Era começo dos anos 1990. No hall do Rio Poty Hotel, passava uma loira de olhos claros, com cerca de 40 anos, rumo a uma reunião. Logo ali, no bar, estava sentado um senhor de terno preto, chapéu preto, bebendo entre amigos. Um colega que acompanhava a mulher lhe pergunta: “Você conhece Waldick Soriano?”, ao que ela responde sim. O cantor escuta a conversa, levanta a aba do chapéu e interrompe: “De onde?”. “Na verdade, quem conhecia muito você era meu pai, o engenheiro Leonísio Medrado”, responde Marinês Medrado. O encontro daria início a um relacionamento de 17 anos.

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Corta para 2016. Visitamos Marinês Medrado, em Timon, no Maranhão. A casa fica no fim de uma rua sem saída, juntamente com outras três casas dispostas ao redor de uma pequena praça circular. Ela nos recebe sorridente e bem arrumada. “Desculpem, eu acabei de chegar”, diz modesta. Naquela tarde quente, ela nos serve suco de cajá e, no terraço, abre o coração e as cartas que Waldick lhe mandava.

Entra e, logo em seguida, volta com vários papeis e lê: “Vinte e sete de julho de mil novecentos e noventa e um. Minha doce Marinês”, diz soltando um “ai”, como quem quer conter as lágrimas. “Eu te amo tanto que já perdi o controle das minhas emoções. Não tenho forças para conter o medo de te perder”, para e chora.
Recompõe-se e continua: “Sei que é o fim para mim, o fim de uma história de amor tão bonita. Eu a perdoarei por não me querer mais. Vou te amar por toda a minha vida por este mundo afora. Morrerei, mas não te esquecerei. Eternamente teu, Waldick Soriano”, que tendo estudado até a quarta série do fundamental pedia para que alguém, às vezes, escrevesse as cartas enquanto ele ditava.

Pega um pedaço menor de papel e continua: “Aqui são os bilhetinhos: pelo amor de Deus, pense em mim, que estarei sempre pensando em você. Te amo. Nove de outubro de mil novecentos e noventa e um”. Encontra mais um recado: “Marinês, eu preciso de você como a rosa precisa do orvalho. Você é o ar que eu respiro constantemente. Nunca poderei te esquecer. Seu esposo, Waldick Soriano”, relata emocionada.
Aos 63 anos, ela conta quando o viu pela primeira vez ao passar férias com a família, aos 14 anos, em Bacabal, no Maranhão. O reencontro só se deu quando o músico brega veio a Teresina fazer show na Expoapi, já nos anos 1990. Ao longo de todo o relacionamento moraram em Timon, Fortaleza e Recife, mas sempre viajavam para cumprir seus respectivos compromissos de trabalho. “Ele odeia (fala com ênfase) fazer conexão e demorar em aeroporto”, fala de Waldick como se ainda estivesse vivo.

Marinês Medrado é cerimonialista, graduou-se em Educação Física e Relações Públicas, especializou-se no Rio de Janeiro e dirigiu, por mais de 10 anos, a Escola de Dança do Estado do Piauí. Waldick Soriano foi lavrador, garimpeiro e engraxate antes de seguir a carreira musical e perdeu os pais ainda jovem. As vidas pareciam completamente diferentes, mas os destinos resolveram se cruzar. “Waldick era o meu avesso. Mas foi indo, foi indo…Quando percebi, estava envolvida”.
Não aceita cantar, mas declama as músicas do amado. “Eu gosto daquela assim ‘A saudade que você deixou aqui é demais’. Ele fez dedicado a mim e me marcou muito”, diz emocionada e pede desculpas. Continua: “Dói meu corpo, dói minha alma, me dói tudo. Acabou a minha paz”. Pergunto se foram as músicas que a conquistaram. “Eu acho que sim, mas também tem outro lado. O que me fez realmente gostar do Waldick foi a maneira como ele tratava seu semelhante. Ele fazia tudo para ajudar as pessoas”.

“Eu não sou cachorro, não”

Paixão e saudade eram os principais temas da música de Waldick Soriano. As canções “A Dama de Vermelho” e “Se Eu Morresse Amanhã” foram algumas das mais conhecidas, mas seu maior sucesso foi “Eu não sou cachorro, não”. No extinto jornal O Estado foi publicada uma charge datada de março de 1992, em que apareciam ilustrados Waldick Soriano e Marinês Medrado, na qual o músico dizia: “Eu não sou cachorro não”, ao que ela responde “É, e dos vira-latas”. “Todo mundo o chamava de analfabeto, de brega, mas escrevia letras belíssimas”, comenta Medrado.

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O documentário Waldick, Sempre no Meu Coração (2007), dirigido por Patrícia Pillar, mostra a jornada do cantor, desde sua saída da cidade natal Caetité, na Bahia, até o estrelato em São Paulo, como ícone da música brega. “Em 45 minutos, eu conheci do Waldick o que não conheci em 17 anos. Aparecem todas aquelas mulheres, eu não sabia daquilo ali”, diz Marinês sobre o documentário, no qual também aparece. O filme revela os filhos do cantor em várias cidades do país. “Waldick tem filho espalhado nesse Brasil inteiro. Eu não sei dizer quantos”, conta.
A diferença de idade entre o casal era de 20 anos e o romance tinha de tudo: declarações de amor, viagens e extremo ciúme. Enquanto folheava cartas, fotos e artigos de jornal, aparecem matérias que dizem Waldick é denunciado por tentar matar sua mulher, Waldick ameaça amante de morte, Waldick denunciado. “Doidice, nunca houve isso”, explica ela folheando os jornais. “Saiu na Folha de São Paulo, O Globo, televisão…Tive que participar de muito programa pra explicar que não houve isso”.

Em 1992, ao declarar que não queria mais ficar com o cantor, ele foi até sua casa pela madrugada e a ameaçou. “Ele quebrou o portão e disse que ia me matar porque não admitia me perder”, conta. “Ele não tentou me matar, ele não tentou me bater, simplesmente meu irmão pensou que ele fosse mesmo fazer isso e chamou a polícia. Eu tinha um bocado de medo porque ele sempre dizia: ‘nem eu, nem ninguém’”, revela sobre o caso que não os separou, pelo contrário, reconciliaram-se em seguida. Autor da canção “Depois de você mais ninguém”, Waldick Soriano a compôs dedicando-a a Marinês. “Hoje eu digo, depois dele, mais ninguém”.

Diagnosticado com câncer de próstata, que o levou ao óbito em 2008, aos 75 anos, Waldick Soriano foi para a casa de um dos filhos no Rio de Janeiro para fazer tratamento antes de falecer. “Eu fui fazer um trabalho em Simplício Mendes e quando sentei para tomar café vi anunciarem a morte do Waldick. Olhei para a televisão e nem acreditei. Só que eles tinham me ligado a noite toda e eu estava viajando. Até que consegui ligar para o Rio de Janeiro”, conta Marinês, que fez uma visita posterior e, apesar de já estarem separados nos últimos meses, mantinham a amizade. “Hoje resta a saudade e muita saudade. Nossa, lembro dele todos os dias. Ele, pra mim, é inesquecível”.

(Matéria publicada na Revestrés#24 – Março/Abril 2016)