Os vinis cuidadosamente alinhados sobre o móvel da sala-de-estar. Longe de ser mero adorno, essa decoração, interativa a não mais poder, revelava aos olhos do forasteiro como se dava a conexão dos lares brasileiros com mundo: pela música. Essa imagem ressurge nas lembranças do escritor e jornalista francês Jean-Paul Delfino entre as que marcaram a sua chegada ao Brasil em 1986. “Percebi que a cultura no Brasil passava via democratização da música, com aquelas coleções de vinis absolutamente fabulosas”, relembra o escritor. Se não havia no país uma democratização da leitura – a exemplo da França e seus habituais livros de bolso que facilitam o acesso à leitura –, havia a democratização do disco, do ato de ouvir música”, compara.
No início, era a Bossa Nova. Atiçada por entrevistas feitas aos músicos Claude Nougaro, Georges Moustaki ou Pierre Barouh – autores de versões francesas de “hinos” como Samba da Benção (Samba Saravah) ou Águas de Março (Eaux de Mars) – a curiosidade do foca de vinte anos incompletos o fez atravessar o Atlântico para saber mais sobre as origens daqueles acordes desafinados. Desembarca num Rio em pleno processo de abertura politica e lança, em 1988, “Brasil Bossa Nova”, que seria o primeiro livro a ser publicado na Europa sobre o ritmo da rapaziada de Copacabana. Não parou aí: três décadas depois, o saldo desse enlace – de atualizações constantes nas idas e vindas entre Rio de Janeiro e Aix-en-Provence, onde mora – se traduz por mais três livros sobre a música brasileira. O mais recente, “Bossa Nova – la grande aventure du Brésil”, traz entrevistas inéditas, relidas por um autor hoje à vontade com a história da formação e desenvolvimento do país. O livro passa a palavra a Nara Leão, Maria Bethânia, Gilberto Gil, Caetano Veloso, Affonso Romano de Sant’Anna e segue…. O grande ausente, por sua timidez incorrigível, é o avesso João Gilberto. Delfino conta que conseguiu, porém, o feito de entrevistar o “pai da Bossa Nova”. Mas ao final da conversa veio o pedido: que nunca publicasse a entrevista. Promessa feita. Promessa cumprida.
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