Os registros de mais de dois mil anos de história da civilização se encontram de diferentes formas no acervo do Museu Dom Avelar, em Teresina. Um lugar que provoca um retorno no tempo e nos transporta a diversos lugares do globo, com arte popular de países como Austrália, Japão, China, Itália e Índia. 

Os artefatos que despertam o interesse de arqueólogos, biólogos, historiadores e a curiosidade dos visitantes, permitem a aproximação entre beleza e conhecimento. As mais de 20 mil peças organizadas no acervo causam a inquietação de saber como tudo veio parar no Piauí. 

Museu Dom Avelar: acompanhado pelo IPHAN e projetado para a melhor exposição das peças. | Foto: André Gonçalves

Para entender essa história é preciso voltar a 1989. O bairro Cristo Rei, localizado na zona sul da capital, foi uma região que recebeu o apoio da diocese de Teresina para se constituir. No ano de 1989 ganhou a Fundação Cultural Cristo Rei (FCCR). O local foi criado pelo jesuíta italiano Pedro Biondan Maione e pela piauiense Lygia de Souza Martins, com a missão de servir de espaço para que a comunidade pudesse ter acesso a formação social, cultural e espiritual. 

Lygia Martins trabalhava pela comunidade do Cristo Rei por orientação do Dom Avelar Brandão Vilela, arcebispo na época. Ela conta que, quando buscou por um pároco na diocese, foi informada que há pouco menos de uma semana Teresina havia recebido um jesuíta italiano que poderia servir no bairro. “Quando o padre Pedro chegou ele só sabia dizer obrigada em português, nada mais. Mas fez a primeira missa e todo mundo adorou”, resgata da memória, a aposentada de 93 anos, sobre o primeiro contato do pároco com o bairro. 

A missão do Padre ao chegar em Teresina era a de evangelizar, mas ao conhecer a vida das pessoas da região observou que, muito além da palavra bíblica, eles precisavam de formação educacional e cultural. “O povo do Cristo Rei era carente de tudo. Mas o que pensávamos eles estavam dispostos a ajudar”, conta Lygia, que atuou como a primeira coordenadora da fundação e foi precursora de todas as atividades do primeiro Centro de Cultura do bairro, o Amoipirá, nos anos 1970. Nesse espaço eram oferecidos cursos de teatro, idiomas, fotografia e música para jovens e crianças. Anos depois, a FCCR congregou todas as atividades do centro cultural. 

Mais de 20 mil peças de diferentes lugares do mundo | Foto: André Gonçalves

Desde a criação da fundação o sonho de fazer um museu passou pela cabeça do padre Pedro. A comunidade passou a procurar objetos que pudessem integrar o acervo. “Chegavam as mulheres com a pedrinha amarrada no xale. Chegava pedra de todo jeito aqui”, ri Lygia Martins, contando como surgiram os primeiros objetos designados para o Museu. “O padre Pedro, vendo aquele interesse todo, disse que tinha um acervo muito grande de moedas, selos e minérios na Itália e mandou buscar”, relata Lygia. 

Com a chegada dos objetos, o museu começava a tomar forma e ter novidades. Muitas delas adquiridas nas viagens do pároco pelo mundo. “O padre era um homem de formação riquíssima. Criado na Europa teve acesso a muita cultura, conheceu muitos países na sua missão de evangelizar. Então, muitos amigos lhe davam objetos que hoje fazem parte do museu”, conta Mônica Mendes, atual diretora do Museu, enquanto apresenta o local. 

As doações vieram de muitos lugares, como peças do artesanato chinês, arte sacra das igrejas europeias, pinturas feitas à mão em folhas de árvores da Índia e objetos de guerra da Austrália. 

 

Reinauguração do Museu Dom Avelar  

O prédio que hoje abriga o acervo foi construído com doações de familiares e amigos do padre e com o esforço da comunidade. A primeira inauguração foi em 1990 e o prédio funcionou por muitos anos como espaço de formação, com os cursos que já eram ofertados no Amoipirá. Com recursos escassos, passou um tempo fechado. 

Sala de numismática: 2.700 moedas em exposição, de diferentes nacionalidades, dentre as 14 mil moedas do acervo. | Foto: André Gonçalves.

Em 2019 o prédio foi reinaugurado: a fundação foi escolhida pelo IPHAN (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional) para receber uma restauração em função do Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) firmado entre o órgão e a empresa Queiroz Galvão Energia, que em 2017 realizou escavações para a instalação do Complexo Eólico Caldeirão Grande, atingindo negativamente um local com artefatos históricos. 

Com a reforma, a FCCR recebeu novos espaços como reserva técnica, laboratório, biblioteca, lanchonete e reestruturação dos espaços já existentes. Parte do material encontrado na escavação de Caldeirão, hoje, faz parte do setor de arqueologia do Museu Dom Avelar. Peças como pedaços de azulejo e talheres da época do Brasil colonial, que se encontram junto ao acervo de animais fossilizados e vestígios encontrados de escavações no Piauí. Além desses, o espaço também conta com peças de zoologia e mineralogia. 

Pedaços de utensílios encontrados em escavações no Piauí. | Foto: André Gonçalves

A museóloga responsável por inventariar todo o acervo, Mariana Conalgo, fala que no Museu existe um universo de pesquisa muito rico para diversas áreas como biologia, geografia, história e arqueologia. “Aqui tem muita pesquisa para complementar as fichas com informações. Essa parte ficava toda com padre Pedro. Era ele que mexia no acervo, que fazia as pesquisas”, conta sobre o material que inventariou. 

Ele, que tinha apreço à numismática, destinou sua coleção de 14 mil moedas para o acervo. A sala de numismática contém 2.700 moedas em exposição, de diferentes nacionalidades, formas e valores históricos. Todas só não foram expostas por falta de mais espaço. 

Assim como a numismática, o setor de Conquiologia, com conchas de diferentes partes dos oceanos Atlântico, Índico e Pacífico, chama atenção. O acervo tem amostras do Pacífico, da Índia, da Austrália e algumas peças do litoral nordestino. 

“Tem muito material para ser estudado”, apresenta Mariana, carioca que reside no Piauí e já trabalha com museus há 14 anos. Ela destaca que, pela abundância de peças do acervo, teve que criar um circuito de visitação onde os objetos de maior familiaridade ficassem próximos. “Antes era tudo misturado, tinha muitos objetos no chão e eu disse que não dava pra expor tudo, vou colocar tudo que eu puder, mas preciso de uma organização”, conta, rindo dos pedidos para não esquecer objetos importantes como a coleção de selos e discos que ainda falta ser catalogada e organizada. O pároco, que atualmente serve na casa de Saúde da Companhia de Jesus, em Fortaleza, acompanha o trabalho da Fundação sempre que vem ao Piauí e com notícias pelo telefone. 

A museóloga, que foi contratada pelo IPHAN para a reforma, hoje é voluntária da Fundação, assim como a atual diretora e o arqueólogo que contribui com o laboratório de arqueologia e mineralogia. A FCCR é mantida com o voluntariado e um apoiador anônimo, amigo do padre, que financia o projeto de reforço escolar no local para as crianças do bairro. O projeto possui duas professoras e a Fundação duas colaboradoras. O valor arrecadado na visitação do local também custeia algumas despesas. 

As dificuldades de tocar a FCCR são relatadas pela diretora como uma adversidade que já é corriqueira nos projetos culturais do Piauí. Ela comenta que, conversando com o amigo do projeto e humorista João Cláudio Moreno, ele disse: “Trabalhar com cultura no Piauí é difícil, em Teresina é difícil e no bairro Cristo Rei é mais difícil ainda”, fala aos risos, ressaltando que para ela o desejo do Padre e de Lygia é maior que qualquer desafio. O Museu Dom Avelar pode ser uma prova do sonho que se sonha junto se torna realidade. 

Endereço 

Rua Poeta Domingos Fonseca,  1310 – Cristo Rei, Teresina-PI 

VISITAÇÃO 

Segunda a sexta, de 9h às 17h, 

e aos sábados, de 9h às 12h. 

Taxa 

R$ 4,00 (inteira) 

R$ 2,00 (meia).

Publicado em Revestrés#45, que pode ser baixada ou lida gratuitamente
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