Wellington Soares
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Rod Stewart

Rod StewartFoi difícil pegar no sono domingo retrasado, com a Globo transmitindo os shows do Rock in Rio 2015, particularmente o de Rod Stewart, cantor britânico de voz rouca por quem sou fã de carteirinha. No palco, ninguém se compara a ele em termos de carisma e empolgação, levando o público ao delírio com seus grandes sucessos: “It’s a heartache”, “Tonight’s the night”, “I do’nt wanna talk about it”, “You’re in my heart”, “The first cut is the deepest”, “Maggie May”   e “Forever young”, música que teve o maior coro da noite. Como dormir quando se está inundado de alegria? Alegria essa não só por estar vivo e curtindo espetáculo tão bonito, como por relembrar o show que ele fizera em 1985, na primeira edição do evento, eu presente na Cidade do Rock, no bairro de Jacarepaquá, entoando suas belas canções e doido para conseguir uma das bolas autografadas pelo ídolo. Deitado agora em minha rede, e com o Split ligado pra espantar o calor, esses momentos provocavam um verdadeiro estado de graça em mim, como se o tempo não houvesse passado.

Há exatos 30 anos, resolvi embarcar num amarelão da Itapemirim, acompanhado do amigo João Fonteles, para conferir de perto tamanha doideira de festival inspirado no mitológico Woodstock. Depois de 48 horas mastigando sonhos, desci na “Cidade Maravilhosa” feliz como nunca, o Rio acolhendo de braços abertos todas as tribos, tanto as brasileiras como as de outros países, da América Latina sobretudo.  Foram dez dias de muita zueira, no período de 11 a 20 de janeiro, reunindo 1,5 milhão de roqueiros, todos entusiasmados pela chance de soltar a voz junto com seus ídolos nacionais e estrangeiros (cantores e bandas), indiferentes a chuvas e lamas que castigavam o espaço dos shows. Foi ali que constatei, no meio daquela galera, o sentido real das palavras paz, amor e rock’n’roll. Descobri também que esse gênero é igualzinho à paixão, pode até demorar a correr pelas veias da gente, mas ao bater no coração o efeito é eterno.

Por falta de grana, infelizmente não pude ir a todos os shows, mas os que assisti foram inesquecíveis, guardados ainda hoje na memória em cantinho especial. Costumo dizer que o Rock in Rio, em 1985, fez minha cabeça para sempre. As guitarras estridentes e as performances dos artistas me levaram a encarar o rock de outra maneira, atualmente um dos pratos preferidos do meu cardápio musical, a começar pelos desbravadores do estilo: Chuck Berry, Little Richard, Jerry Lee Lewis e Elvis Presley. Entre os shows vistos, difícil esquecer os apresentados pelo Scorpions, Yes, Ozzy Osbourne, Barão Vermelho, Paralamas do Sucesso, Alceu Valença e, como não poderia deixar de ser, o do sensacional Rod Stewart, coberto por uma bandeira nossa e atirando bolas na plateia. Os fãs quase enlouquecemos quando ele, em sotaque de gringo, expressou seu amor ao Brasil. 

E pensar que já se foram 30 anos de lá para cá. O Brasil não é mais o mesmo, embora viva uma situação muito estranha no momento, uma antítese daquela época. Em 1885, festejávamos nas ruas o fim da ditadura militar e a eleição de Tancredo Neves pela via indireta, daí o Rock in Rio surgir para espantar de vez o fantasma da opressão. Infelizmente, não é o que presenciamos hoje. Em plena democracia, com presidente eleito pelo voto, vemos as elites tentando virar a mesa, colocando em risco a estabilidade política alcançada com tanto sangue pelos brasileiros. Alguns imbecis pedindo, inclusive, a volta dos milicos ao poder. Quem assistiu atentamente ao show de Rod Stewart no último dia 20 deste mês, in loco ou pela televisão, deve ter observado que ele trocou o “Brasil, te amo”, dito na primeira edição, por uma expressão que sintetiza, nos dias atuais, o anseio dos verdadeiros amantes da paz, a começar pelo Papa Francisco – “Cuba libre”. 

Do barro do chão

Gravatá, 26 de agosto de 2015. Meia noite.

“Um passo à frente

E você não está mais no mesmo lugar”

(Chico Science)

 

Talvez eu nunca soubesse a grandeza disso tudo. Talvez nunca ouvisse a risada de J.Borges, nunca visse Lula Vassoureiro dançar frevo e fazer máscara de papangu na minha frente, com a habilidade de menino danado que limpa a mão na bermuda.

Eu vi, e estou decidindo ainda o que e como contar pra vocês.

Memorial J.Borges - Bezerros/PE

Memorial J.Borges – Bezerros/PE

Alguns muitos quilômetros de casa e conheço dois patrimônios culturais vivos do Pernambuco, perambulando entre Bezerros, Gravatá e Caruaru – nome sonoro da cidade de vento frio que esconde, discretamente, ondas de baião, xaxado e xote em cada esquina.

É como se deus irradiasse uma forte energia.

casa-museu Mestre Vitalino - Alto do Moura / Caruaru

Casa-museu Mestre Vitalino – Alto do Moura / Caruaru

Foi ali que caminhei pelo Alto do Moura, onde famílias inteiras vivem da arte que vem do barro do chão. Mestre Vitalino, Zé Caboclo, Eudócio e Galdino. As histórias parecem tiradas de um cordel de enredo fantástico – o vigilante que sonhava com figuras esquisitas, pegou um bocado de argila e deu rostos a elas – mas é tudo verdade, é tudo do agreste, é tudo nordeste.

A mistura de fantasia e arte estende-se até o bairro histórico da Várzea, próximo a Recife, onde o “mestre dos sonhos” construiu seu templo sagrado: a oficina Brennand, levantada nas ruínas de uma velha olaria, fundada em 1917. De suspensório, bengala e barba de nuvem, Brennand estava lá. Pôs-se a falar, flutuou nas palavras e contemplou o silêncio. Sumiu tão mágico quanto apareceu.

“Será se isso aqui é inexistente?”, a voz dele ficou no ar.

Na minha mente, canto gregoriano e baião fazem um mashup que só mesmo o Pernambuco, bruto e polido, poderia oferecer.

vem debaixo do barro do chão

vem debaixo do barro do chão

Carta de Monsieur H. para Helena

Senhora Helena

Acabo de chegar de Veneza. Fui passar duas semanas, e acabo de chegar à minha morada. Dois anos, quatro meses e setenta e oito dias fora da minha pequena caverna. Qual não foi minha surpresa ao encontrar, na empoeirada caixa de correios, esses dezenove envelopes verdes. Não há quase nada no mundo que me surpreenda mais, especialmente depois dessa longa estada em Veneza onde vi coisas que nem imagina, senhora Helena. Vi coisas absolutamente inacreditáveis, e o mais incrível que todas as coisas eram dentro de mim. Mas chegar e encontrar dezenove envelopes verdes vindos da senhora não fazia parte de minhas convicções.  E, confesso: os malditos quatro andares de escadarias que me sugerem o Himalaia me foram leves como quase nunca.
Pensei que me houvesse esquecido. Não fui elegante em não me comunicar com a senhora nem dar sinais de vida, senhora Helena. Mas não dei sinais de vida por uma grande dúvida sobre se, em mim, havia alguma. Pensei mesmo que o tempo a faria se esquecer deste homem magro e eternamente de pés úmidos que, não de muito em muito tempo, reclama da vida. Pensei que se esqueceria de mim, porque eu mesmo fiz força para me esquecer de mim e, por isso, fiquei em Veneza por tanto tempo.
Aluguei um pequeno cômodo no Dorsoduro (não sei se conhece bem Veneza, enfim, é um bairro silencioso, sem as pavorosas hordas de turistas, e onde o canal não cheira a peixe mas, sim, a lágrima), coloquei ali uma pequena mesa para apoiar meu permanente copo d´água e meus remédios (uma cápsula vermelho e branca, uma bolinha branca e uma bombinha que preciso chupar e aspirar seu pozinho mágico a cada hora e meia), uma pequenina cama de solteiro e seu colchão e uma cadeira, de madeira escura e onde me balançava dia a dia, olhando o canaletozinho que me era visível pela janela. Ali em Veneza não tinha o meu único amigo Micko, o polaco, eslovaco ou coisa que o valha que tenho aqui em Paris como meu vizinho (já lhe falei dele, não sei se o recorda), nem a boulangerie de minha preferência. Então fazia minha única refeição diária, meu desjejum, em um hotel perto de minha moradia, o Tiziano. É um hotel grande, um edifício imponente e onde o que mais havia de comum comigo era a idade, já que foi construído no século XV, como eu, e que sempre tem à mesa do café um pequeno jarro com uma flor branca. Meu desjejum era sempre ali, e durava cerca de duas horas, todo dia. Não que eu coma muito, senhora Helena, sabes já que sou magro. E, como disse, o desjejum era minha única refeição. Nunca sentia fome, e as frutas e pãezinhos me bastavam. Mas da mesa podia observar a entrada do hotel e um pedaço do canal. E via as pessoas, senhora Helena, sem que pudesse ser visto por elas. E essa era a minha televisão: observar as pessoas entrando e saindo do Tiziano, e observar as pessoas andando para lá e para cá, uma gôndola ou uma lancha eventual. E perceber e pensar em como as pessoas são tão diferentes, apesar de absolutamente idênticas, senhora Helena. Não sei se assim o pensa, mas cada pessoa é absolutamente diferente e absolutamente igual a todas. Ali vi japoneses, brasileiros, franceses, italianos, chineses, o que há no mundo passa por Veneza e ali eu os via, todos os dias, iguais, iguais, diferentes, diferentes. Um fala mais, outro fala menos, um anda a passos rápidos, outra a passos lentos, uma sorri pouco, outro é um sorriso cercado de incertezas por todos os lados. Felizmente, como disse, ali não chegavam milhares de turistas e, sim, alguns poucos, minimamente civilizados, o que me dava oportunidade de observá-los com alguma demora. Divago, retorno então a meus hábitos.
Que eram apenas esses: o café no Tiziano, a subida para casa, a cadeira de balanço, os remédios, a janela que dá para o canal e, ia me esquecendo, a garrafa verde de água mineral que me lembrava os seus envelopes verdes, os quais, imaginava, nunca mais veria. Do desjejum para casa, onde me colocava à janela, de onde via também as pessoas, todas elas, iguais e tão diferentes, esperando ver uma em especial, já sabes quem, a única pessoa diferente e desigual das demais nesse mundo. Da janela só saía para cair na estreita cama, dormir um pouco e recomeçar no dia seguinte.
Pensei, senhora Helena, que nunca mais me escreveria, assim como pensava que nunca mais voltaria a este apartamento que, confesso, hoje cheira a pó e mofo. Dois anos, quatro meses e setenta e oito dias deixam marcas, odores e rugas, nas coisas, nas memórias e nas pessoas. Não sei se há como tirar isso do corpo, mas das coisas penso em chamar Iulianna, a mocinha que mora no apartamento logo abaixo do meu, para tirar. Não sei nem se ainda mora aqui, mas enfim. O tempo irá me fazer voltar para essa casa, onde acabo de entrar mas tenho dúvidas se saí algum dia.
Espero que me perdoe e comigo tenha paciência, já que tenho tanto a contar e tanto a fazer aqui, o que me impede se seguir agora nessa missiva. Espero não estar sendo mais uma vez invasivo e a incomodando com minha imprudência, afirmo que bastante eventual, em lhe retornar depois de tanto tempo como um mal agradecido qualquer. O que me deixou um pouco mais confiante em escrevê-la novamente foram as datas dos Correios nos envelopes, aliás, que curioso, abri um a um e estavam todos vazios, exceção feita ao último, onde encontrei sua carta, com data da segunda-feira última. O que mostra que os Correios andam um pouco mais eficientes, afinal hoje é sexta-feira e já tenho cá a sua carta.

Senhora Helena, lhe escrevo mais para a semana. Estou deveras cansado, e preciso organizar o confuso que há dentro de mim, ao menos o suficiente para lhe ser minimamente agradável como missivista.

 

Com um abraço,

H

 

P.S.: Lhe envio em anexo uma foto de mim, feita por uma turista finlandesa que passou duas semanas tomando café na mesa ao lado da minha. Um dia ela chegou, sorriu e me entregou esse retrato, e nunca mais a vi. Perceba que é excelente fotógrafa e me enxerga exatamente como sou. Queria compartilhá-la com a senhora, como sinal de respeito e pedido de desculpas.

 

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Malditos Preconceitos

Uma das criações mais geniais do homem é, sem dúvida, o computador. Uma máquina universal que processa e calcula tudo com números binários (de zero a um) com uma precisão espantosa. O mais incrível foi a história de seu inventor, Alan Turing. Ele fez a maior contribuição para a vitória aliada na 2ª guerra mundial ao inventar uma máquina chamada Colossus. Através daquela máquina que fazia cálculos extraordinários (escaneava cerca de 25 mil caracteres de uma vez) foi possível decodificar o código secreto alemão chamado de Enigma, tido como indecodificável. Os alemães faziam um círculo de ferro à Inglaterra. Com seus submarinos destruíam comboios de navios americanos com milhares de toneladas de alimentos quase que diariamente. Os ingleses já estavam passando necessidades e o alto comando seria forçado a se render para que o povo inglês não morresse de fome. O Enigma garantia a comunicação inviolável entre os submarinos e o seu comandante náutico, Almirante Canaris. Eram reabastecidos em alto mar e ficavam como lobos, em tocaia a todo navio que tentasse atravessar o atlântico e chegar à Europa. Alguns navios brasileiros, que levavam alimentos aos ingleses, foram afundados por submarinos alemães. Por conta desse e outros motivos, o Brasil, país estratégico para o domínio do Oceano Atlântico Sul, declarou guerra à Alemanha. Colossus quebrou o código, tido como indecifrável, orientando os comboios e a caça aos submarinos, salvando a Inglaterra da derrota.

Mas o preconceito humano, esse mesmo que hoje impulsiona os chamados “fundamentalistas evangélicos” e os homofóbicos, acabaram por destruir o gênio que tanto contribuíra para tirar seu país do sufoco. Fora uma pessoa perseguida desde a adolescência por seu comportamento inquieto e tido como arrogante, prepotente, de difícil convivência (como foram e são quase todos os gênios). Em 1952, ano em que nasci, Turing foi preso, julgado e condenado a um ano de prisão por ter contato físico/sexual com homens. Naquele tempo, era crime ser homossexual. Depois de cumprir a pena, foi proibido de trabalhar nas pesquisas que seu projeto inventara, porque desconfiavam que sua homossexualidade o tornava fraco para guardar segredos sigilosos de Estado. Dois anos depois foi encontrado morto por envenenamento com arsênico e considerado suicida.

O seu legado foi a revolução mundial dos computadores do final do século XX. Seres medíocres haviam, através de seus preconceitos ridículos e injustos, destruído a vida de mais um gênio da humanidade, como sói é de acontecer. Estava com apenas 42 anos de idade e ainda teria muito a contribuir, mas o preconceito o levou ao desgosto pela vida e, portanto, à morte.

Malditos preconceitos!

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Luiz Mendes

 

 

 

Titia Vitola

Outro dia eu estava voltando de uma viagem e minha mãe me mandou uma mensagem, dizendo que tinha uma ótima notícia pra me dar. Pensei em qualquer bobagem do dia a dia e, ao chegar em casa, sem muitas expectativas, ela me disse meio acanhada, porém escancarando um sorriso enorme que eu vou ser…tia!

Tia Vic! Só consegui pensar em um serzinho que nem conheço ainda me chamando de titia Vitola!

A partir de então, eu ganhei uma tarefa: aprender a ser tia! O que é que as tias fazem? Fiquei pensando que tem livros para as mamães, para os papais, mas e tia? Faz curso onde?

Tem uma lista de coisas que preciso aprender a fazer, obviamente, mas já estão começando a ser listadas – ainda me restam alguns meses. Por outro lado, tem coisas que tiro de letra (ou penso que tiro), como incentivar essa criança que está por vir a ser o que ela quiser!

Inclusive, meu irmão preferiu que eu não escrevesse sobre o assunto por enquanto. Obedeci até que me fosse dada a permissão. Porém, a gente sabe que nem sempre isso vai acontecer, certo?

ERRADO!

Os pais são bravos e suas decisões são soberanas.

É como se as tias ficassem grávidas por tabela. Eu me sinto quase uma mamãe, só que sem a parte difícil.

Afinal, ser tia deve ser dar aquele doce escondido antes do almoço, lembrar-se daquele pequeno ser humano em cada passeio, conhecer amigos imaginários, ouvir confidências e segredos de uma pessoinha que não é sua, porém é como se fosse.

Ser tia deve ser pura diversão. E também deve ser apoio, compreensão e muito carinho.

Deve ser também levar para a escola quando os pais não podem e pensar que depois de alguns dias sem ver, a criança já vai ter aprendido a andar e falar sem você.

É esquecer todas as brigas de infância com seu irmão e deve ser ficar totalmente desarmada ao ouvir pela primeira vez a palavra “tia”, saindo de uma boquinha miúda.

Deve ser sentir orgulho do primeiro passo, do primeiro dia na escola e até da primeira desilusão amorosa.

É um amor por um bocadinho de gente que eu ainda vou descobrir, mas já sinto que vai ser insubstituível.