Participaram dessa entrevista: André Gonçalves, Maurício Pokemon, Samária Andrade, Wellington Soares. Convidada: Teresinha Queiroz (Doutora em História pela USP, historiadora, escritora, professora de História na UFPI). Texto de abertura e edição: Samária Andrade. Fotos: Maurício Pokemon.

José Saramago era apenas coadjuvante. Ele visitava Brasília naqueles anos 1960, acompanhando uma comitiva de intelectuais portugueses. Escrevia em jornais e havia publicado apenas um livro, sem grande repercussão: o romance Terra do Pecado, de 1947. Em Brasília o grupo de portugueses era recebido pelo paulista Alberto da Costa e Silva, filho do poeta piauiense Antônio da Costa e Silva. Alberto trabalhava no Ministério das Relações Exteriores, era poeta e mais tarde se tornaria diplomata. Os intelectuais portugueses proferiram uma conferência na Universidade de Brasília (UnB), que teve na plateia o sempre curioso Manoel Paulo Nunes. Terminada a conferência, todos – inclusive Paulo Nunes – foram convidados a almoçar na casa de Alberto da Costa e Silva, que dava assistência ao grupo português. “Almocei com Saramago e a apresentação dele foi uma das coisas mais constrangedoras que presenciei na vida” – conta Manoel Paulo Nunes.

Dono de ótima memória e lucidez, embora diga mais de uma vez: “Minha memória às vezes falha, vocês me avisam, que eu tenho muita coisa a dizer”-  Manoel Paulo Nunes, 88 anos, remexe nas lembranças para contar parte de suas histórias a Revestrés. Sobre o tal fato constrangedor no almoço em Brasília ele conta que João Ferreira, português e professor de língua portuguesa na UnB, ficou encarregado de apresentar aos convivas o mais desconhecido personagem da comitiva: Saramago. Diante da missão, “falou com a sinceridade que os portugueses têm”- lembra Paulo Nunes. “João Ferreira disse que procurou dados biográficos e não os encontrou, então aquela era uma apresentação de um camarada que não conhece o apresentado. Disse apenas isso e encerrou”.

O constrangimento aumentou a curiosidade de Manoel Paulo Nunes sobre o escritor desconhecido. “Pouco tempo depois Saramago apreendeu a sintonia da fala do alentejano e a levou para a prosa, tanto que a prosa dele é originalíssima. Muitas pessoas não gostam porque não tem ponto, vírgula, ele quis seguir aquela cadência da fala do Alentejo e realizou obras primas”. Após a visita ao Brasil é que Saramago começou a se tornar o escritor que seria. Depois de anos sem publicar, ele troca a prosa pela poesia e lança Os Poemas Possíveis (1966). Somente três décadas depois de Terra do Pecado, volta à ficção, primeiro com Manual de Pintura e Caligrafia (1977) e só mais tarde com Levantado do Chão (1980), que definiria seu estilo.

Manoel Paulo Nunes conta sobre os outros, enquanto revela de si, elencando suas habilidades: “Fui quem primeiro falou de Saramago no Brasil”, “fui quem mais escreveu sobre Saramago no Brasil”, “fui um dos primeiros a discordar da Academia Piauiense de Letras”, “fui dos primeiros colocados no exame de admissão no Diocesano,” “em minha casa, fui o primeiro filho a nascer e ficar vivo”.

Nascido em Regeneração, a 147 kms de Teresina, em 1925, filho de pai comerciante e depois político, Manoel Paulo Nunes ficou órfão de mãe aos sete anos incompletos. Era então o mais velho de quatro irmãos. Morou com os avós e depois com tios em Teresina, onde veio estudar aos 12 anos. Como outros estudantes, viajou de sua cidade para a capital em um carro de carga, sentado por cima de redes. Uma viagem que levou dois dias. “Naquela época a concepção de tempo era outra” – conta em entrevista à professora Áurea Queiroz no livro Conversas com M.Paulo Nunes. “Não se vivia em função do tempo. O tempo é que estava à mercê da pessoa”.

Fez o ginásio no Diocesano e depois estudou no Liceu, onde despertou para a literatura. Aos 19 anos já dava aulas em escola pública, “pra viver às minhas custas”, conta.  Formou-se em Direito, aos 22 anos era professor do Liceu e mais tarde da Faculdade de Filosofia do Piauí – FAFI. Participou do processo de constituição da Universidade Federal do Piauí – UFPI, no final dos anos 60, mas conta que quando da instalação sentiu-se politicamente pressionado a se afastar. Nessa época foi morar em Brasília, onde trabalhou no Ministério da Educação e viveu por 20 anos, voltando ao Piauí somente depois de aposentado, no início dos anos 1990.

Conta que foi um menino triste, até encontrar seus pares, o que só ocorreu na metade dos anos 1940, quando frequentava a praça Pedro II. “Eu só abandonei a tristeza quando me encontrei com as pessoas que gostavam do que eu gostava: ler e filosofar sobre o que se lia. Eu só fiz as pazes com a vida quando encontrei meu grupo. Esse grupo me salvou”.

O grupo de Manoel Paulo Nunes se opôs a Academia Piauiense de Letras, que considerava conservadora, e publicou até um manifesto anti-acadêmico. Hoje ele é tesoureiro da mesma entidade, de onde já foi presidente, e também preside o Conselho Estadual de Cultura, a quem tenta dar novo impulso, apesar de uma visível falta de sincronia entre aspirações e possibilidades.

O Conselho fica no bairro Vermelha, no prédio de uma antiga escola, agora reformado e bem cuidado. Tem um simpático auditório de 120 lugares, decorado com as capas da revista Presença – publicação semestral do Conselho, com tiragem de três mil exemplares e já em sua edição de número 50. A biblioteca comunitária tem mais de cinco mil volumes – mais de 1.500 foram doações pessoais de Manoel Paulo Nunes. O espaço é pequeno, mas costuma ser usado pela comunidade. Já a sala de informática, com cerca de 10 computadores, estranhamente permanece vazia. Paulo Nunes diz que aquele espaço é uma de suas maiores frustrações e, sem deixar de revelar anacronismo, afirma que inibe o uso porque não tem como controlar o acesso a páginas indesejáveis.

Voz grave, jeito solene, inteligente, dono de uma ironia refinada, Manoel Paulo Nunes guarda um espírito nacionalista, defensor de instituições como a Petrobrás e o  café preto. Serve-nos um café na manhã em que nos recebe no Conselho Estadual de Cultura. “Todos tomam café ou alguém não é suficientemente nacionalista?” – ri, enquanto nos serve. “Há quem me ache conservador, acreditam?”.

Uma vida dedicada ao estudo e a cultura, crítico literário reconhecido, casado, pai de quatro filhos, reservado em sua vida pessoal. “Minha diversão é ler”. Consciente de que há menos anos à frente do que os já passados, fala com calma, mas às vezes interrompe as perguntas, tratando logo das respostas, e revela um motivo de pressa: “Tenho ainda muita coisa pra ler e pra reler”.

Manoel Paulo Nunes | Foto: Maurício Pokemon

André – Há uma percepção tradicional do intelectual como um guardião do conhecimento. Essa ideia está ligada a um passado com acesso mais restrito a informação. Com a possibilidade de acesso mais disseminada, qual o papel do intelectual hoje?

Manoel Paulo Nunes – Estamos em plena civilização tecnotrônica, porque há uma aliança da informática com a eletrônica. Então os conceitos tradicionais que nós temos devem ser revisto. Mas eu acho que o intelectual hoje é pouco ouvido. Aqui no Conselho Estadual de Cultura, por exemplo, nós nos reunimos todas as quintas para traçar normas e objetivos que não são seguidos.

Teresinha – Para o senhor quais seriam hoje os focos mais importantes de atuação de um Conselho de Cultura?

MPN – A função do Conselho é difundir a cultura, elaborar os instrumentos básicos para que o Governo exerça a sua programação cultural. Isso em tese, porque de um modo geral não ocorre. Propusemos várias coisas ao Governo do Estado, inclusive a criação da Secretaria de Cultura, que é uma aspiração antiga da classe artística e da comunidade. O Governo FHC (Fernando Henrique Cardoso) praticamente marginalizou os Conselhos, porque o Ministro de Educação de então… quem lembra quem era o Ministro da Educação? (silêncio). É tão desimportante que todos nós esquecemos dele (o Ministro da Educação de Fernando Henrique Cardoso foi Paulo Renato Souza). Bom, mas o Ministro da Educação de FHC estava convencido de que ele era o responsável integral pela educação e a cultura, não precisava de Conselho. Logo o FHC, com essa fama de intelectual, hoje acadêmico – não sei por quê.  Um sociólogo que sempre fez livro em parceria com outros, eu desconfio muito desse pessoal importante que faz livro em parceria. Bom, mas ele nunca se incomodou com a situação do Conselho de Cultura. E esse é um órgão que pode ser muito importante.  A cultura é um mundo, é a expressão da própria vida.

O homem público tem que ser discutido nas suas qualidades, defeitos e misérias. A vida de um homem público é uma vida vulnerável.

Samária– O Conselho de Cultura do Piauí está instalado no bairro Vermelha. Qual a relação que ele estabelece com a comunidade?

MPN – Ao nos instalar criamos o Centro Cultural da Vermelha – quiseram botar meu nome, mas eu retirei. Então o Centro Cultural tem o propósito de trazer a comunidade para o Conselho, porque a cultura hoje continua sendo uma coisa de poucos. Aqui nós temos a biblioteca e um mini teatro, onde a comunidade vem aí e faz apresentações. Deixar o povo sem acesso à cultura é um crime. Nesse particular estou de acordo com o pessoal do PT, porque eles estão implantando o vale-cultura – embora esteja sempre em desacordo com eles (PT).  O vale cultura é mais importante do que o bolsa família, porque é a oportunidade que o povo tem de ascender à cultura, ir a um teatro, cinema, freqüentar um museu, que aqui o povo não tem o direto de fazer. Não falo de uma cultura massificada, mas de uma luta para que os benefícios da cultura cheguem até a população mais pobre.  Essa é a inserção cultural: trazer o povo para os benefícios da cultura.

André – O senhor acredita que ainda é possível separar alta cultura e uma outra? Permanece a ideia de cultura como algo a que o povo tem que ascender ou essa fronteira já está mais diluída?

MPN – Tá um pouco diluída sim, mas não tanto. E não está diluída porque há instituições olímpicas, como as universidades, que deveriam ser uma forma mais efetiva de aproximar a cultura e a educação da população. Mas as universidades continuam distantes da realidade social do Estado. As escolas técnicas é que estão fazendo um processo de aproximação maior, mas através do ensino das profissões.

Teresinha – Por falar em instituições, como o senhor avalia a permanência e relevo da Academia Piauiense de Letras em um Estado em que as instituições culturais pouco duram e onde as publicações culturais sofrem da síndrome do terceiro número, não passariam da terceira edição?

MPN – A Academia Piauiense de Letras é a instituição mais antiga do Estado. A presença dela já se justifica por ser a única instituição cultural do Estado que permanece desde 1917. Ela tem tido altos e baixos e no momento está bem, editando livros. A colaboração à cultura piauiense, prestada pela Academia, é muito significativa. Os senhores podem me perguntar: por que eu falei em instituições olímpicas e não inclui a Academia de Letras, né? (risos). Mas a Academia também precisa chegar mais perto da comunidade. Alguns acadêmicos fazem isso, como o Francisco Miguel de Moura, que dá palestras nas escolas. Como ele é muito personalista, gosta de distribuir as obras dele (risos). Talvez pudesse estender um pouco essa missão e distribuir ou recomendar outras obras. A minha preocupação maior é com a leitura. Por onde ando estimulo a leitura.

Manoel Paulo Nunes | Foto: Maurício Pokemon

Wellington – Tem havido uma polêmica muito grande sobre a publicação de biografias não autorizadas. Qual sua opinião sobre essa questão?

MPN – Acho que os artistas célebres, como Roberto Carlos, Caetano Veloso, Chico Buarque, não têm razão em querer impedir essas publicações. O homem público tem que ser discutido nas suas qualidades, defeitos e misérias. A vida de um homem público é uma vida vulnerável. Veja só: eu estou com 68 anos trabalhando em educação e cultura, outro dia um sujeito, tido aí também como intelectual, me desancou no facebook: disse que eu não fiz nada pela educação piauiense. Então, estamos sujeitos a isso. Quem se sentir prejudicado que utilize os instrumentos legais. Sou absolutamente contra esse controle de biografias. Isso é coisa de gente que se julga intocável. E intocáveis só existem os anjos do céu. Aqui na terra, ninguém.

Wellington – Como o senhor se define no campo político ideológico?

MPN – Tive, na minha mocidade já distante, várias posições políticas. Sou do tempo das manifestações nacionalistas, inclusive participei ativamente do movimento que se fazia em torno da criação da Petrobrás. Sou da chamada Geração de 45.  E essa geração não era política, o mais político era eu, porque participava desses movimentos. H. Dobal, O.G. Rego de Carvalho, não se incomodavam com política. Para eles, o problema era essencialmente literário.

Teresinha – De fato, a geração do senhor é profundamente marcada pela literatura.  Que obras ou autores o senhor considera significativos na construção de sua subjetividade e de suas escolhas profissionais?

MPN– Quando li Euclides da Cunha verifiquei que tinha descoberto uma coisa nova. E essa coisa nova que Euclides descobriu e toda pessoa que lê Euclides também descobre é a preocupação com a nossa problemática social. O Frei Vicente do Salvador, na obra  História do Brasil, diz que os portugueses faziam como caranguejos: arranhavam só  as praias, não descobriam o interior do país. Quem descobriu o interior do Brasil, a nossa realidade dramática, foi Euclides da Cunha. Por isso acho que ele deve ser lido, relido, adotada nas escolas. Outro grande autor, também preocupado com a realidade social do país, é Joaquim Nabuco, um descendente da aristocracia rural que escreveu em 1883, cinco anos antes da abolição da escravatura, O Abolicionismo. Na literatura, quem se preocupou com os dramas sociais do país foram os criadores do romance de 30, uma documentação da realidade social brasileira: José Américo, Rachel de Queiroz, Graciliano Ramos – um dos melhores do país; Jorge Amado, com estilo diferente, mais palavroso. Além dos pensadores como Gilberto Freyre, que revolucionou o pensamento social do Brasil com Casa Grande e Senzala. E ainda Anísio Teixeira, Manoel Bomfim, Oliveira Viana, Caio Prado Júnior. Esses todos merecem o nosso respeito. A minha participação política talvez seja essa: minha preocupação com a realidade social.

Samária – A respeito das manifestações que ocorrem desde junho no Brasil e que reclamam da realidade social contemporânea…

MPN – Acho legítimas e simpáticas. Há muitas coisas que nós próprios temos vontade de nos manifestar e aderir. Mas sou absolutamente contra as depredações. Acho que elas devem ser punidas rigorosamente. Hoje talvez os artistas e intelectuais estejam mais omissos, né? Veja só: o Centro de Convenções está abandonado. É um exemplo do desperdício. Aquele local foi construído com recursos federais e é um crime o abandono. Os intelectuais deviam protestar, fazer uma passeata, cobrar a reforma.

Eu era uma pessoa infeliz, um menino triste. Só fiz as pazes com a vida quando encontrei meu grupo.  Quando você encontra a fôrma do seu pé, resolve os seus problemas íntimos, pessoais.

Teresinha – No campo da literatura brasileira as tensões culturais e políticas manifestas nos movimentos modernistas continuam repercutindo e dividindo opiniões. Como o senhor avalia as disputas literárias entre o Norte e Sul do país?

MPN – Não há uma disputa literária Norte e Sul, porque o Sul toma conta de tudo. O sujeito só se torna célebre quando escreve no eixo Rio-São Paulo. Aqui a gente segue com alguns gatos pingados. Eu digo que eu era uma pessoa infeliz, um menino triste, só me encontrei e abandonei essa tristeza quando me encontrei com meu grupo, com as pessoas que gostavam do que eu gostava: ler e filosofar sobre o que se lia. Nós nos encontrávamos na Praça Pedro II:  Dobal, O.G., eu, Afonso Gregório, Eustáquio Portela, Victor Gonçalves Neto, Arnaldo Pinho… Nós ficávamos naquelas discussões filosóficas literárias. Eu só fiz as pazes com a vida quando encontrei meu grupo. Foi quando eu adquiri consciência da minha personalidade, quando me afirmei como ser participante, entende? Eu só dei sentido a minha vida quando encontrei esse grupo. Esse grupo me salvou. Aí me tornei, de certa forma, até líder dessa geração perdida (Geração Perdida é o título do primeiro livro de Manoel Paulo Nunes). Quando você encontra a fôrma do seu pé, resolve os seus problemas íntimos, pessoais. Se não fosse a minha sedução pela educação e pela literatura a vida não teria nenhum significado para mim.

André – É possível avaliar as influências do seu grupo, muito ligado à literatura e talvez a última geração exclusivamente do livro?

MPN – A geração que fundou a Academia Piauiense de Letras – Lucídio Freitas, Clodoaldo Freitas, Abdias Neves, Higino Cunha – foi uma geração brilhante! Essa turma dominava de tal maneira o pensamento político literário piauiense que a sua influência perdurou por mais de 30 anos, desde que a Academia foi fundada. Quando nós aparecemos – a nova geração – a literatura dominante era a da Academia, a forma poética era o verso decassílabo, alexandrino, da escola parnasiana. O grande poeta era Celso Pinheiro, que era um grande sonetista. Não havia espaço para outro tipo de manifestação cultural. Mas precisava-se renovar a literatura. A literatura não é uma coisa estanque, então não é possível manter uma literatura hierárquica, sem nenhuma modificação. Aqui no Piauí, nós fizemos essa tentativa de criar um espírito novo através da revista Meridiano (a revista Meridiano publicou três edições).

Não há uma disputa literária Norte e Sul, porque o Sul toma conta de tudo. O sujeito só  se torna célebre quando escreve no eixo Rio-São Paulo.

Wellington – A Meridiano é obra de um grupo da geração de 45 formado pelo senhor, O.G.Rego de Carvalho e H. Dobal…

MPN – H. Dobal renovou a poesia. Tristão de Athayde diz que o grande mérito da geração de 45 foi ter criado uma poesia não presa aos modelos renovadores do modernismo, mas uma poesia que se destinava a permanência através de formas cosmopolitas, universais. Assim é a poesia do Mário Faustino, do H. Dobal. Ele só não foi um poeta de projeção nacional porque não teve meios para isso. O O.G. aprimorou-se como um grande estilista da língua. Se o O.G. não tivesse enlouquecido, se não fosse obrigado a tomar remédios que freiam a imaginação, teria produzido uma oba notável.

Wellington –  H.Dobal deixou uma grande contribuição na poesia, O.G. Rego na prosa. E o senhor, considera que a sua contribuição que vá ficar esteja na crítica literária?

MPN – Não. Eu não acho que minha obra vá ficar. Eu agora vou publicar um livro com críticas. Estou selecionando porque me preocupo muito com determinados autores como Machado de Assis, de quem eu faço uma nova leitura, e com o Eça de Queiroz, sobre quem tenho estudos, modéstia a parte, originais. Quem primeiro escreveu sobre Saramago no Brasil fui eu. Eu conheço tudo sobre Saramago. Quer dizer, conheço o essencial. Fui quem mais escreveu no Brasil sobre ele. Ninguém sabe disso, eu tô dizendo aqui a vocês. Li tudo também de Jorge Amado, Érico Veríssimo. Os modernos eu conheço de fio a pavio.

Eu acho que o pessimista tem uma visão mais ampla do fenômeno social. O otimista é uma pessoa muito feliz para isso.

André – O senhor demonstra ter grande admiração por Machado de Assis e Saramago, que são dois autores com olhar um tanto pessimista…

MPN – Falam do pessimismo de Saramago e ele realmente se confessa um autor triste, mas, se é assim, eu até gostei da companhia (risos). Estou ao lado de autores como Saramago, Machado de Assis, Cervantes, Swift, Bernard Shaw, Bertrand Russel, Dostoiévski, Stendhal. Os grandes escritores de uma forma geral são pessimistas. Tô bem acompanhado.

André – A tristeza ajuda a produzir obras literárias densas? Que relação o senhor acha que pode haver entre pessimismo e uma produção literária consistente?

MPN – Eu acho que o pessimista tem uma visão mais ampla do fenômeno social. O otimista é uma pessoa muito feliz para isso. E nós temos grandes obras de otimistas. Há autores que se servem do otimismo para promover a concórdia. Mas os pessimistas são aqueles que vão ao cerne da condição humana, fazem uma incursão profunda no subconsciente. E através do subconsciente você não acha nada que preste, não é mesmo? (risos).

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Manoel Paulo Nunes | Foto: Maurício Pokemon

 

 

Obras de Manoel Paulo Nunes:

 

A Geração Perdida ( 1979)

A Província Restituída (1985)

O Discurso Imperfeito (1988)

Tradição e Invenção (1992)

Solidões Justapostas (1994)

As Duas Faces de Nossa Cultura (1998)

Tradução e Modernidade em Eça de Queiroz (2000)

Modernismo & Vanguarda (2000)

Fracasso da Educação Brasileira (2003)

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Escrever simples  não é  escrever  fácil 

Por Manoel Paulo Nunes 

Logo após concluir a entrevista concedida à Revista Revestrés, ocorreu a morte, a 9 do infausto mês de novembro, do escritor O.G.Rego de Carvalho, uma das mais representativas figuras da “geração de 45” entre nós, deixando uma lacuna no meio intelectual e na cultura piauiense, com repercussão em todo o país. 

Como não poderíamos deixar de homenageá-lo em momento tão doloroso para todos os que o conheceram e o admiravam, transcrevemos trecho de estudo publicado em um livro de minha autoria (Tradição e Invenção: discursos acadêmicos – Nova Série, Teresina, Projeto Petrônio Portela – FUNDEC 1998): 

“Em Ulisses entre o Amor e a Morte há um breve capítulo com o título: ‘Quente era a Manhã em Julho’, que para aqui transponho: 

‘Quente era a manhã, em julho, quando meu pai se deitou, as pálpebras baixando. E puro e distante, e feliz encarou o céu e o tempo.’ (Cf.ob.cit.p.26-1994). 

Não existe, em qualquer literatura, que eu conheça e, modéstia a parte, sou homem de muitas leituras, página mais perfeita do que esta. 

E assim o nosso O.G em tudo que fez até hoje. Detentor de uma obra clássica porque modelar, de inimitável perfeição estética, de perfeito equilíbrio em seu contexto e em que não há termos desbordantes, de uma pureza e de uma simplicidade inigualável. 

Falei em simplicidade, o que está longe de confundir-se com facilidade. Porque muita gente pensa, entre nós, que escrever de forma simples é escrever de maneira fácil. Ledo engano! Para adquirir aquela simplicidade, quanto tormento na luta com as palavras, este pobre material com que lidamos, nós que escrevemos.” (Cf.ob.cit.p.61-1998). 

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Entrevista publicada em Revestrés#11 – Novembro-dezembro de 2013.

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Edit: Manoel Paulo Nunes faleceu na manha do dia 14 de outubro de 2021, aos 96 anos, em Teresina-PI. 

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