1. UM LIVRO QUE TODOS DEVERIAM LER 

O Velho e o Mar, de Ernest Hemingway. Sempre que penetro a zona abissal de sua trama alcanço novas dimensões interpretativas. No mais recente mergulho descobri a importância, para Santiago, do garoto Manolin. Impossível derrotar, sem a ajuda do menino que ficou para trás, algo que lhe parecia mais temível que a imensidão escura do mar: o próprio corpo em desgaste de velho pescador, a solidão. 

Rubervam Du Nascimento | Foto: Luis Mota

  1. QUE AUTORAS NEGRAS? 

Ultimamente estou selecionando autores e autoras que incluem, na linguagem criativa, a problemática racial. Descobri a escritora de Ruanda, Scholastique Mukasonga. Acompanho com muito interesse Ana Maria Gonçalves, de Um defeito de cor, e a poesia e prosa de Conceição Evaristo. 

  1. UM FILME

Redemoinho, baseado em O inferno provisório, de Luiz Ruffato. Um toque de alerta àqueles que pensam ser fácil passar uma borracha na memória. O filme chama a atenção para o quanto são perigosas as lembranças; ressuscitar o passado pode incomodar o presente e desarmar as armadilhas preparadas pelo tempo contra o futuro. 

  1. UMA MÚSICA

Estou profundamente tocado pelo hit do coletivo Lastesis, do Chile, repetido em coro por milhares de mulheres pelas ruas com um refrão contundente: “o Estado opressor é um macho estuprador”. Denuncia mais de 70 casos de abusos sexuais contra mulheres durante as manifestações contrárias ao regime neoliberal chileno. 

  1. UM LUGAR

Maputo, capital de Moçambique. Revigorante ficar à beira do Índico contemplando a imensidão das águas do mar sem fim, mulheres vestidas de arco-íris, crianças brincando com peixes, aos pulos na areia ou no fundo das canoas, em regresso de pescaria. Necessário buscar na África o que restou de nosso encanto antes que o pensamento ocidental, decadente, acabe com o sagrado que resta em nós. 

  1. UM MOTIVO PARA PERSISTIR

Acreditar que a arte sobrevive ao caos. Embora já tenha assegurado não ter mais tempo para brincar com a esperança, ainda sou capaz de acumular forças para lutar contra tudo que tente impedir o nascimento de flor, em algum campo de plantio de ossos. 

  1. EU NÃO VIVERIA SEM…

Sem ter por perto a música das palavras. Fico inquieto em qualquer lugar sem nada para ler. Há mais de quatro décadas armazeno livros nos espaços onde moro. Eles representam minha Casa de Papel, construída igualmente só com livros pelo argentino Carlos Maria Dominguez. 

  1. SUA POESIA VEM

Não vem, não cai da lua, do Olimpo, sei lá de onde, por não acreditar nessa tal de inspiração, escapole do que escolho, com bastante esforço, com exaustivo trabalho, para dialogar com meu silêncio, com minha voz, com o que agarro com as mãos, com os olhos, com todos os meus sentidos. 

  1. TERESINA OU SÃO PAULO?

As duas. Teresina é muito cara para o meu projeto pessoal e literário. Embora tenha nascido na Ilha Upaon-Açu, no Maranhão, onde tudo em mim começou. Trabalhei e vivi por 45 anos, casei com a poeta Carmen Gonzalez, nasceram filha e filho que vieram pra Sampa antes de nós. Não estou em São Paulo em busca de fama. Antes de vir até pensava que ficaria muito mais perto do mundo. Um engano, a internet encurtou definitivamente todas as distâncias. A 4ª cidade mais populosa do mundo não passa de “provinçona” que alimenta, com seu ilusório desenvolvimento econômico, a fome miserável de estruturas arcaicas, as mais absurdas. Sinto muita falta da luminosidade que explode durante todo o dia, do pôr de sol da distanter-e-sina. Em São Paulo a cidade mata o sol, muito antes de nascer. 

  1. O QUE ESPERAR DO BRASIL DE 2020? 

A expectativa é a continuidade da mesmice, da farsa dos interesses mais escabrosos, do domínio do engodo, da estupidez sem limite. Como apostar num país diferente quando assistimos, com naturalidade espantosa, o surgimento de um partido político com um número que expressa morte, capitaneado por verdadeiros cachorros doidos, cuja logo foi construída por um artista plástico com balas de fuzil?  

Rubervam Du Nascimento é poeta, formado em Direito pela UFPI, com especialização em Direito do Trabalho. É autor dos livros A profissão dos peixes, Marco Lusbel desce ao inferno, Os cavalos de Dom Ruffato e Espólio. Maranhense de São Luís, viveu e trabalhou por 46 anos em Teresina, e hoje reside em Santo André/SP.

Publicado na Revestrés#44 – novembro-dezembro de 2019.

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