Tenho utilizado nos últimos dias todo meu repertório e conhecimento matemático, ou seja, duas ou três das quatro operações elementares já que das outras não me lembro muito bem, para tentar calcular coisas essenciais à nossa existência. Por exemplo, quantas mastigadelas devemos dar quando comemos, quantas a mais deveremos dar se ao invés de comermos pão comermos carne, quantos saltos conseguimos efetuar em uma perna só ouvindo Kula Shaker, quantos beijos é possível dar em quem amamos ao longo da vida, qual a diferença de peso da saudade em dias de chuva ou de sol. Tenho me saído um pouco mal em algumas situações, um pouco melhor em outras.
Outro dia obtive espetacular sucesso ao contabilizar suspiros dados em escritórios e lugares onde gente importante anda engravatada no período entre 17 horas e 17 horas e 58 minutos. Através de observação direta e fazendo, a partir do número absoluto obtido, cálculos bastante complexos e muitíssimo objetivos, cheguei à conclusão: o número de suspiros é proporcional ao número de esperanças desfeitas, elevado à nona potência. Não que isso tenha me assustado, já não sinto arrepios com nada que nos seja visível ou imaginável. Mas me remeteu a outra necessidade de cálculo: quantas formas há de morrer e quantas formas há de nascer? Os resultados são surpreendentes.
Há apenas uma forma de nascer, a clássica: dois alguéns copulam, o espermatozoide fecunda o óvulo e aí já se sabe o resto. Vamos desconsiderar provetas e afins para simplificar, já que não deixa de ser uma corruptela da forma básica. Ok. E para morrer? Quantas formas há de se perder a vida nessa vida? Veja bem: são exatamente três milhões, quatrocentas e dezessete mil, novecentos e nove vírgula zero cinco modos de morrer. O que significa que é mais provável que se esteja morto daqui a 30, 29, 28, 27, 26 segundos do que vivo e saltitante. Três milhões, quatrocentas e dezessete mil, novecentos e nove vírgula zero cinco modos de morrer.
Telefonei a uma amiga e lhe disse esse resultado. Ela respondeu: “vamos beber”. E eu lhe disse que o álcool aumenta o risco de morte e ela respondeu: “o que mais aumenta o risco de morte é estar vivo”. Nos encontramos e acabou que não bebemos tanto assim, já que ficamos a observar as pessoas que passavam. Seus rostos. Seus olhos. Suas bocas. E foi curioso perceber que todas as pessoas espremiam tanto seus olhos que eles, olhos, sumiam. E silenciavam tanto suas bocas que elas sumiam. E faziam tanto esforço para parecerem diferentes, com grandes desenhos e marcas nas roupas, grandes tênis coloridos, tantos cabelos para um lado ou para o outro, para cima ou para baixo, que se tornavam todos absolutamente iguais. Rostos sem rostos.
Nos olhamos, eu e minha amiga, e silenciamos. Compartilhamos em silêncio a epifania de que viver é um permanente risco de morte. Mas morre muito antes quem não consegue perceber que viver é um milagre. Um milagre. Um milagre. Mesmo para quem, como eu, não acredita nessas coisas de milagres