Participaram desta entrevista: André Gonçalves, Wellington Soares, Samária Andrade e Marcelino Freire (convidado. Escritor e produtor cultural). Texto, edição e fotos: André Gonçalves.

Alguma coisa estava diferente em Valter Hugo Mãe quando ele pisou no palco em Teresina, para bate-papo durante a Balada Literária. Fãs mais atentos logo perceberam: a figura sempre sóbria, com semblante que não se sabe muito bem se reflete alguma melancolia ou timidez, não vestia preto ou cores escuras, o que há tempos é uma de suas marcas registradas. A camisa florida, colorida, refletia a luz cenográfica e fazia surgir um Valter mais leve que o habitual. Ao sentar na poltrona a ele reservada, sentiu-se inseguro. A poltrona balançava e Valter, involuntariamente, provocou risos discretos na plateia, claramente formada por fãs, que aplaudiu com algum frenesi sua aparição e riu mais à solta quando, abdicando do trono temporário um tanto titubeante, sentou-se em outra cadeira, mais firme e sólida. Quase ao fim do bate-papo, Valter Hugo Mãe realiza leitura de trecho de um de seus livros: a voz curta, baixa, ritmada, preenchia o ambiente absolutamente silencioso até que, terminada a leitura, disse apenas “é isso”, ato seguido de aplausos que explodiram um tanto estrepitosamente em meio a gritos, assovios e declarações: “lindo”, “te amo”.  

Valter Hugo Mãe é, hoje, um dos mais consagrados autores em língua portuguesa do mundo. Em seu site, publicou breve autobiografia, toda em minúsculas, assim como seus quatro primeiros livros que formam a “tetralogia das minúsculas”. Na autobiografia, conta que nasceu “no dia vinte e cinco de setembro de mil novecentos e setenta e um, numa cidade angolana outrora chamada henrique de carvalho, hoje conhecida por saurimo”. Há quem questione se Valter Hugo Mãe deve ser reconhecido como escritor angolano ou português mas, para quem o lê, aparentemente não importa. Não importou para José Saramago, que o classificou como “tsunami literário” quando, em 2007, seu O Remorso de Baltazar Serapião recebeu o prêmio que leva o nome de Saramago que, ainda, afirmou sobre o texto de Valter: “Por vezes, tive a sensação de assistir a um novo parto da língua Portuguesa”. Não é pouco. 

No dia seguinte ao bate-papo na Balada Literária, Valter Hugo Mãe nos recebe no hotel. Usa outra camisa colorida, o que provocou a inevitável pergunta sobre o porquê dessa mudança no figurino cotidiano. A resposta remete à Revolução dos Cravos, em Portugal, e ao atual momento político brasileiro. “Quis muito comprar essas camisas para a viagem ao Brasil porque sou da opinião de que o Brasil está a passar por um tempo muito difícil e, sobretudo, muito perigoso”. 

Por mais de uma hora Valter Hugo Mãe conversou com Revestrés. Cada resposta fazia parecer que estávamos vendo um escritor a criar. As falas de Valter se assemelham aos seus textos, em ritmo, tom e pontuação. Por isso tentamos manter, nessa edição, as palavras e expressões como foram ditas por ele. É assim com seus livros, que ele pede que não sejam adequados ao Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa de 2009. Descobrimos em Valter Hugo Mãe não só o grande escritor, mas também um homem que ri, com o humor tipicamente luso, que assume posições e que se diz “sortudo”: “Acho que sou sortudo. Tenho sorte por poder estar aqui, poder ter uma experiência de conhecimento e é isso que me interessa”. Sorte, mesmo, temos nós, por podermos levar até você essa entrevista. 

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Foto | André Gonçalves

Samária: Em O filho de mil homens você diz: “um homem chegou aos 40 anos e assumiu a tristeza de não ter filhos”. Você, que não tem filhos, associa o não ter filhos aos sentimentos de solidão e incompletude? Você convive com esses sentimentos? 

Valter Hugo Mãe: Sim, claro. Inclusive acho que convivemos todos, é uma contingência da humanidade e é um ponto fundamental do meu trabalho essa pesquisa, ou essa utilização da expressão plástica, da expressão literária, como modo de iludir essa solidão elementar, existencial. Tenho a sensação de que fazemos arte, ou escrevemos, porque pressentimos que falta qualquer coisa. Nada se torna suficiente, nada é bastante, e há algo que fica como que evitado, há algo que está proibido ainda, que não é de domínio da evidência, que está meio por revelar. E para colmatar esse desamparo, essa solidão que nos define, acho que o artista se esforça para dotar uma obra de uma capacidade de companhia, de um resplendor que seja ao mesmo tempo reconfortante como beleza, como conhecimento, mas que produza o efeito de um acompanhamento. Tenho a impressão de que saber é ter companhia. O homem, se não pode ultrapassar a sua contingência solitária, se puder cultivar-se, se puder aceder ao conhecimento, o próprio conhecimento é um efeito de companhia. Estou sempre lidando com esta questão de uma propensão para o abandono e de uma tentativa de resgate.  

Perder leva a uma construção, leva a um crescimento que nós, por mais que sejamos relutantes a reconhecer, capitalizamos.

André: Sua literatura é carregada de afeto, de emoções. Você consegue precisar o que lhe provoca as emoções que você transpõe para sua literatura? 

VHM: Eu vejo que nos meus livros acontece uma junção, um apelo ao que é extremo na possibilidade de sentir ou não sentir. E por isso eu tanto uso a extrema emoção para uma sensibilização ou para aludir à sensibilização, como eventualmente uso o grotesco. Há livros meus, como O filho de mil homens, que poderá ser extremamente afetivo, ainda que seja uma tragédia tremenda. Extremamente afetivo, mas deve ser dos livros mais politicamente incorretos, mais horrendos, no que diz respeito ao pensamento, ao modo como instala um terror, um horror. É da minha natureza criar polarizações, polarizar as imagens para que uma determinada ideia passe. Creio que nesse duelo, entre o que é bem e o que é mal, sempre procuro fazer as coisas em um sentido crítico. Meus livros são, sobretudo, formas de meditação crítica, acho que estou propondo um pensamento construtivo que pode apontar para uma certa esperança. Mas nem sempre vejo meus livros como simpáticos ou como muito afetivos. A desumanização é fraturante. Há até uma estética que se impõe aos livros, uma poética muito sobrecarregada, eu sou muito fascinado pela possibilidade de trabalhar poeticamente os textos. Mas por vezes eu creio que se pode iludir, ou se pode disfarçar aos olhos do leitor o quão terrível é a narrativa que estão a ler. A desumanização não deixa de ser a prepotência de um adulto sobre uma criança. A máquina de fazer espanhóis é a morte iminente, o esgotamento do tempo; O remorso de Baltazar Serapião é a brutalização do homem perante a mulher; O apocalipse dos trabalhadores eu não posso dizer, porque seria um spoiler (risos). Como eu tento ver tudo por uma perspectiva muito humanizante, porque eu preciso entender, eu preciso encontrar humanidade em todas as condições, em todas as situações, o que nos pode produzir algum apaziguamento em qualquer situação em que estivermos, é de facto a pista para nos entendermos ainda humanos. E por isso, nesses livros, o que acontece é que mostro uma realidade de algum desalento, de algum desespero, até, mas encontro nas personagens motivos para justificar ainda a sua humanidade. Acho que é, no fundo, o que fazemos todos durante toda a vida quando duvidamos da justiça de existirmos, vivermos determinada coisa, nós urgimos, temos urgência de voltar à consciência de que aquilo faz parte de uma construção. Perder, uma fratura, leva a uma construção, leva a um crescimento que nós, por mais que sejamos relutantes a reconhecer, capitalizamos. A pior fortuna que nós temos é perder. Mas é uma fortuna. Hoje eu sei que a morte de meu pai é um patrimônio meu. É o patrimônio mais terrível de se conquistar, mas é um patrimônio que, talvez, seja um dos mais valiosos da minha vida. É a experiência de ter tido meu pai, de perder meu pai e de ter o meu pai perdido, ter o meu pai na condição de alguém que morreu. 

Marcelino: Nunca te ouvi falar sobre teu pai. Quem é o pai do Mãe? 

VHM: Mas eu falo. Quando eu falo nesse livro (O filho de mil homens) é inevitável falar de meu pai. Esse livro foi escrito para ele, uns anos depois de sua morte, não imediatamente quando acontece, quando acontece não há expressão. Meu pai morreu muito cedo, vai fazer 20 anos, era ainda jovem, fez o serviço militar em Angola, ficou como militar em Angola durante um tempo, passou a trabalhar em um banco, depois foi funcionário bancário em Portugal durante uns anos e teve sempre o sonho de ter um café, porque era o que os pais dele tiveram quando ele era menino. E então acabou tendo um café, que foi um lugar muito importante para mim na minha juventude porque eu estava descobrindo o mundo. Nós vivíamos direto no café, o que significava que tínhamos uma espécie de sala de visitas todo dia, toda noite, nossa casa era ali, era aquele negócio, aquele trabalho. E foi muito inspirador o convívio, nossos clientes eram bem do bairro, bem do lugar, e eram, sobretudo, pescadores e pessoas que costumo dizer que morriam no inverno, porque o lugar de Caxinas, onde eles vivem até hoje, era a maior concentração de pescadores do país, são os mais bravos do país. Em invernos de grande dificuldade, de grande temporal, quando algum barco afunda, sempre tem gente dali. Era muito comum ter clientes mortos, pessoas que se tornavam amigas da família, rapazes muito novos com seus 18, 19 anos, 20 anos, era muito comum que, no inverno, tivéssemos a notícia horrenda da morte de mais alguém, da morte de algum moço. O meu pai era essa pessoa meio sonhadora, os pés muito pouco pousados no chão, foi campeão de damas, jogava damas, e escreveu dois ou três poemas, deixou dois ou três poemas que eu guardo, e era muito hipocondríaco. Desde que me lembro de ouvi-lo falar ele dizia que haveria de morrer com algum câncer, e morreu com câncer. Ficou repetindo aquilo durante pelo menos 30 anos, convencendo a natureza a fazer-lhe a vontade. 

Eu acho que só os filhos são felizes. Acho que as mães são absolutamente incapazes, ficam proibidas de ter felicidade.

André: Você já falou diversas vezes sobre o uso do apelido Mãe, e lembro de Cazuza, que cantou que “só as mães são felizes”. Você associa essa palavra, “mãe”, à felicidade, ou você acha que ela acontece em outro lugar? 

VHM: Não, eu acho que só os filhos são felizes. Acho que as mães são absolutamente incapazes, ficam proibidas de ter felicidade. É uma euforia, mas é uma euforia como se fosse um balão em que tudo no exterior é eufórico mas, por dentro, depois de uma fina camada de euforia, também está já sofrendo, porque tudo no mundo é um perigo para o seu filho e a mãe não consegue emoldurá-lo. Acho que o pai consegue mais facilmente, mas para a mãe é seu próprio corpo que vai se autonomizando e ela tenta dirigir o filho, ou tenta cuidar do filho como cuidaria de sua própria mão, de seu próprio braço, de sua própria perna, e não vai conseguir. A mãe sabe da tragédia que é ter um filho, mas é uma tragédia que fica escamoteada por essa alegria que é mais um regozijo, é mais uma euforia do que propriamente uma felicidade duradoura, estável. Felicidade só é felicidade se for de algum modo estável de sentir. Se houver uma periculosidade tremenda, um estado de sobressalto permanente, não é bem uma felicidade. É como a gente beber e ficar aos pulos, dançando, mas saber que, no dia seguinte, vai ter de pagar o imposto e o cheque ainda não chegou e não se sabe como fazer. A mãe é um pouco assim, ela está aos pulos, mas sabe que o preço é demasiado alto, porque ela paga um pouco com esse medo constante, com essa observação de que o mundo não é simpático para os filhos. Só os filhos é que passam por um tempo em que não sabem de nada, eles são tão protegidos, há tanta gente ao lado conspirando ao seu favor, eles ficam tão aptos para a felicidade que eles sim, podem ser felizes.  

Samária: Você é jovem, tem uma carreira… 

VHM: Sou nada, tenho 47 anos, estou velho, careca… (risos) Acabado… Não sou jovem, me recuso, protesto (risos). 

Samária: Você já é um consagrado escritor, e seu percurso não é um percurso linear. Aparentemente você convive muito bem com isso. Qual é a importância desse percurso não-linear, porque você fez Direito… 

VHM: É, um escritor não tem escola para o ser. Seria incrível, já imaginou, se as pessoas tivessem uma escola específica. Você tem escola para pintor, para escultor, você tem escola para bailarino, para músico, cantor. Não tem para escritor. Não tem para poeta, por exemplo. Não há nada, senão uma pulsão meio natural e a experiência da vida, que possa ensinar você a escrever, a fazer literatura, a fazer uma arte literária. Então, toda a deriva, toda essa falta de aparente lógica é a escola mais normal dos escritores, os escritores vêm de todas as maneiras. Eu gosto disso. Gosto inclusive de que não exista a possibilidade de padronizar, porque a arte já tem certa tendência para aproximações. Se houvesse uma escola talvez houvesse um perigo de nós produzirmos em série, como por vezes acontece em outras artes. A música mais popular hoje, por exemplo, não se consegue nem distinguir de quem é, é tão a mesma coisa que não tem como distinguir quem é o compositor ou intérprete. E a literatura é algo que, em alguns momentos, pode acontecer assim, mas a grande literatura não tem isso, não vem da mesma casa. 

Wellington: Ontem, na sua conversa, você falou que beijaria os artistas brasileiros… 

VHM: Não que eu fique ansioso por isso, mas não seria muito sacrifício beijar uns gênios (risos).  

Wellington: E quem são esses gênios? 

VHM: O Brasil tem muitos gênios. Eu estava falando, sobretudo, dos musicais, que são também literários porque são quase todos eles grandes poetas. Mas os Chicos, o Buarque e o César, por exemplo, são figuras apaixonantes, que eu acho importantes, urgentes, necessárias. O Caetano Veloso, o Ney Matogrosso é um artista que eu admiro muito, que acho que teve uma inscrição histórica. Mas tem muita gente, na literatura o Raduan Nassar, que é uma pessoa que eu adoro, o Ignácio de Loyola Brandão, de quem sou amigo. Há muita gente, muita gente. O Brasil, com esse tamanho continental, esse gigantismo, tem o privilégio de abrigar, de facto, almas muito distintas e muito superiores. Em um país normal conviverem ao mesmo tempo artistas de uma genialidade esplendorosa, num pequeno número, é já raro, não é? Se tiverem cinco artistas geniais na França contemporânea é muito, o Brasil eu acho que tem mais do que cinco artistas geniais. Mas aí é natural, porque de facto no Brasil se tem várias Franças, tem muitas Franças dentro. E uma das maravilhas do Brasil, que é algo que causa também incômodo aos infelizes, que sofrem de preconceito, mas que eu acho que é de facto a maravilha humana do Brasil, é que o Brasil é uma confluência de muitos povos, e por isso os povos, ao fazerem o Brasil, digamos assim, ao inventar essa receita que hoje vemos como brasileira, trazem de muitos pontos, ainda que não consigam exercer de uma maneira concreta, um conhecimento que chega de várias maneiras, e por isso descortina várias sensibilidades e aponta para todos os caminhos. São poucos os países que têm uma mesclagem, que têm uma mestiçagem tão grande quanto o Brasil tem, e que produza uma cultura ao mesmo tempo tão rica, ainda que seja vibrante, conflituante, mas ao mesmo tempo coesa, coerente. Há uma coerência nessa agitação toda. Isso é dinheiro, é dinheiro cultural, é dinheiro humano. É ouro. Por isso dá gênios por aqui, por aqui podem nascer vários gênios, e acho que já estão nascendo. Têm uns moços e umas moças muito jovens que já mostram que, no futuro, vai continuar a ter figurões. E ainda por cima, além de figurões da arte, gente muito brava, com capacidade de dizer e de pensar, porque aí também entra algo que é muito importante, que é a capacidade de ter um lugar na sua época, não apenas como alguém que propõe um objeto de passeio, uma obra pelo qual podemos passear, mas alguém que tenta interferir no percurso do seu país e no percurso do mundo. Eu gosto disso, gosto que as pessoas tenham coragem e que pensem alguma coisa, nem que estejam erradas. 

A gente vai sempre publicar uma tentativa, nunca é uma certeza, nenhum livro é uma certeza de coisa nenhuma. É uma hipótese.

Samária: Em A máquina de fazer espanhóis você fala, no final: “eu quase joguei fora as primeiras cinquenta páginas”. Você é muito exigente com o que escreve? 

VHM: Sou demasiado. Gostaria de ser mais brando comigo. Mas sou o meu pior inimigo. Alguns livros eu escrevi várias vezes, cada vez mais não consigo rever, eu reescrevo. Ou seja, mais do que ficar corrigindo frases, eu apago e começo outra vez. Isso já aconteceu com livros em que eu já tinha 100 páginas escritas, e esqueci aquelas 100 páginas e comecei tudo outra vez, mudando pequenas coisas na arquitetura da trama, às vezes mudando a idade das personagens, decidindo como vai ser adulta, vai ser criança, decidindo se vai ser criança ou vai ser adulta, decidindo se vai ser menina ou vai ser menino, ou o contrário. Por exemplo, A desumanização: a versão que está editada é a 18ª versão. Foi a décima oitava vez que eu escrevi o livro, ou que eu comecei, pelo menos, a escrever o livro e, muitas vezes, chegou a ter 70 páginas, 80 páginas, e eu voltei sempre à página um, deitando tudo fora. Porque é insuportável se você quiser endireitar alguma coisa, mantendo a sua espontaneidade. Eu, pelo menos, vou sentir que está falseado, não é? É como estar à espera de ocupar uma casa nova, acabada de estrear, e você entender que, na verdade, não é nova, foi uma casa na qual alguém fez um arranjo e encheu de qualquer coisa que você vê que é tudo velho, que é meio remendado. Cada vez mais não consigo suportar o remendo e jogo fora, e começo outra vez. Os livros mudam. Depois tenho a sensação, às vezes, de que algumas versões anteriores poderiam ter sido mais interessantes. (risos) “Ah, se na verdade ela fosse adulta, talvez pudesse fazer isso ou aquilo”. Às vezes, pois o livro acontece, chega às mãos dos leitores e eu fico recebendo o livro de volta, o livro ganha outra maturidade e eu penso: “tá bom assim, mas se eu tivesse optado por manter uma outra coisa qualquer eu poderia ter explorado isso, ou aquilo, agora já não dá”. Mas é assim, a gente vai sempre publicar uma tentativa, nunca é uma certeza, nenhum livro é uma certeza de coisa nenhuma. É uma hipótese, são só hipóteses.

Foto | André Gonçalves

WELLINGTON: Até chegar a esse estágio como escritor, você bebeu em muitas fontes. Quais foram os autores que o influenciaram, ou em quem você se inspirou para escrever?  

VHM: Eu, na verdade, comecei a escrever menino, sem saber o nome das coisas, sem saber que um poema era um poema, escrevi muitos poemas, achava que colecionava palavras, era como eu chamava. Eu chamava “coleção de palavras”. Foi na escola, talvez aos oito anos, que a professora me disse “isso tem um nome, isso é um poema”. Achei até um pouco ofensivo, porque como era meu, era só meu, ninguém sabia, senão eu, como era feito, achei um pouco ofensivo que ela tivesse um nome, como se ela soubesse mais do que eu acerca da minha coleção. Eu não tinha livros, apenas aos dez anos comprei meu primeiro livro, não havia livros na minha casa. Aquilo que primeiro chega a mim vem através das imagens, vem da televisão, vem de filmes e vem muito da música. Acho que a primeira coisa que me marca, de facto, é a voz cantada, e talvez a pintura. Havia em minha casa uns posters, com umas pinturas clássicas, eram só posters, não eram obras de pintura verdadeiras. Mas eu pasmava com aquelas imagens e elas eram de todas as épocas, tinha a Mona Lisa, tinha uma coisa de Rembrandt, tinha um Goya, e eu pasmava para aquelas imagens e aquilo era, assim, do tamanho do tempo, e ao mesmo tempo eu ficava tentando fazer um sentido. A estranheza, as coisas um pouco fortes, as coisas meio obscuras, e creio que em toda a minha vida, até hoje, aquilo que mais diretamente me causa impacto é o que eu vejo, é o que eu ouço. A literatura também me causa impacto enquanto leitor, mas eu fujo dela. Eu fujo do poema dos outros, no sentido em que eu preciso ler, mas preciso deixar quieto. Não quero trazer o poema dos outros para o meu poema, eu quero que o meu texto continue a vir desse lugar sem palavra. No fundo é isso que a poesia é, uma expressão do indizível, daquilo que nunca foi dito. Se você começar a tirar a poesia da poesia dos outros você já vai criar uma poesia dentro daquilo que já está dito.  Então percebo que posso estar a construir alguma coisa de novo, talvez você só esteja construindo uma retórica. Quero fazer ao contrário, quero observar, quero ter a sensação do som, do frio, da luz, da escuridão, e daí que eu quero que cheguem minhas imagens e as minhas palavras. Eu continuo, sobretudo, a usar a pintura e a usar paisagem, e a usar Elza Soares. 

A voz do poeta branco, hoje, ainda que possa ser amadurecida, não é mais urgente ou tão urgente quanto é a voz dos poetas negros e das poetas negras, dos indígenas, das mulheres.

André: Em uma entrevista para Pedro Bial você diz: “um poeta mediano brasileiro costuma ser mais interessante que um bom poeta português, porque acarreta um outro modo de dizer as coisas”. Você acha que a literatura brasileira tem nuances que a literatura portuguesa não consegue alcançar? 

VHM: Acho que em Portugal, neste momento, estamos vivendo um tempo de magnífica poesia, uma magnífica nova geração. O que acontece é que, para quem vem de Portugal, com um padrão de linguagem portuguesa, o embate com o Brasil é sempre propenso à originalidade, à observação da originalidade, porque a língua aqui amadurece de outro modo, e aí se descobrem outras coisas. Aqui se integra conceitos, se integra inclusive vocábulos, vocês têm muitos vocábulos que nós nunca usamos em Portugal. Não são palavras do português europeu, são palavras do português daqui ou então nem sequer são palavras portuguesas: são tupi, são indígenas, são negras, vêm dos povos africanos. Esse português praticado aqui, mesmo que seja praticado num texto pouco valioso literariamente, pode tornar-se um tópico de pesquisa, uma fonte de pesquisa muito interessante. Porque a gente acaba por ter essa experiência da diferença. O que eu acho que está a acontecer no século 21 de fundamental nas poéticas e na linguagem, nas linguagens artísticas e, desde logo, na linguagem literária, é que uma certa voz da periferia, uma voz que até agora estava sendo adiada, se vai impondo, se vai erguendo. E muitas das vezes não é feito com uma qualidade imediata, mas é com muito mais urgência do que a voz padronizada, de costume. A voz do poeta branco, hoje, ainda que possa ser amadurecida, não é mais urgente ou tão urgente quanto é a voz dos poetas negros e das poetas negras, dos indígenas, das mulheres, por exemplo. Escrevi alguns textos sobre a poética das mulheres dizendo que o século 21 é o século das mulheres. Porque é um século em que, com todas as convulsões, a voz delas se levantou definitivamente. A voz das mulheres vinha pontualmente, existia pontualmente, a gente sabe perfeitamente que elas estiveram sempre lá, mas nunca houve uma geração de mulheres que se impusesse como uma ampla consciência feminina de uma época. Foi sempre uma mulher em um lugar, uma mulher noutro lugar, eventualmente uma mulher num tempo, outra mulher noutro tempo. E agora isso acabou. Você tem um leque de poetas mulheres que desistiram de pedir licença, que desistiram de suspirar por um homem, abateram ou abatem todos os padrões masculinos nos seus pensamentos e passam a expor suas subjetividades, suas angústias, suas inteligências, sem estarem preocupadas em casar depois, o que era um grande drama da literatura feminina; parecia que só lhes era permitida a expressão se essa expressão fosse usada para se colocarem no lugar das donzelas casadoiras. Isso acabou. Tem mulher que não quer mais casar, e tem mulher que quer casar e não quer falar sobre isso no seu poema, ou pode falar sobre isso no seu poema mas vai falar de outra coisa também, e vai falar a partir de um ponto de vista em que ela está no centro do mundo, porque ela é o centro de seu próprio mundo e não pode ser de outra forma. Por isso estou interessado nessa poética que venha de um lugar onde eu não estou. O interesse vem daí, eu tenho interesse por um lugar onde não estou. O Brasil, ou Angola, ou a poesia da Pérsia, eu estive há alguns meses no Irão, por exemplo, comprei muitos livros. Interessa-me porque são poéticas que estão para lá de um lugar da minha normalização. É isso que está acontecendo no mundo, é de facto atingirmos outros referentes, lidarmos com outros referentes e deixarmos de ser todos descendentes de uma mesma figura branca.  

Samária: Nessa última viagem ao Brasil, ou nas anteriores, você aprendeu alguma gíria, alguma palavra diferente que gostou de conhecer? 

VHM: Sempre ouço palavras assim. Houve uma que eu meio que conquistei, o Pedro Bial me deu, que é borogodó (risos). Já tenho em minha casa uma bandeira que diz “aqui tem borogodó”, tem um prato que diz borogodó. Então virou uma palavra, um segredo meu com o Brasil, porque em Portugal não sabem o que quer dizer (risos). Mas eu gosto muito, às vezes as pessoas têm nomes indígenas e esses nomes têm significados, e sempre pergunto o que significa. O meu livro novo tem algumas expressões indígenas, eu uso palavras como curumim, por exemplo, que é uma palavra incrivelmente bela. Tamanduá, outro exemplo. É muito rico que nós possamos usá-las, até por uma questão de memória, porque algumas culturas indígenas não são ligadas à escrita. É muito rico que nós possamos positivar, possamos conservar essas palavras, saber de onde elas vieram e, inclusive, aproveitar os seus conceitos. Porque às vezes, como em “borogodó”, por exemplo, é um conceito, não é só a possibilidade de você dizer uma palavra que soa bem, é uma palavra que traz um conceito. Que o português não produziu, entrou no português, foi uma oferta dos povos originários. 

Marcelino: Qual a palavra mais bonita da língua portuguesa? 

VHM: A palavra mais bonita… Tem muitas. Desde sempre gosto de “vagalume”. Não sei se aqui se usa “vagalume”. E gosto de “disforia”. Mais do que de “euforia”, curiosamente. Mas talvez seja porque eu sou mais do escuro do que do muito claro. Mas entre essas duas… Bem, sim, “vagalume” e “disforia”, são minhas palavras favoritas do português.  

Wellington: Em Vidas Secas, de Graciliano Ramos, um dos meninos se encanta pela palavra “inferno”, e ele não compreende como uma palavra tão bonita significa algo tão terrível. 

VHM: Eu lembro de ser criança e a palavra que mexia comigo era “maputo”. Maputo, o nome da cidade. Porque alguém já tinha falado para mim um palavrão e eu achava “como alguém pode criar um nome de uma cidade tão próximo de um palavrão?” (risos). Passei uns anos ponderando. E acho que foi quando comecei a entender que talvez os adultos fossem maus, cruéis. Não podia ser a sério que tenham inventado um nome tão parecido com um palavrão.   

O Brasil está a passar por um tempo muito difícil e, sobretudo, muito perigoso. Então eu quis trazer essa roupa florida para aludir a uma possibilidade de semear de novo, no sentido de simbolizar a vida e não ficar obstinado com a morte.

André: Você já disse algumas vezes que os livros são parentes dos aviões e dos tapetes voadores. Claro que você fala não necessariamente do objeto livro. Mas fazendo um paralelo com a chegada dos livros digitais, os e-books, você acha que esse novo suporte pode alterar essa proximidade que você coloca? 

VHM: Acho que é inevitável que existam outras experiências. Houve muita gente tentando imaginar o livro do futuro, tentando até apressar as coisas, achando que o livro ia ter som, ia ter vídeo, ia passar a ser um objeto mais rarefeito com as palavras, um pouco mais histriônico. Mas acho que não tem funcionado muito. O livro virtual, digamos assim, não se está impondo em lado nenhum, muito ao contrário. Decrescem, na Europa está meio que desaparecendo, as pessoas usam como uma espécie de suplemento, um acessório suplementar, e continuam a comprar o livro de papel. Depois usam um device, um aparelho, quando viajam, ou quando precisam de um livro que não conseguem na livraria mais próxima, ou que vai demorar muito tempo para chegar. O que eu vejo é que talvez não mude já. Tenho a impressão de que por uma questão ambiental, uma questão de fisicalidade do mundo, mais tarde ou mais cedo nós vamos ser obrigados a abdicar do papel. Não porque queiramos, mas porque vamos ser obrigados, porque até a floresta sagrada vai desaparecendo. Por isso qualquer lugarejo de árvores corre o risco de diminuir. Acho que não vai haver tanta árvore assim, e a árvore que houver vai até ser quase classificada como um monumento, vai-se colocar uma placa dizendo “aqui está um patrimônio do Estado”. Por isso a gente vai ter de abandonar. Mas vai levar um tempo, a gente ainda não sabe muito bem como. O que parece acontecer neste momento, e muito por influência da virtualidade, é que surgem autores que perdem o fôlego do grande texto, e editam livros e começam a editar livros que são uma espécie de anotação rápida de umas ideias e umas imagens, como se estivessem mais próximos do poema. É um capítulo estendido por 100 páginas. Você tem, por exemplo, o caso do texto muito bonito de Aline Bei, em que qualquer autor até 2005 publicaria como um poema, um poema um pouco longo, que poderia ocupar 10 ou 12 páginas, mas não diria nunca que é um romance, não seria nunca uma prosa, e é um livro que está aí posto, aceito como um livro de prosa, como um romance curto. Isso significa que estamos mexendo nos gêneros, estamos com dúvidas acerca do que é alguma coisa. Mas é inevitável, porque os leitores de hoje de alguma forma chegam muito mais depressa ao livro que possam ler em 20 minutos do que a alguma coisa que vão precisar de vários dias e de muitas horas. Talvez seja uma das alterações, que em certa medida poderão ser adulterações, que o mundo virtual está a propor. 

Samária: Valter, gostaria que você falasse um pouco sobre as camisas coloridas, porque realmente toda a imagem em que a gente lhe vê, você está de preto. E aqui você nos aparece com todas essas cores.  

Marcelino: E para não dizer que não falei das flores, pergunto o porquê de estares ultimamente tão florido? Tem a ver com revolução? Com Vandré, talvez?  

Foto | André Gonçalves

VHM: A revolução portuguesa é a Revolução dos Cravos, não é? A revolução das flores (a Revolução dos Cravos, de 25 de abril de 1974, depôs a ditadura fascista em Portugal). Por isso as flores têm uma simbologia na cultura portuguesa muito importante, de um valor inestimável. Mas eu quis muito comprar essas camisas para a viagem ao Brasil porque sou da opinião de que o Brasil está a passar por um tempo muito difícil e, sobretudo, muito perigoso. Porque a gente pensa sempre que não pode descer, mas pode. Pode descer muito mais, pode piorar muito mais. E a promessa é muito mais aterradora do que o que já está sendo feito. Todo o discurso do poder instalado foi um discurso de ameaça e de intimidação. Por isso, se ele colocar em prática tudo quanto prometeu fazer, o Brasil corre o risco de se tornar um campo de tiro, um lugar de abate. Então eu quis trazer essa roupa florida para aludir a uma possibilidade de semear de novo, de voltar a semear, de fazer germinar novamente, no sentido de simbolizar a vida e não propriamente ficar obstinado com a morte, com essa obsessão por punir, caçar, punir e matar. Acho que deve ser ao contrário, devemos estar preocupados com o fazer nascer. Fazer nascer, voltar a florir. Essa camisa com que eu hoje estou é particularmente significativa, porque ela é a única que eu não trouxe de Portugal e ela foi-me oferecida pelo Abdellah Taïa (escritor e cineasta), comprada na Casa de Jorge Amado. Então ela é, assim, uma estética “amadiana”, e tem essa coisa bonita de me ter sido oferecida por um vizinho, por um marroquino, o Abdellah é marroquino, de quem fiquei muito amigo aqui no Brasil. Ele comprou uma exatamente igual para ele e fez questão de comprar essa para mim, e nós ficamos os dois com essa camisa igual. Aí está no Instagram hoje mesmo dizendo “lugar de semente, compromisso com a esperança”.  

Samária: Tem uma expressão, aqui, que diz que duas pessoas vestidas iguais são “par de jarros”.  

VHM: Par de jarros? Então eu e o Abdellah somos um par de jarros! (risos). 

Wellington: Quando a gente começa a escrever tem a impressão, ou a pretensão, de que nossos livros vão mudar as coisas. Você tem a sensação de que sua literatura está mudando as pessoas? Vou mais longe: em Portugal vocês viveram a ditadura salazarista por 48 anos. Nós vivemos uma ditadura militar por 21 anos, estamos vivendo… 

VHM: Estão querendo viver outra ditadura! 

Wellington: Qual é a sensação para quem escreve e parece que essa literatura escrita não está tornando as pessoas melhores, mais humanas, mais fraternas? Ou até mesmo se depara com a situação de encontrar um leitor mais fascista, quando sua obra vai em outra direção? 

VHM: A gente sabe que os aliados de Hitler comoviam-se ao ouvir Beethoven, não é? Mas isso não os impedia, depois, de chefiarem os campos de concentração e exterminarem as pessoas. A comoção, digamos, a percepção da beleza de uma obra de arte infelizmente não comprova a humanidade de alguém. Eu tenho a esperança de que isso aconteça, eu acho, sim, que os livros importam para humanizar. Eles fornecem conhecimento, fornecem pistas para o amadurecimento do pensamento, para a sensibilização, e acho, sim, que eles ajudam muito as pessoas. No meu percurso pessoal é quase constante me encontrar com alguém que se diz profundamente impactado por um livro meu. Impactado ao ponto de mudar coisas, assumir uma coragem qualquer. Ter filhos, por exemplo. O filho de mil homens, de algum modo, fez filhos no mundo. Fez gente. Porque há muita gente que hesitava, que não queria, e que depois de ler o livro deu esse passo. E, inclusive, há várias crianças que me foram apresentadas que se chamam Valter, ou que se chamam Crisóstomo, ou que se chamam Camilo, por mim, o autor, ou pelos personagens. Isso são dados muito concretos do poder que um livro pode ter, e é algo que eu nunca poderia esperar. Mas, se eu pensar bem, muitos livros tiveram impacto em mim, muitos livros decidiram a minha vida. Isso é a maior compensação. Enquanto autor, entender que um livro meu pode ter a mesma importância que um livro de um outro autor teve na minha vida. A gente se reconhece. Estamos num encontro, e acho que é isso que vai acontecendo, e isso se torna muito gratificante de entender, que os livros se espalham pelo mundo e, de repente, eu chego, e encontro as pessoas como se nós já tivéssemos feito um match, aquela coisa, há um match entre nós, alguma coisa que fez uma ligação e nos torna, que nos denuncia a proximidade.  

Samária: Como você entrou em contato com a obra de Torquato Neto?  

VHM: Eu conhecia Torquato, sobretudo, pela música, pelos textos musicados, eu vi as letras. E depois a relação com Caetano, a biografia do Caetano, Verdade tropical, que eu editei em Portugal, e Torquato estava como essa figura meio mitológica, pairando em cima de tanta gente que admiro. Eu não sabia, até hoje não tinha encontrado os seus livros, as suas edições. Fiquei a saber agora quem editou a sua obra escrita e estou muito ansioso para poder ter um livro, poder levar para a minha biblioteca, poder ler. Está de facto um pouco na esteira do que acontece com a Tropicália, a Tropicália se recusa absolutamente a ser imbecil, ela pode ser divertida, ela pode ser sensual, mas ela não quer ser burra. Ela é feita em cima de uma qualidade, de um imaginário esplendoroso, sonoro, musical, mas tem uma exigência poética muito grande. O próprio Caetano Veloso é seguramente um dos grandes, um dos maiores poetas contemporâneos brasileiros. O Torquato Neto é um pouco essa raiz também, está no rizoma dessa vontade de fazer algo que possa ser popular, mas não descura nunca a qualidade, não descura nunca a inteligência, e hoje podemos dizer que não descura nunca a coragem.  

Mais do que feliz, eu sou grato. Eu não fico me queixando, ou não cultivo muito. Eu acho que serei feliz porque não tenho muito a paciência para ser triste.

Wellington: Você percebeu essa veia de escritor logo cedo, inclusive já nos trouxe essa lembrança. Hoje é um dos autores em língua portuguesa mais celebrados no mundo. Isso lhe tornou uma pessoa mais feliz, mais realizada? 

VHM: Talvez um pouco. Mas também eu era tão miserável que qualquer melhoria já conta. Mas eu não sou muito. Sou, sobretudo, grato. Mais do que feliz, eu sou grato. Eu não fico me queixando, ou não cultivo muito. Eu acho que serei feliz porque não tenho muito a paciência para ser triste. Não acho justo ser triste. A vida, com mais ou com menos, com filhos ou sem filhos, com livros ou sem livros, a vida é uma experiência valiosa. A gente vai superando a idade, vai vencendo e ficando meio “desimportado” com o corpo, usando o corpo, não deixando que o corpo se imponha ao nosso pensamento, ao nosso desejo. Acho que a gente chega a um ponto e, se não tiver entendido que somos uns felizardos, que somos uns sortudos, então é porque não aprendemos nada. Acho que sou sortudo. Tenho sorte por poder estar aqui, poder ter uma experiência de conhecimento e é isso que me interessa. A experiência de conhecimento da vida, do mundo, do que é ser essa pessoa. E a felicidade é uma coisa que ou é isso, ou não vai ter muita. No O filho de mil homens eu digo, um personagem a certa altura diz: “ser o que se pode é a felicidade”. Eu sou grato porque sou o que posso e aceito perfeitamente ser o que eu posso. Acho inclusive que sou privilegiado porque posso ser muita coisa. Posso ser mais do que, talvez, a maior parte das pessoas. Que não têm o privilégio de ser convidadas para vir ao Piauí. Seria muito ingrato da minha parte se, depois de ser convidado para vir ao Piauí, eu fosse triste. (risos) 

 

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