André Gonçalves

Farinhada

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Onde houvesse azul

Você me pergunta e eu respondo, e você olha para mim como se tudo que digo fosse absurdo, e eu lhe digo que nada nesse mundo é absurdo, nada, nada, absurdo é estar vivo, absurdo é achar que existe alguma coisa “normal”, que vivemos em um mundo comandado por algum tipo de lógica, que existe ordem, que existe manual para tudo que há, e que tudo foi criado assim, “faça-se a luz” e a luz foi feita, tu és isso, e isso passou a ser, tu és aquilo, e aquilo passou a ser, e que isso é isso, e que aquilo é aquilo, que tudo está dentro de regras e regras não podem ser quebradas, que regras não se dobram, regras, regras, você está presa a regras, você acredita que viemos para esse mundo com um destino traçado, e não é isso, não é, não é. E eu lhe digo que você é muito nova, muito nova, muito nova, e um dia você vai aprender que nada é absurdo, que destino não existe, que eu, você, o sol, o mar, as folhas, os animais, o chão, o vento, a chuva, os universos, todos, todos, todos somos obra do acaso, e que se somos obra do acaso nada pode ser certo e definitivo ou errado ou real ou absurdo. Ando um pouco sem memória, você perguntou sobre o quê, sobre aquele jogo, e eu digo que aquilo não foi um jogo, não foi uma partida, não foi, foi alguma coisa que não foi daqui, aquilo foi de outra dimensão, outra, não daqui, aquilo foi prova de que nada é absurdo, nada, menos ainda dentro de um campo de futebol, nada, não existe o impossível, não existe, não existe o melhor, não existe, só existe alma dentro de um campo de futebol, e é preciso rasgar a alma, entregar a alma inteira à grama, à terra, à lama, só existe a coragem de esfregar a alma no chão, de atirar a alma ao nada para salvar o time, só, só existe a vida, imprevisível, a vida é correr, a vida é cair, a vida é chutar, a vida é dividir as bolas como quem vai morrer no próximo segundo, a vida é superar a dor, porque ali sentimos dor, e viver é ter dor, é chorar e sorrir e chorar e chorar mais e sorrir de novo, isso é a vida, é isso, isso é futebol, é isso, a vida é louca, louca, louca, você já fez alguma coisa louca na vida, não precisa dizer, é claro que já fez, como você chegou aqui, você me lembra alguém, mas que memória a minha, tão ruim, tão… Ah, a partida, a partida, não éramos homens ali, não éramos humanos ali, não jogávamos futebol, não éramos onze contra onze, sim, a matemática e os estatísticos e os comentaristas e os corretos e os advogados e os céticos, coitados, essa gente diria que eram onze de um lado, onze de outro, mas não era, não era, éramos mais, muitos mais. Cada um era mais de um, cada um do lado de lá era mais de um, talvez fôssemos todos dois, ou três, ou quinze, quem há de saber, não houve tempo para contar, era só correr, chutar, driblar, cair, cabeça na bola, levantar, correr, cotovelada, cair, chutar, e era gol, soco nas costas, correr, e chutar, e gol, e sempre isso, a cada minuto mais, e outro, e outro, e outro, cair, correr, cabecear, chutar, e gol, e gol, nariz quebrado, e gol, e mais nada, era preciso fazer mais, era preciso fazer mais. Você já jogou futebol? Não? Então você não sabe, não conhece o cheiro da grama, o cheiro da terra, não sabe, o cheiro de uma bola molhada, os pés doendo, doendo, doendo, não sabe, a cada passo, splash, splash, splash, chovia, chovia, splash, splash, os joelhos doendo, os tornozelos doendo, a canela sangrando, o ar desaparecendo, você não sabe, a cabeça doendo, sangue, o suor escorrendo, a vida escorrendo, como dói, splash, splash, outro chute, outro chute, e gol, e outro, e dor, e outro, e o ar, e outro, e outro. De quem eu lembro ao ver você, não sei, não sei, lembro de borboletas, lembro de borboletas azuis que eu via cada vez que chegava no gol do lado de lá, as borboletas eram azuis, lembro que você me lembra alguém e me lembra as borboletas, você e borboletas, não sei, mas eram azuis como as nossas camisas, isso, éramos demônios vestidos de azul, éramos diabos vestidos de azul, o céu era cada um de nós, azul, azul, azuis, mas você me lembra alguém, que memória, e borboletas. Eles? Eles eram vermelhos, eram, eram vermelhos, inteiramente vermelhos, mas os demônios éramos nós, azuis, e eles, vermelhos, vermelho é a cor dos demônios, não é? Mas não, os demônios éramos nós, azuis, os vermelhos vinham de toda parte, de cima, de baixo, não sei, não eram humanos, se multiplicavam, não eram onze, eram quinze, eram vinte, trinta, não sei bem, mas éramos os azuis contra os vermelhos, e naquele dia, onde houvesse uma camisa azul sobre a Terra azul havia um de nós, onde houvesse um lenço azul em uma gaveta havia um de nós, onde houvesse um lençol azul secando ao vento havia um de nós, onde houvesse um pedaço de azul derramado sobre uma pedra havia um de nós, onde houvesse uma flor azul se abrindo havia um de nós, onde houvesse uma borboleta azul, uma borboleta azul, tudo o que era azul era um de nós, quem vestisse azul era um de nós e estava lá dentro do campo, e estava do nosso lado, contra os vermelhos, eles, os vermelhos, os terríveis, tantos, tantos, não sei de onde tiramos força, tanta, não sei como transformamos tanta dor em ar, não sei como conseguimos continuar e continuar e fazer gols, outro gol, outro gol, enquanto eles vinham, tantos, tantos, e faziam mais um, que demônios, não, os demônios éramos nós, que memória a minha. Quanto tempo? Não sei, não sei, não foram noventa minutos, não foram, dizem que durou sete dias, isso, sete dias, mas sete é conta, você sabe, de quem mente, você sabe, e eu não minto, nunca menti, talvez minta agora pra você, você me lembra alguém, as borboletas azuis, alguém, isso, talvez um dia, talvez três, mais de sete dias, talvez dez, quem sabe, não lembro bem, faz tanto tempo, tanto, o que eu lembro bem é do som, splash, splash, a chuva, os pés, gemidos, lembro de gemidos, lembro do cheiro da dor, e dos sons, lembro do som de pés batendo uns nos outros, e o som da bola batendo na rede, você já ouviu alguma vez, não, não ouviu, pois escute, é um som lindo, lindo, um som lindo, é um plef, um plef que estica, que se expande, um plef elástico, às vezes é pleeeeef, um pleeeeeef que escorre pela rede e faz o som de asas de borboleta, você já ouviu? Não? Sim, borboletas, elas de novo, azuis, o som é lindo, lindo, e foram muitos sons de borboletas naquela partida, plef borboletas, plef borboletas, plef borboletas, tantas, tantas… Desculpe, não lembro bem, que memória, dizem que durante noventa minutos, ou três dias, sete dias, ou dez, quem sabe, o sol não se pôs, não houve noite, o mundo era o campo, o mundo era todo ali, a gente pisava no mundo, a gente rolava no mundo, o mundo tinha linhas e traves e grama e lama, e não havia mais ninguém no mundo, só nós, os onze, os vinte e dois, ou quarenta e quatro, ou quantos, tantos, splash, splash, plef borboletas, plef borboletas, e o ar, onde está, e o ar, como doía, como doía. Quanto? Não sei, não sei, mas isso não importa, ninguém ali venceu, ninguém ali perdeu, não éramos onze contra onze, éramos mais, muitos, cada um de nós era dois ou três ou quinze, nós, os demônios de azul, eles os vermelhos, não sei quantos, o que lembro, eu lembro que depois de tudo, depois de tudo, nos olhamos todos entre nós, éramos muitos, e resolvemos parar, não houve apito, não houve aplauso, não houve vaias, não havia ninguém, ninguém, não havia mais pernas, não havia mais ar, não havia mais dor, não havia placar, éramos só nós, tantas almas, tantas almas enlameadas, não éramos mais demônios, não éramos mais corpos, quando tudo acabou éramos uma mistura pastosa de vermelho e azul e lama e almas, não havia vermelhos ou azuis, éramos todos os mesmos, iguais, isso, iguais, onze, vinte e dois, quarenta e quatro, oitenta e oito, ninguém contou, você nunca jogou futebol, não, você não sabe que nada é impossível dentro de um campo, não existe impossível, não existe absurdo, não existe. Você me lembra alguém, e me lembra borboletas, elas eram azuis, nós éramos azuis, demônios azuis, borboletas, desculpe, não lembro de mais nada, preciso ir, preciso ir, plef, borboletas, plef borboletas. Como é lindo o som, como é lindo, você nunca ouviu o bater de asas de uma borboleta?

 

Carta de Monsieur H. para Helena

Senhora Helena

Acabo de chegar de Veneza. Fui passar duas semanas, e acabo de chegar à minha morada. Dois anos, quatro meses e setenta e oito dias fora da minha pequena caverna. Qual não foi minha surpresa ao encontrar, na empoeirada caixa de correios, esses dezenove envelopes verdes. Não há quase nada no mundo que me surpreenda mais, especialmente depois dessa longa estada em Veneza onde vi coisas que nem imagina, senhora Helena. Vi coisas absolutamente inacreditáveis, e o mais incrível que todas as coisas eram dentro de mim. Mas chegar e encontrar dezenove envelopes verdes vindos da senhora não fazia parte de minhas convicções.  E, confesso: os malditos quatro andares de escadarias que me sugerem o Himalaia me foram leves como quase nunca.
Pensei que me houvesse esquecido. Não fui elegante em não me comunicar com a senhora nem dar sinais de vida, senhora Helena. Mas não dei sinais de vida por uma grande dúvida sobre se, em mim, havia alguma. Pensei mesmo que o tempo a faria se esquecer deste homem magro e eternamente de pés úmidos que, não de muito em muito tempo, reclama da vida. Pensei que se esqueceria de mim, porque eu mesmo fiz força para me esquecer de mim e, por isso, fiquei em Veneza por tanto tempo.
Aluguei um pequeno cômodo no Dorsoduro (não sei se conhece bem Veneza, enfim, é um bairro silencioso, sem as pavorosas hordas de turistas, e onde o canal não cheira a peixe mas, sim, a lágrima), coloquei ali uma pequena mesa para apoiar meu permanente copo d´água e meus remédios (uma cápsula vermelho e branca, uma bolinha branca e uma bombinha que preciso chupar e aspirar seu pozinho mágico a cada hora e meia), uma pequenina cama de solteiro e seu colchão e uma cadeira, de madeira escura e onde me balançava dia a dia, olhando o canaletozinho que me era visível pela janela. Ali em Veneza não tinha o meu único amigo Micko, o polaco, eslovaco ou coisa que o valha que tenho aqui em Paris como meu vizinho (já lhe falei dele, não sei se o recorda), nem a boulangerie de minha preferência. Então fazia minha única refeição diária, meu desjejum, em um hotel perto de minha moradia, o Tiziano. É um hotel grande, um edifício imponente e onde o que mais havia de comum comigo era a idade, já que foi construído no século XV, como eu, e que sempre tem à mesa do café um pequeno jarro com uma flor branca. Meu desjejum era sempre ali, e durava cerca de duas horas, todo dia. Não que eu coma muito, senhora Helena, sabes já que sou magro. E, como disse, o desjejum era minha única refeição. Nunca sentia fome, e as frutas e pãezinhos me bastavam. Mas da mesa podia observar a entrada do hotel e um pedaço do canal. E via as pessoas, senhora Helena, sem que pudesse ser visto por elas. E essa era a minha televisão: observar as pessoas entrando e saindo do Tiziano, e observar as pessoas andando para lá e para cá, uma gôndola ou uma lancha eventual. E perceber e pensar em como as pessoas são tão diferentes, apesar de absolutamente idênticas, senhora Helena. Não sei se assim o pensa, mas cada pessoa é absolutamente diferente e absolutamente igual a todas. Ali vi japoneses, brasileiros, franceses, italianos, chineses, o que há no mundo passa por Veneza e ali eu os via, todos os dias, iguais, iguais, diferentes, diferentes. Um fala mais, outro fala menos, um anda a passos rápidos, outra a passos lentos, uma sorri pouco, outro é um sorriso cercado de incertezas por todos os lados. Felizmente, como disse, ali não chegavam milhares de turistas e, sim, alguns poucos, minimamente civilizados, o que me dava oportunidade de observá-los com alguma demora. Divago, retorno então a meus hábitos.
Que eram apenas esses: o café no Tiziano, a subida para casa, a cadeira de balanço, os remédios, a janela que dá para o canal e, ia me esquecendo, a garrafa verde de água mineral que me lembrava os seus envelopes verdes, os quais, imaginava, nunca mais veria. Do desjejum para casa, onde me colocava à janela, de onde via também as pessoas, todas elas, iguais e tão diferentes, esperando ver uma em especial, já sabes quem, a única pessoa diferente e desigual das demais nesse mundo. Da janela só saía para cair na estreita cama, dormir um pouco e recomeçar no dia seguinte.
Pensei, senhora Helena, que nunca mais me escreveria, assim como pensava que nunca mais voltaria a este apartamento que, confesso, hoje cheira a pó e mofo. Dois anos, quatro meses e setenta e oito dias deixam marcas, odores e rugas, nas coisas, nas memórias e nas pessoas. Não sei se há como tirar isso do corpo, mas das coisas penso em chamar Iulianna, a mocinha que mora no apartamento logo abaixo do meu, para tirar. Não sei nem se ainda mora aqui, mas enfim. O tempo irá me fazer voltar para essa casa, onde acabo de entrar mas tenho dúvidas se saí algum dia.
Espero que me perdoe e comigo tenha paciência, já que tenho tanto a contar e tanto a fazer aqui, o que me impede se seguir agora nessa missiva. Espero não estar sendo mais uma vez invasivo e a incomodando com minha imprudência, afirmo que bastante eventual, em lhe retornar depois de tanto tempo como um mal agradecido qualquer. O que me deixou um pouco mais confiante em escrevê-la novamente foram as datas dos Correios nos envelopes, aliás, que curioso, abri um a um e estavam todos vazios, exceção feita ao último, onde encontrei sua carta, com data da segunda-feira última. O que mostra que os Correios andam um pouco mais eficientes, afinal hoje é sexta-feira e já tenho cá a sua carta.

Senhora Helena, lhe escrevo mais para a semana. Estou deveras cansado, e preciso organizar o confuso que há dentro de mim, ao menos o suficiente para lhe ser minimamente agradável como missivista.

 

Com um abraço,

H

 

P.S.: Lhe envio em anexo uma foto de mim, feita por uma turista finlandesa que passou duas semanas tomando café na mesa ao lado da minha. Um dia ela chegou, sorriu e me entregou esse retrato, e nunca mais a vi. Perceba que é excelente fotógrafa e me enxerga exatamente como sou. Queria compartilhá-la com a senhora, como sinal de respeito e pedido de desculpas.

 

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Nessun dorma

(ou o 10)

Rita Hayworth soube por amigos em comum que Virginia compartilha com ela seu maior desejo: aumentar as noites para conseguir enchê-las de sonhos. Mas noites são seres fugidios que escorregam pelo mundo antes que possamos abrir suas barrigas e mergulhar dentro delas profundamente e colar em suas paredes todas as estrelas que iluminam nossos céus. “Nessun dorma, nessun dorma”, mas mesmo que não se durma nessa cidade em uma noite de terça-feira ninguém vê que Rita Hayworth carrega pela Lardennois sua cadeira de espaguete blêblanrúge, sobe os degraus de seu perfeito esconderijo e, com alguns passos à direita, chega ao lugar onde mais se encontra com ela mesma. Rita Hayworth se senta, tirando antes do bolso traseiro um pequeno papel dobrado. É uma canção antiga, que a mãe da mãe da mãe de Rita Hayworth cantava para o irmão mais novo dormir, e que diz mais ou menos assim: “eu quero amor, alegria, bom humor, não é o dinheiro que me trará felicidade, eu quero morrer com a mão no coração”. Rita Hayworth sobe na cadeira, espeta com um alfinete de cabeça amarela o bilhete no céu, senta novamente e espera o sol nascer. Já é quase dia, e Rita Hayworth agora caminha de volta pela Lardennois retirando pedras dos bolsos do casaco. A cada pedra que retira e joga por cima do ombro Rita Hayworth dá um sorriso e diz baixinho: venci outra vez. Treme seu celular. É Virgínia.

Da microeconomia dos gestos I

Torna-se fundamental para a sobrevivência nos dias de hoje a permanente observação de todas as possibilidades gestuais de seu próprio corpo, individualmente falando ou relacionadas ao mundo exterior, dentro dos mais variados contextos que se apresentem. Parece fácil, mas o que há de fácil na vida senão a morte? Daí, a importância de exercícios permanentes. Diários, ideal. Semanais, aceitável. Mensais, bimensais, anuais: inúteis. A constância e a repetição proporcionam resultados grandiosos, inalcançáveis com a indolência. Chega-se a tal grau de aprofundamento, porém, quando se inicia o processo, que é possível viciar-se a tal ponto que a concentração excessiva em perceber as possibilidades de um determinado gesto torna-se um risco. Portanto, ao realizar os exercícios de observação corporal, reúna em torno de si tudo que lhe possa transportar imediatamente àquela condição que alguns chamam de lucidez, em caso de imprevisto: contas de energia, prestações de automóveis, sapatênis, jornais periódicos, avisos de não fumar, dentre outros. Recomenda-se ter por perto, ao alcance máximo de uma gargalhada, alguém que a sociedade reconheça como “pessoa de juízo”, seja lá o que isso queira dizer. Pode-se começar com a análise de pequenos gestos, aumentando passo a passo a complexidade do gestual a ser analisado. Porém, antes do gesto, é preciso se aprofundar no conhecimento do membro que, a posterior, deverá realizar o gesto. Essa tarefa precede todas as demais atividades, e é bom que se coloque aqui algo que ilustre o procedimento. Pois bem.

Pode-se começar observando-se um dos dedos indicadores. Abstraia-se do ambiente e espiche o braço e esconda os demais dedos da mão escolhida e observe o indicador. Observe comprimento, formato da unha, eventuais pelos nele existentes e sua direção e forma de crescimento; observe as rugas que existem por sobre as articulações. É retilíneo, torto? Imagina-se que o esteja olhando na posição vertical, portanto, coloque-o na horizontal. Observe se tem alguma curvatura para cima ou para baixo. Vire. O dedo. Observe novamente as rugas nas articulações, e como suas formas, texturas e ângulos são diferentes das anteriores. Dobre o dedo, estique, dobre. Traga-o para perto dos olhos. Observe sua digital. Veja seu desenho, suas curvas. Mergulhe na sua digital e os sulcos serão rios, cercados por intermináveis cânions. Existem cicatrizes interrompendo os fluxos? Marcas, manchas? Dobre, estique, dobre, estique. Veja como muda de cor. Cumprida esta etapa, estique o braço, indicador em riste, como se estivesse apontando algo. Se possível em frente a um espelho. Inverta. Dobre o braço, e veja seu dedo indicador de frente, apontado para seu nariz. Permaneça assim alguns segundos. Mais alguns segundos. Um pouco mais. Relaxe. Todo o processo deve levar a exata duração do Bolero de Ravel, se possível, tendo-o como fundo musical. Ao final, deve-se respirar lentamente por dois minutos e, se bem realizado o exercício, estará apto a lembrar de cada detalhe de seu dedo indicador e de como ele se comporta do ponto de vista físico quando em riste, apontando para algo, alguém ou alguma coisa.

Esses são exercícios iniciais básicos, de nível elementar. Na próxima semana, mostraremos como um simples movimento como o de espichar o indicador em direções aleatórias pode levar tanto à reflexão mais profunda sobre a natureza humana quanto provocar maremotos e inundações em qualquer continente, coração ou outro recipiente. Em caso de dúvidas, envie foto 3×4 de seu dedo indicador e o nome de sua primeira professora de matemática.