deputado federal, ressalta que sempre empenhou-se em priorizar a cultura através da política. “Nós, artistas, geramos renda, somos 8% do PIB nacional, somos os principais representantes da identidade de um povo, mas não somos retribuídos com incentivo nem motivação”, observa. “O resultado é o cinema fechando, o teatro se acabando, e por aí vai”. A diversidade musical do Piauí é muito grande para que dois nomes de estilos bem parecidos apontem no ranking da pesquisa – é a opinião do músico Roraima. Quando escolheu ficar no Piauí e viver de música três décadas atrás, ele já sabia que ficaria no conceito de “alternativo”. “Popular é o que é consumido”, define. “As músicas tocadas pelos que representam aí o gosto da população são feitas em massa, podem ser feitas até 30 por dia. Música com arranjo, com preocupação de letra e melodia exigem mais tempo de produção e mais gente envolvida”, acrescenta. “Acho que o público, no geral, é leigo em relação a qualidade musical”, critica o cantor que é também dono de um estúdio e trabalha com composição de trilhas e jingles publicitários. “É como votação de música em festival, que agora é pela internet. O critério ali é quem atinge o maior número de pessoas, não exatamente a qualidade”, compara. Como músico, ele acredita que sua missão é também educar os ouvidos e descobrir novos talentos para o meio artístico “É trazer mais gente pra engrossar o caldo da boa música”, acredita. “Novas porcarias sempre surgirão pra colocar nos ouvidos sucessos radiofônicos inexplicáveis”, ri. LITERATURA Na cidade em que acontece o Salão do Livro do Piauí (Salipi) há treze anos, leitura não é exatamente uma prática e são poucos os escritores piauienses conhecidos pela população. Pelo menos é o que revela a Pesquisa Revestrés/Amostragem de Cultura. Os números, algumas vezes, podem assustar, mas trazem informações importantes que nos levam a observar uma realidade concreta e rever as expectativas para uma cidade como Teresina. A leitura é cultivada por 64% das pessoas – contra 36% que afirmaram não ter o hábito de ler. O dado até parece bom embora seu detalhamento traga informações que merecem atenção: o quase total desconhecimento de autores e livros piauienses. O professor de português Luiz Romero, um dos organizadores do Salipi, faz uma análise um tanto pessimista da situação. “O índice dos que dizem ‘sim’ para a leitura é muito alto e provavelmente se refere ao hábito, mas não ao cultivo do hábito”, comenta. “Nessa prática podem haver leitores esporádicos ou de leituras com qualidade duvidosa. Falta aquele hábito de ir à livraria sem compromisso com o livro científico ou didático”. O conteúdo da leitura, de fato, pode relativizar esse índice positivo: os livros religiosos saem na frente na preferência, com 32,39% das respostas. Em segundo lugar aparece a leitura acadêmica (27,60%), seguida do romance (14,06). Ocupando o quarto lugar estão os livros de poesia, com 10,94%. Os leitores de biografia aparecem em 10,42% das falas, seguidos dos de crônicas (9,90%) e autoajuda (6,25%). Segundo Leonardo Dias, livreiro, os dados mostram uma realidade que ele testemunha todos os dias em seu negócio. Ele confirma o alto índice de pessoas que procuram publicações de autoajuda e acrescenta que livros de cunho religioso também têm uma grande saída. “Augusto Cury é o maior vendedor de livros do país. E padre Marcelo Rossi já vendeu onze milhões de livros no Brasil. Há uma procura muito grande por esse tipo de obra”, diz. Romero acredita que os índices sobre livros religiosos revelam mais consumidores que leitores. “As pessoas compram livros de religião, mas não os leem por completo”, diz, demonstrando preocupação com os dados referentes à literatura. “Os sinais são de crise, com exceção ao livro de consumo, isto é, ao best-seller de momento e ao sensacionalismo de sexo”, pontua. Isto preocupa quem está envolvido diretamente e quer ver mais leitores no campo da literatura”. Feliciano Bezerra, doutor em Comunicação e Semiótica e professor de Literatura da Universidade Estadual do Piauí, chama atenção para possíveis justificativas ao tipo de leitura procurada pelos teresinenses. “Os dados mostraram que há algum investimento de leitores na medida em que são consideradas leituras impositivas do exercício da fé e da vida acadêmica”, destaca. Para Paulo Fernando Lopes, doutor em Comunicação e Cultura pela ECO/UFRJ e professor da Universidade Federal do Piauí, o hábito de leitura no Piauí, assim como no Brasil, continua em construção “Somos um país e uma cidade recém alfabetizados”, aponta. “Empiricamente observo um fenômeno quanto a leitura de jornais e revistas que podem escamotear pesquisas”, defende. Os dados da Pesquisa Revestrés/Amostragem denunciam que entre os entrevistados, a prática de ler revistas (3,65%) é maior do que a de jornais (3,13%). “É possível perceber que através de assinaturas feitas por instituições públicas e privadas há um número muito grande de leitores que não são contabilizados enquanto consumidores em banca, mas um número significativo lê, das mais variadas formas, jornais e revistas”, defende. Ele observa ainda um aumento na quantidade de publicacões de revistas locais, “hoje, em número e temáticas maior que os jornais”, aposta. “Um mercado editorial de revistas segmentadas por assuntos busca se institucionalizar. Há a necessidade de uma maior profissionalização – a estratégia de circulação de algumas revistas a ‘custo-zero’ implica uma distribuição mais informal, não cria o ato de significação na relação com o leitor”, detecta. “Sem a prática de consumo cultural consciente, onde o leitor investe dinheiro e sentidos na leitura de jornais e revistas locais, os dados sempre vão revelar um perfil de leitor sem conseguir identificar a constituição do hábito de leitura”. Saindo do consumo de news, e indo para a leitura dos clássicos, o índice de leitores que procuram por autores locais não vai nada bem. Apenas 11% dizem ter lido algum título da literatura piauiense, enquanto 89% desconhecem os autores. “Nós, professores da área, enfrentamos uma tarefa hercúlea para melhorar esse índice”, afirma Feliciano, que observa certa procura por nomes como Assis Brasil e O.G Rêgo de Carvalho, embora novos autores sejam praticamente desconhecidos pelo grande público. “Há as exceções estimulantes que ajudam a melhorar o quadro”, diz. “Não há espaço para quem diz que não há livros bons. Claro que há! O melhor termômetro disso é o Salipi: dezenas de autores procuram o evento para apresentarem seus livros”, complementa Bezerra. A pesquisa pediu ainda que os entrevistados citassem algum título piauiense que tenham lido nos últimos anos. “Beira Rio, Beira Vida”, do escritor Assis Brasil, aparece na primeira posição, com 12,12% das respostas. 6% dos entrevistados citaram também “Os que bebem como os cães, do mesmo autor – ambas as obras eram exigidas nas provas de vestibulares, antes das universidades adotarem o Enem. Empatados, com pouco mais de 3% das opiniões, aparecem o nome do poeta Torquato Neto e o filme piauiense “Ai que vida”, numa clara demonstração de respostas confusas. Assis Brasil também é destaque nas respostas à pergunta “Autor piauiense que já leu”: ele aparece na frente em 18,18% das falas. Torquato Neto é citado em quase 10% das respostas, seguido por H. Dobal (9%), Da Costa e Silva (6,06%), o cordelista Pedro Costa (3%), o professor de cursinhos Washington Sucupira (3%), além de Cineas Santos (3%). Romero atribui o desconhecimento também ao pouco empenho em reeditar certas obras. “O poeta H. Dobal em pouco tempo será um autor esquecido porque sua obra não tem previsão de ser novamente editada”, prevê o professor. “A geração seguinte não terá a oportunidade de ler o poeta”. Leonardo, que além da livraria comanda uma editora, diz que estes resultados não são proporcionais ao aumento evidente da produção local. Ele afirma que o número de novos autores que surgem a cada ano contrasta com a pouca procura por esses títulos nas prateleiras. “Temos centenas de livros lançados, mas falta criar uma estratégia para esses livros saírem”, acredita. “O nosso conselho editorial seleciona ótimos materiais e podemos dizer o quanto temos publicado bons livros. O que falta é criar alternativas, adotar nas escolas, ver uma forma de tornar o livro piauiense atrativo”. O escritor Assis Brasil foi reconhecido por 20,33% dos teresinenses – uma disparidade com o índice de pessoas a quem soou estranho o nome de Carlos Castelo Branco: 87,33% dos entrevistados não sabem quem foi o jornalista piauiense que escreveu para o Jornal do Brasil, atuou politicamente e hoje dá nome à biblioteca da Universidade Federal do Piauí. “Há uma inversão de valores”, afirma Romero. “O Piauí desconhece o ilustre jornalista enquanto o sul do país o conhece e o exalta – ganhou recente biografia de alta referência. O que acontece?”, provoca. “Imagine alguém ainda errar quando se pergunta quem é o autor do Hino do Piauí”, destaca o professor. “A escolaridade começa dentro de casa. O resto vem por prazer e interesse pessoal”. DANÇA A Pesquisa Revestrés/Amostragem de Cultura também contemplou a dança, na busca de descobrir como esse tipo de arte chega à população e qual conhecimento o público tem sobre este forte segmento de expressão da cultura. 88% das pessoas não souberam dizer sequer o nome de um dançarino piauiense. “Para mim deixa claro que ainda é preciso fazer mais e melhor, mais espetáculos em lugares variados e não apenas nos escassos teatros da cidade, mais projetos de conexão com as escolas, fonte principal desse desconhecimento”, comenta Luzia Amélia, coreógrafa e coordenadora do Curso Técnico em Dança do Estado do Piauí, que acaba de formar a primeira turma. Jovens prontos para o mercado de trabalho, numa realidade social onde a dança é pouco valorizada. Luzia vê um descompasso imenso entre a produção artística e a introdução da arte da dança nas escolas. Na sua concepção, ambas caminham em ritmos distintos. “Os artistas, e em especial os de dança, produzem muito, mas, não há nas escolas projetos que preparem os alunos para a formação de plateia, para assistir espetáculos. Não é também colocar um sem n úmero de alunos em um ônibus e levá-los ao teatro, sem nenhuma preparação teórica, como se eles ou qualquer pessoa seja capaz de fruir dança sem elaboração anterior”, diz a coreógrafa, que lembra a importância do ensino nesse processo de construção. “Os resultados dessa pesquisa clamam por uma escola que proporcione aos alunos o mínimo conhecimento de dança”. Quem também compartilha da opinião é a professora, coreógrafa e pesquisadora piauiense Lenora Lobo. “Se nossas crianças não tem informação sobre arte nas escolas, dificilmente conseguiremos difundir esta arte tão maravilhosa que é a dança e suas várias abordagens, como a dança regional ou popular, as danças sociais, as danças cênicas como o balé, o moderno, o contemporâneo e outros”. (Publicada na edição #20 – maio/junho de 2015)