“Quando eu saí de casa o meu sonho não era ser comediante, não era ser cantor, o meu sonho era ser alguém na vida”, diz o jovem tatuado, de boné, vestido apenas de cueca. O cenário ao fundo é uma cama de hotel bagunçada – mas a impessoalidade que esses ambientes costumam ter é rapidamente quebrada pela sinceridade daquele que fala para a câmera: “Eu não era bosta nenhuma”.
Tudo começou quando Whindersson Nunes, auxiliar de garçom, resolveu fazer alguns vídeos com uma câmera emprestada e postar no Youtube. Ele tinha 17 para 18 anos, muito tempo ocioso e queria ficar conhecido. “Eu assistia muito a esse tipo de vídeo e então pensei: por que não gravar?”, relembra hoje o maior youtuber do Brasil – e segundo maior do mundo.
O primeiro vídeo a passar dos milhões de views foi “Vó, tô reprovado” – uma paródia da música “Vó, tô estourado”, de Israel Novaes. Whindersson, que toca cinco instrumentos, tem habilidade vocal dos anos que frequentou a igreja em Bom Jesus, a 635 quilômetros de Teresina, capital do Piauí. “Eu era tão pobre, tão pobre, que pra comprar uma passagem pra ir a Teresina, eu saía pedindo dinheiro nos comércios”, diz o youtuber no vídeo “Fiz dez milhões e olha no que deu” postado em julho de 2016 – naquele mês, o canal do piauiense atingiu a marca de 10 milhões de seguidores – para se ter uma ideia, seria algo como 140 estádios Maracanãs lotados. Hoje, o canal segue com a incrível marca de 16.315.608 inscritos (e contando!) – perdendo só para canais de astros como Justin Bieber e Rihanna, no mundo.
“Eu não vou mentir que não sonhei um dia em ser o maior”, diz o novo ídolo da internet em entrevista à Revestrés por email. “Já esperava, mas não imaginava que seria tão rápido”. Aos 21 anos, já visitou mais de 120 cidades e fez mais de 200 shows stand-up comedy Brasil a fora – Whindersson transformou as piadas vistas e compartilhadas por milhares de pessoas na internet, em sucesso de público nos teatros e casas de espetáculos.
Para quem não conhece, basta dar uma googlada para entender: Whindersson Nunes, assim mesmo, com H e dois S (“Eu já perguntei a minha mãe se foi sorteio ou uma aposta que ela perdeu”, diz em um dos vídeos em que explica seu próprio nome) desbancou canais como o Porta dos Fundos (12,7 milhões), que conta com equipes de produção, roteiristas e atores – contra um jovem, sozinho, num quarto de hotel, e sua câmera. Aos olhos dos especialistas, parece que Whindersson faz tudo ao contrário: não tem vinheta, tripé, iluminação, cenário, roteiro. É tudo orgânico e no improviso. “Eu faço tudo sozinho, até hoje”, responde. “Essa é a minha receita do sucesso”.
As temáticas são as mais variadas possíveis: Whindersson discorre sobre o vendedor de algodão doce que passava pela sua rua quando era criança, em tempos de campanha política no interior. “Eu procuro abordar coisas que aconteceram na minha infância, que por acaso aconteceram no Piauí”, comenta. “Evito abordar temas polêmicos, porque acho que perde o objetivo que é o entretenimento, não provocar discussões”. Além das paródias (“Qual é a senha do wifi”, sua versão do hit Hello, da inglesa Adele, contabiliza 45 milhões de visualizações) e imitações, os vídeos mais assistidos são aqueles sobre mães, filhos, relacionamentos e até críticas de filmes.
Youtubers, como são conhecidos os fenômenos que surgem com força incontrolável no mundo digital, são verdadeiros cronistas virtuais, em cores, som e movimento: eles tem o dom de fazer render qualquer tipo de assunto aparentemente irrelevante, abordando com clareza e um pouco de humor. No caso de Whindersson, a veia humorística está ainda no talento para imitações e composição de paródias.
Whindersson Nunes desbancou canais como o Porta dos Fundos, que conta com equipes de produção, roteiristas e atores – contra um jovem, sozinho, num quarto de hotel, e sua câmera.
Para comemorar a marca dos 10 milhões de inscritos em seu canal, atingida em julho do ano passado, Whindersson deu duas grandes festas – uma em Teresina, para imprensa, amigos e familiares; e outra em São Paulo, reunindo famosos do mundo da internet – se você tem mais de 30 anos, é provável que não reconheça nenhum dos convidados. “Eu nunca tive problema com o meio artístico, não tem essas coisas de ‘falsidade’ como dizem por aí, ao menos comigo”, diz o jovem do interior do Piauí que, de repente, virou amigo das celebridades e apareceu em todos os programas de entretenimento, de todos os canais: Luciano Huck disse que ficou conhecendo através dos seus filhos e virou fã; Neymar assiste a todos os vídeos e o convidou para uma pelada – fato que também virou assunto em seu canal.
“Eu lembro que dava 1 hora da manhã e ele lá, no computador. Eu mandando dormir porque tava só gastando energia, e ele dizia: ‘pai, eu ainda vou ganhar dinheiro com isso”, diz Hidelbrando Batista, pai de Whinderson, a uma equipe de TV na porta da super festa. O retorno financeiro veio, de fato, surpreendendo até o garoto. “Eu não sabia que aquilo dava dinheiro, eu só queria ficar conhecido”, disse à reportagem.
“Com o primeiro dinheiro do Youtube, aluguei uma casa? Não! Comprei um Playstation 3”, admite em um dos vídeos. No mesmo relato, conta que viveu seis meses de favor na casa de um amigo em Teresina. “Eu me lembro, meu pai no telefone perguntando ‘já comeu, meu filho?’, e eu dizia que sim, mentindo”.
Não demorou muito e Whin- dersson virou case de sucesso e propaganda até do próprio site Youtube. Com o cachê da primeira campanha publicitária que fez, comprou um carro importado. Postou a foto no Instagram e logo vieram as críticas que, diz, não o incomodam. “Os haters estão em todo lugar, eu procuro ignorar”, diz, sem papas na língua. “Mas cá para nós, é um carrão né?”.
Brincalhão, apressado e criativo, Whindersson parece concentrar todos os ingredientes para a receita do sucesso no mundo da internet – que pode ser tanto duradouro quanto imprevisível. “Não sei quanto tempo isso vai durar, pode ser que no futuro vocês me vejam nesses programas da Record que vão procurar ex-famosos, e eu vou estar vendendo coco na praia”, brinca com ele mesmo. Há dois anos rodando o país com seus shows de humor, o foco para 2017 está no sonho de fazer cinema – mas, diz, evita pensar no futuro. “Eu prefiro aproveitar meu momento e seguir em frente”. Nem que “em frente” seja apenas o próximo vídeo carregado no computador ou na tela de um celular. “Eu sigo e vejo tudo o que a internet produz”, afirma. “Preciso estar atento a tudo”.
(Matéria publicada na Revestrés#29 – Fevereiro/Março 2017)