Cinema não se conjuga no singular: fomos nós que fizemos. Plural. E não me refiro apenas à equipe do filme, mas igualmente ao Mário Peixoto de Limite (1931), ao Guimarães Rosa de Grande sertão: veredas (1956) em especial, e ainda mais precisamente ao Glauber Rocha de O dragão da maldade contra o santo guerreiro (1969) e de Deus e o diabo na terra do sol (1964). 

Cipriano é imerso no universo dos três e aos três presto homenagem. Quando o escritor Ariano Suassuna assistiu Cipriano perguntou se eu conhecia o cineasta armênio Sergei Parajanov – sobretudo o longa-metragem Ashik Kerib (1988). Não conhecia. Graças à Internet e ao compartilhamento de conteúdo, fui arrebatado por esse encontro de sensibilidade entre os dois filmes. Hoje, lembro dos quatro em igual tempo sempre que volto a frequentar o território da danação onde trafegam essas espécies de sonhos “ciprianos”. 

Foto | Maria Liljeblad

 

Ô Miguelo, Ô Miguel… 

esta alma eu não Te dou. 

Hoje já fazem três dia, 

que esta alma aqui chegou. 

Nem que faça vinte ano, 

esta alma Eu a levo… 

levo ela em minha guia, 

vou entregar ao Pai Eterno… 

levo ela em minha guia, 

vou entregar ao Pai Eterno. 

Quando do seu lançamento, em 31 de março de 2001, muita gente amou o filme – e outros tantos o odiaram, com todas as suas forças. Houve gente amável conosco e com a obra; e muitos foram agressivos com ambos. No que é possível eu me distanciar, tudo parece legítimo – menos a agressividade. Recorro ao Nelson Rodrigues de “Toda unanimidade é burra. Quem pensa com a unanimidade não precisa pensar”. Curioso escrever sobre essas lembranças neste processo de remontar o filme para um lançamento em data comemorativa. Estamos próximos dos 20 anos. Mesmo que eu tenha lançado outros tantos trabalhos, Cipriano segue como marco. E, arrisco dizer, é mesmo um marco na cultura piauiense. Percorreu circuitos das salas de cinema à televisão; mereceu matérias em meios de comunicação nacionais (Folha de SP, Estadão, Jornal de Brasília) e internacionais (Göteborgs-Posten, Suécia; Euro-Brasil Press/International Press Corporation, Londres) – entre outros. Talvez o mais surpreendente: foi absorvido pelo mundo acadêmico. 

Um relançamento comemorativo é voltar à pluraridade regida pela Sétima Arte. 

Douglas Machado é documentarista. Trabalha com cinema e literatura. É sócio da Trinca Filmes, produtora com foco nas questões do Brasil e do sertão, em particular.

Esse conteúdo faz parte da Revestrés#45  (2020), que pode ser baixada ou lida gratuitamente CLIQUE BAIXE O PDF (link para pdf) OU LEIA ONLINE (link issuu).

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