André Gonçalves

Farinhada

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Não é só futebol

 

É uma imagem antológica das Copas do Mundo: Daniel Passarela levantando o troféu em Buenos Aires após a vitória sobre a Holanda, na final de 1978. Ao realizar o gesto clássico, Passarela se tornou uma lenda do futebol, o capitão que representava a garra argentina nos gramados.

O que pouca gente lembra é que, até pouco tempo antes, não era Daniel Passarela o capitão do time que viria a ser campeão. Quem carregava a braçadeira era Jorge Carrascosa, “El Lobo”, que já havia jogado na Copa de 1974, tinha o reconhecimento dos argentinos e era o “homem de confiança” do técnico César Menotti.

Mas um golpe de estado atravessou a história de El Lobo, da Argentina e da albiceleste. Em 1976, Jorge Rafael Videla e uma junta militar derrubam a presidenta Isabel Perón e dão início a uma das mais sangrentas ditaduras do continente, que iria durar até 1983.

Carrascosa, que no exato dia do golpe estava defendendo a seleção argentina em jogo amistoso contra a Polônia, na Europa, acabou renunciando à seleção. Em 1977, um ano antes da Copa, anunciou que não aceitaria a convocação e que abria mão de jogar o mundial. Mesmo com a insistência de Menotti, Carrascosa não cedeu: chamado até então também de El Gran Capitán, Jorge Carrascosa passou a ter seu nome associado pelo regime de Videla a “antipatriotismo” e “comunismo”.

A faixa de capitão foi então entregue a Passarela. Que seguiu o mundial com Fillol, Kempes e Tarantini, levando a Argentina a um contestado título, por muitos chamado de “o mundial da vergonha”: entre as suspeitas, um placar supostamente arranjado contra o Peru (um 6 a 0 bastante estranho) e visitas de generais a vestiários, não só da seleção da casa.

Além disso, o jogo final aconteceu no estádio Monumental de Nuñez, situado a pouco mais de 1km do principal centro de detenção da ditadura, a Esma – Escola de Mecânica do Exército, local em que o regime torturava e matava seus adversários. Presos que viveram o dia histórico do futebol argentino afirmam que, de seus cubículos, podiam escutar as comemorações dos gols e a festa do título. Dizem que, naquela tarde, não houve tortura.

Passarela posou ao fim do jogo ao lado de Videla, com um aperto de mãos. Anos depois, o capitão do título, que conheceu fama e fortuna, afirmou: “Se eu soubesse realmente o que estava acontecendo no meu país não teria usado a camisa nacional”.

Carrascosa sabia e não usou. Apesar de por muitos anos evitar falar claramente sobre a decisão e dizer que foi motivada por coisas como a corrupção no futebol argentino da época, entrou para a história como o capitão que abriu mão do possível título para manter suas convicções pessoais e políticas. El Lobo não gosta de ser fotografado e, aos 70 anos, vive uma vida modesta na região sul de Buenos Aires.

*a foto não mostra Passarela e, sim, Henri Michel, então capitão da seleção da França, e El Lobo, em 1977, pouco antes de um dos últimos jogos de Carrascosa como El Gran Capitán.

de deus ou o diabo

Então Maria de Deus tinha marido e cinco filhos, Alfredo e outros dois meninos e duas meninas, Alfredo o mais velho. A cada ano nascia uma criança naquela casa, e o que chamava a atenção, claro está que além da evidente virilidade do pai e da fertilidade de Maria de Deus, era o rigor das datas: todas as crianças, a partir de Alfredo, nasciam no mesmo dia, fique claro que no mesmo dia é forma simbólica de o dizer, já que cada um era de um ano, mas todas nasciam na mesma data, 21 de janeiro. Então, todos os dias 21 de janeiro havia um novo choro de criança naquela casa e havia festa, e havia carne, e havia bebida, e havia música, e havia a certeza de que, em 21 de janeiro do próximo ano, haveria mais choro de criança, mais festa, mais carne, mais bebida, mais música. E assim foi por cinco anos, o ano de nascimento de Alfredo e os quatro seguintes, onde nasceram alternadamente uma menina e um menino, o que fez com que chegássemos ao número de crianças aqui já apontadas, cinco, três meninos e duas meninas. Dificuldades havia, já que eram pobres e de pouca instrução e assim de poucas oportunidades na vida, mas o que não tem remédio remediado está, assim dizem muitos por preguiça ou desengano, e a fé de Maria de Deus e o trabalho do pai davam conta do mínimo para se viver, sendo que o mínimo, se formos pensar bem, já é o suficiente, perdidos são os que querem mais do que o que é preciso para que a vida siga, isso sim, ora se não, é a causa da maior parte de tudo o que acontece de mau pelo mundo desde sempre. Assim o pensavam Maria de Deus e o marido, e chegou dezembro e Maria de Deus já ia com uma grande barriga, a prenhez arredondando suas formas já em ponto de rebentar, arredondando talvez seja um exagero, apenas o bucho se tornava um grande caroço, assim era sempre, em toda prenhez Maria de Deus se tornava só barriga, as pernas e os braços e o rosto finos, magros, ossudos, parecia que toda a carne do corpo se lhe voltava para dentro para formar a nova criança, mas isso rapidamente deixava de ser tão logo o rebento ou rebenta gritasse ao mundo, cá estou, claro que bebês não o gritam, mas berram como se o quisessem, então era só dar-se o tal berro ou choro e Maria de Deus voltava às suas formas, digamos, originais, nem tão magra, nem tão gorda, uma mulher normal, se diria, mais que isso era quase impossível, já que pela já citada personalidade pudica de Maria de Deus pouco mais se vira de seu corpo qualquer dia que fosse, a não ser as parteiras, essas mesmo assim apenas duas, e isso ainda porque uma morreu logo após o parto do segundo bebê da família, nenhuma ligação de um fato com o outro, morreu de um tiro a pobre, dizem que um crime passional, mas tinha ela setenta anos, que diabos. Então, ia-se o mês de dezembro e já tudo começava a encaminhar-se para as festividades do nascimento do sexto filho, quando deu-se. Um a um, os filhos de Maria de Deus e do pai foram tomados por uma febre, cada dia um, e ao fim de cinco dias todos sentiam os mesmos sintomas, e deliravam, e suavam, e choravam, e um dia morreu um, noutro dia morreu outra, sempre do mais novo para o mais velho, seria Alfredo o último, no ritmo que se ia em menos de uma semana não haveria mais filhos de Maria de Deus e do pai, e ainda Maria de Deus foi tomada pela febre, e foram vômitos e foram dores, ela chorava a morte de cada um dos filhos sem ter tempo de se acostumar com as sucessivas perdas, diárias, e não se sabia se Maria de Deus chorava e gritava pela dor que sentia dentro dela ou pela dor que chegava a ela do mundo de fora, e Maria de Deus acabou perdendo o filho ainda não nascido, em verdade uma menina, e Maria de Deus, agora mãe somente de Alfredo que já também agonizava em dores, ainda na cama chamou padre Muniz, que, como toda a cidade, fazia vigília em volta da casa dos sofridos pais e moribundos filhos, ou moribundo apenas Alfredo, os demais já além de moribundos, defuntos filhos. Padre Muniz prontamente atendeu ao chamado de sua mais devota paroquiana, mas para quê, imagine-se o susto com o que lhe disse Maria de Deus, que foi: Padre Muniz, hoje pela manhã renunciei a Deus e pedi ao diabo que acabe com as dores de Alfredo, que Deus já quase tudo me tirou, só me resta Alfredo e Ele quer me tirar também meu filho mais velho, então eu renuncio, padre Muniz, não sou eu mais devota do Divino, quem sabe o serei do Demo, pedi ao cramulhão que me recupere Alfredo, mesmo que me leve, mas ele é tinhoso e não vai me levar, vai curar Alfredo e me manter como prova viva de que o de baixo é mais poderoso que O do alto. Padre Muniz tão chocado ficou que nem pensou em excomunhão, nem em exorcismo, nem em enviar carta ao Bispo nem ao Papa, apenas ficou ali em frente a Maria de Deus, ou seria agora Maria do Cão, e sem ter o que fazer fez apenas o que se faz em momentos em que não se sabe o que fazer ou quando não se tem mais jeito de fazer nada, que é desenhar sobre si mesmo o sinal da cruz e pedir ajuda a Deus e Nossa Senhora e a todos os santos, coisa que, padre Muniz pensou, isso sim deveria ter feito Maria, até então de Deus e sabe-se lá como se chamaria agora.
É bom que não entremos em detalhes do tumulto que tal situação causou na pequena cidade, nem nos desdobramentos na comunidade religiosa local, regional, nacional e mundial, enfim, porque isso tudo pode ser imaginado, mas certamente o leitor deverá mesmo querer saber o que sucedeu com Alfredo e tudo o mais depois da declaração inesperada de Maria, antes, de Deus, agora sabe-se lá de quê. Deu-se que Alfredo ficou curado, que Maria ficou curada, que as outras crianças foram enterradas, que o pai nunca mais desabraçou-se da garrafa e, diz-se, nunca mais apareceu sóbrio novamente, assim como tio Bezerra, veja, do nada e sem motivo o tio aparece na história com o seu alcoolismo, e já dela sai, então aqui se explica o que teria lhe causado, ao pai, a perda do mindinho e do anelar da mão direita, foi com um machado, quando, em uma manhã cheia de sol em tempos passados, tentando arrancar rolha de uma garrafa e não o conseguindo, cismou de fazê-lo com o tal machado, segurando a garrafa pelo gargalo. Ou seja, abriu-se a garrafa, o pai perdeu dois dedos e no hospital da cidade chegou cambaleante e com os dedos decepados no bolso para esperado reimplante, o que acabou sendo inútil, pois o hospital mal tinha como costurar um talho feito por faca no dedo, quanto mais reimplantá-los após golpe de machado.

Autobiografia não autorizada de Maria Quem

Minha mãe, que chamava Edilene e era puta, chegou na Passarinha aos quinze. Olho roxo, trouxa nas costas, sandália havaiana e arrastando um farrapo que, dizia Meire Elen, a dona da Passarinha, era o que sobrava da vida dela. Um farrapo cor de rosa, manchado de azul e com cheiro de naftalina. Meu avô, pai da minha mãe, era crente da boca pra fora e filho da puta igualzinho ao meu pai da boca pra dentro. Ele descobriu que ela perdeu o cabaço e meteu a mão na cara dela, o pé na bunda dela e a boca no mundo, gritando da janela pro bairro inteiro ouvir “essa cadela é uma ímpia e só faço a vontade do Senhor: se queres cair na vida, que a vida caia sobre Vós”. Meu avô, pai da minha mãe, inventava coisas e dizia que elas estavam na Bíblia, só que ninguém nunca achava. E era tão filho da puta, tem dias que penso até que mais filho da puta que meu pai, que quem contou pra ele que minha mãe tinha perdido o cabaço foi a Gorete. Gorete era casada com o Gonçalo do Peixe, mas tinha um caso com meu avô, o pai da minha mãe. E quem comeu minha mãe foi o marido dela, o Gonçalo, e ela, pra se vingar, contou pra ele, meu avô, que primeiro quis matar o Gonçalo mas lembrou que o Gonçalo já tinha puxado cana por ter matado um outro amante da Gorete e preferiu descontar na minha mãe. Meu avô, além de crente da boca pra fora e filho da puta da boca pra dentro, era covarde. Mas minha mãe não. Minha mãe tinha coragem. E se era pra sair pra vida, ela saiu. Minha mãe, que chamava Edilene e era puta, chegou na Passarinha. Aos quinze. Olho roxo. Trouxa nas costas. Sandália havaiana. E arrastando um farrapo. Que, pensando bem, Meire Elen tinha razão: o farrapo era o que sobrava da vida dela. Um farrapo cor de rosa, manchado de azul e com cheiro de naftalina.

Carta para Helena

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Senhora Helena.

Antes de qualquer coisa, peço desculpas pela demora em respondê-la. Há tempos não peço desculpas por nada nem a ninguém, nem dou explicações sobre o que quer que seja a quem quer que seja. Não percebo porque alguém haveria de se interessar e já não disponho mais de pudores que me provoquem a necessidade de me desculpar por algo que tenha feito, dito, pensado ou desejado. Mas aqui, senhora Helena, abro uma exceção, e exceções também são coisas que não costumo abrir, salvo em condições extremas. Como essa, ao me corresponder com a senhora.

Há pessoas que pensam, provavelmente, que sou amargo. Que sou estranho. Que sou arrogante. As pessoas pensam o que querem, senhora Helena. Não me importo com elas. Sinceramente, não faço a mínima sobre o que passa na cabeça de qualquer pessoa desse mundo. Todos pensam muito sobre tudo, o que significa que não pensam nada sobre nada. A única pessoa a quem eu daria explicações, pediria desculpas ou coisa que o valha seria Beatriz. Mas me senti aqui tocado pela sua carta, veja só, a segunda que recebo da senhora em tão pouco tempo. Há anos não recebia nada, como já disse, e pela segunda vez recebi seu envelope verde, o que provocou em mim uma reação bastante curiosa. E é a essa reação que se deve minha demora em respondê-la.

Ao receber seu envelope verde, senhora Helena, não senti medo. Não, desta vez não senti nenhum medo. Ao contrário, senti vontade de cantar. A senhora canta, senhora Helena? Eu não canto. Nunca. Sou incapaz de emitir um arrulho sequer, ou mesmo um som gutural, ou mesmo de movimentar os lábios para qualquer lado com a pretensão de que deles saia uma melodia. Uma vez minha mãe fez uma competição em casa, senhora Helena. Éramos cinco irmãos, eu o mais velho, depois duas meninas, depois outros dois meninos. A competição consistia em cada um cantar a melodia que mais lhe agradasse e, pelo voto direto de todos, o que melhor desempenhasse a função de rouxinol-mirim ganharia um mês de sorvetes e uma semana sem fazer as lições de casa, que seriam realizadas por minha mãe. Evidente que meu pai não imaginava nada disso. Na minha vez de cantar, senhora Helena, emudeci. Minha boca ficou presa na forma de um “o”, e era impossível movimentá-la. Passei três dias assim, senhora Helena. Uma paralisia, que gerou muitas visitas médicas, cerca de duas mil injeções de um líquido amarelo em minhas nádegas e o pânico eterno de cantar. Esse pânico ainda se tornou maior e se transformou em vergonha já que meus irmãos, depois do fatídico, para mim, concurso caseiro, formaram um grupo vocal, agraciado em Viena como a maior revelação da música erudita na Europa. Desde então, não canto.

Sua carta, então, me deu vontade cantar. Sentei na escada do meu edifício, senhora Helena, respirei fundo e, sem me dar conta do que fazia, era Charles Aznavour e cantava Que C´est Triste Venise. Cantei, senhora Helena! E os vizinhos abriram as portas, e mesmo assim eu não me sentia intimidado, e todos olhavam admirados, não sei se por alguma eventual qualidade musical ou pelo estranho fato de alguém como eu, segurando um envelope verde, cantar Que C´est Triste Venise, sentado na escada. Ao fim, senhora Helena, aplaudiam. Aplaudiam-me com fervor. E ouvi alguém gritar “bravo”, e alguém me jogou flores do último andar. Eu era Aznavour, senhora Helena. Eu cantei. E foi sua carta que me fez cantar. Mas fiquei sem entender porque Que C´est triste Venise. Nunca fui a Veneza. Mas subi, senhora Helena, em meio aos abraços efusivos dos vizinhos, e li sua carta, e agradeço por querer me ajudar a encontrar Beatriz. Não creio que isso seja possível. Reencontrar Beatriz. Mas decidi algo. Vou a Veneza, senhora Helena.

Há anos não saio deste cubículo em que vivo, nem desta cidade. Vou tomar um trem, porque não tenho pressa, as pessoas sempre têm muita pressa e eu não tenho nenhuma. Não admito viagens por avião. Toda viagem deveria ser por terra, para que se perceba o deslocamento do tempo. Enfim, vou a Veneza.

Se me permitir, enviarei nova carta. Não sei se lhe incomodarei.

Ia falando tanto de mim que quase me esqueço de algo que realmente me causou surpresa, até estranhamento. Senhora Helena, eu lhe afirmo que nunca, jamais, enviei uma carta sequer em envelope cor de vinho. Não sou afeito a esses caprichos, senhora Helena. Meus envelopes, digo novamente, são como eu: sem cor. São sempre brancos. Completamente brancos. Não creio que seja daltônica. Mas nunca utilizei envelopes cor de vinho. Não compreendo. Não compreendo porque me dizes que os meus envelopes são cor de vinho.

Outra coisa: surpreende-me também a qualidade de sua escrita em francês. Pude deduzir que é brasileira, mas que lindo seu modo de escrever em francês. Nem Blanchot o faria tão bem. Já viveu em França?

Um abraço,

H.

 

O maior jogo de vôlei de todos os milênios

(texto publicado na minha coluna Farinhada, no jornal O Dia, em março/2006 – de volta porque o site do Mr. Zuckerberg fez com que eu e Ibinha voltássemos a nos falar mais de 30 anos depois dos fatos narrados fidedignamente – e com testemunhas!)

Semana passada contei aqui algumas peripécias do meu passado. Parece que fez sucesso. Recebi vários e-mails: um com alguém dizendo não acreditar que eu já fui cabeludo, outro pedindo que eu suba novamente aos palcos pra desbancar Mick Jagger, outro criticando porque chamei nosso astronauta de tomate espacial. Pelo visto, falar sobre a gente dá ibope, mesmo. Bem, depois desse sucesso, resolvi escancarar e contar mais alguma coisa lá de trás da minha vida. E, olha, essa eu contei pra pouquíssimas pessoas. Que não acreditaram em uma só palavra, o que me fez resguardar ainda mais esse pedacinho heróico de minha existência. Mas aí vai.
Eu já joguei vôlei. Certo, sou um tampinha, mas joguei, numa época em que minha altura ainda era compatível com os demais da minha idade. Fui descoberto, e isso é um orgulho que trago comigo, pelo professor Adolfo Guilherme, que, bem antes de me descobrir, chegou a ser treinador da Seleção Brasileira Feminina. Jogando uma pelada nas quadras do Minas Tênis, em BH, seu Adolfo me viu, me chamou num canto e disparou: “Menino, você leva jeito. Quer treinar comigo”? Eu tinha 13, 14 anos. E foi aí mais de um ano com “seu” Adolfo, divertidíssimo, treinando e sonhando em crescer mais alguns centímetros e ser um novo William. Mas, peraí, essa não é a estória, é a introdução. Feita, aí vai o “causo”.
Então, jogava vôlei. Mas acabou que fui morar no Rio de Janeiro. E fiz dupla de vôlei de praia com um amigo, o Ibinha. O Ibinha tinha um nome pomposo, aristocrático: Eduardo João Henrique Haas Gonçalves Júnior. Mas era duro, ferrado como eu, e combinava mais com Ibinha, mesmo. Era meu amigo, colega de escola e dupla na praia. Inseparáveis. Éramos da mesma turma na oitava série. E, um dia, se na praia não ganhávamos de ninguém, tivemos nosso nome inscrito na galeria dos heróis mundiais do esporte, apesar de ninguém saber disso.
Nossa turma, a 802, chegou à final do torneio de vôlei da escola contra a 801. Eu de levantador, o Ibinha na entrada e o Zé Ricardo, que na época treinava no Fluminense, na saída de rede. Dos outros, confesso, não lembro. Mas o trio era quase imbatível. Só que, sabe-se lá porque, no dia da final nosso time não foi. Fomos só eu e Ibinha. Os dois e mais a torcida, o outro time, a diretoria da escola e meio mundo. Mas cadê o time? Íamos perder por WO. Mas, conversando com o professor de educação física e, no caso, juiz do jogo, ele permitiu que entrássemos em quadra, eu e Ibinha. Perder por WO era muito feio. Claro que todo mundo previa um massacre, mas entramos em quadra aplaudidíssimos pela iniciativa. Até que, dentro da quadra, eu e Ibinha começamos a dar um show. Ninguém acreditava. Eu e ele, sem reservas, sem mais ninguém, começamos perdendo o jogo, mas equilibramos ainda no primeiro set, que ganhamos de virada. A torcida, em êxtase, começou a gritar nosso nome. A 801 mudou o time todo, entrou gente, saiu gente, e eu e Ibinha firmes, gigantes (eu nem tanto, mas entenda meu entusiasmo). A cada lance, um joelho esfolado, uma cabeça dolorida, mas ponto para a dupla da 802. Nós, claro. Que, acredite você ou não, ganhamos a partida. Eu e Ibinha derrotamos um time inteiro, com seis titulares e seis reservas. É verdade! Olha, to dizendo! Tenho centenas de testemunhas!
Tá bem, tá bem… Não precisa acreditar. Ninguém acredita mesmo. Mas vou procurar o Ibinha pela net e trago ele aqui pra você ver. Pode esperar.