No município de Capitão de Campos, a 134 km de Teresina, um apaixonado por desbravar as riquezas do Piauí trava uma luta pela preservação de um sítio arqueológico pouco conhecido e estudado. Eudemir Ribeiro trabalha pela conservação da Pedra do Letreiro, local com acervo de grafismos, pinturas rupestres e formações rochosas.

Pesquisador autodidata, ele começou sua jornada com a Pedra do Letreiro em 1986. Antes de conhecer a localidade, a 25 km do centro do município, apenas tinha visto sítios arqueológicos por meio de fotografias do Parque Nacional de Sete Cidades, entre Brasileira e Piracuruca, a cerca de 180 km de Teresina. Foi quando um amigo informou que, próximo à Capitão de Campos, era possível encontrar pinturas rupestres semelhantes à que ele admirava. “Foi o pai de um amigo meu que disse: ‘rapaz, se vocês quiserem ver esse mesmo tipo de coisa, tem bem aqui, no Letreiro no riacho do Jacu”, conta, sobre o momento em que veio a curiosidade de ir conferir aquela informação. A região fica próxima ao  riacho do Jacu – nome de um pássaro hoje em extinção, devido à caça ilegal.

No local, Eudemir encontrou, além de pinturas, grafismos geométricos, pedras e grande biodiversidade de plantas e animais. A missão da vida dele, desse dia em diante, passou a ser cuidar do local. Junto com outros amigos fundou organizações não governamentais como o Centro Ecológico Pedra do Letreiro – Cepel, que tem como propósito trabalhar pela preservação e conservação do local e captar recursos para sua manutenção. Também foram criadas ONGs com integrantes das cidades de Piripiri, Lagoa Alegre, Capitão de Campos e Teresina.

“Eu gosto muito de natureza. Quando conheci o Letreiro me surpreendi, porque não conhecia pinturas rupestres ao vivo. Quando vi as primeiras, me veio aquele interesse de pesquisar e procurar mais localidades onde pudesse encontrar mais dessas pinturas”. Mesmo sem conhecimento acadêmico e técnico, Eudemir pesquisa sobre sítios arqueológicos e biodiversidade. Ele tem desbravado lugares onde acredita encontrar vestígios de antepassados que já viveram no Piauí. “Na nossa região existem muitos sítios que faltam ser pesquisados. Temos pinturas rupestres da cor vermelha, amarela,  azul e  preta (a cor mais comum em pinturas rupestres é a vermelha). Tem uma região, que eu chamo de Alegre, que é uma área muito grande e boa de pesquisar. Mas é aquele negócio, falta fazer as pesquisas para confirmar”, diz.

Quando conheci a Pedra do Letreiro me surpreendi, porque não conhecia pinturas rupestres ao vivo” – Eudemir Ribeiro.

Embora a Pedra do Letreiro esteja inserida no Cadastro Nacional de Sítios Arqueológicos do Iphan – Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional – desde 1986, pouco é feito pela região, no sentido de  pesquisas, preservação e manutenção. Eudemir reclama de burocracias e desinteresse do poder público.

A filha de Eudemir, Ana Suzane, professora de Artes e de Ensino Religioso no ensino médio, o acompanha nas expedições em busca de sítios arqueológicos. Ela conta que arqueólogos do Iphan de Teresina já estiveram fazendo levantamentos no local. “A arqueóloga Fátima Luz deixou escrito que o sítio era propício para escavações, mas elas nunca foram realizadas”, lamenta, reforçando a pouca importância que a região tem obtido. “O patrimônio histórico é um legado cultural para as próximas gerações, conhecer o passado é importante para se reconhecer no futuro”, argumenta Suzane, que é responsável pela produção de textos e fotografias dos trabalhos do pai.

A região do Letreiro possui sete sítios arqueológicos cadastrados: a Pedra do Letreiro, 3, 4, 5; Pedra do Capitão, 1 e 2; Casa de Pedra e o Abrigo Poço d’água. Todos esses lugares foram encontrados por moradores locais, como Eudemir, e a conservação tem sido feita por eles também. Por parte do Iphan há  somente uma placa, que se encontra deteriorada pela ação de caçadores que a usam para tiro ao alvo. “O acesso é muito difícil. Talvez por isso ainda não tenha sido depredado. Mesmo assim, já encontramos lixo, latas de cerveja”, diz Ana Suzane.

A professora defende que o local tem potencial turístico e merece olhar mais atento dos poderes públicos. “É muito interessante você chegar num lugar como esse, ver como os homens primitivos viveram, né?”, diz.

Eudemir é quem tem feito o trabalho de preservação, com a plantação de árvores para reflorestamento. “Nós já iniciamos diálogos com a secretaria de Meio Ambiente do município, mas nunca foi colocado nada em ação”, diz. Em conversa por telefone com o secretário de Meio Ambiente do município, Ellvys Eduardo, obtivemos a informação que faz parte dos planos da secretaria estimular o turismo no local. Apesar da região do Letreiro não ter um projeto para construção de parque ecológico ou sítio arqueológico com as devidas orientações técnicas, o secretário afirmou que a prefeitura pretende estruturar a estrada e fazer “um hotelzinho” na cachoeira da Saquarema, que também fica no município, e estimular o turismo em toda a região.

O secretário acredita que as pessoas estão mais conscientes com as questões do meio ambiente. “Essa secretaria foi criada em dezembro, quase ninguém batia na tecla de jogar lixo em locais indevidos, como no Letreiro, e também a questão do desmatamento. Agora a gente tá orientando, tentando até multar quem faz isso. Daqui pra frente acho que vai ser diferente, com a conscientização do povo”, rebate as críticas relacionadas ao trabalho da secretaria.

Escavações acadêmicas

Quem hoje busca informações sobre o Sítio do Letreiro são estudantes das universidades. Roniel Araújo, mestrando em Arqueologia da Universidade Federal do Piauí (Ufpi), desenvolve pesquisas sobre sítios arqueológicos e pinturas rupestres. Ele conheceu a Pedra do Letreiro na graduação de História na Universidade Estadual do Piauí (Uespi), através de Eudemir. “Eu analisei o sítio, identifiquei os principais problemas de destruição das pinturas rupestres e foi, a partir da Pedra do Letreiro, que ampliei meu olhar e criei um projeto de pesquisa para o mestrado, na perspectiva de ampliar a atenção para o território dos Carnaubais”, disse. Hoje o pesquisador analisa pinturas rupestres e a conservação de sítios em Capitão de Campos, Cocal de Telha, Jatobá, Campo Maior e Nossa Senhora de Nazaré.

Em Capitão de Campos, ele detectou, além dos sítios arqueológicos, o Casarão de Dona Alemã (edificação histórica que representa a arquitetura rural piauiense do século 19) e sítios pré-históricos de arte rupestre, distribuídos na área rural. “No Sítio do Letreiro, podemos identificar várias pedras e rochas diferentes, classificando assim em Letreiro 1, 2, 3, 4 e 5.” Segundo ele, quem vai ao riacho do Jacu se depara com pedras e blocos que podem indicar a passagem de antepassados. “Eles podem ter vivido ou passado por lá, são respostas que ainda não temos, porque não temos resultados eficazes de pesquisas mais avançadas”, lamenta.

As pinturas podem ser enquadradas na tradição geométrica, entendida como a última fase produzida por sociedades pré-coloniais.

Para além das pesquisas, um dos grandes desafios é a preservação. “É manter o vestígio ali, pelo menos, com uma vida em médio prazo, já que, no longo prazo a gente depende das políticas públicas de preservação, de um trabalho de conservação”, disse o pesquisador, pontuando que é importante envolver a comunidade nesse trabalho. Ele frisa que existe uma série de fatores que ocasionam a destruição de um sítio, desde naturais a antrópicos, até ações intencionais, sendo a maioria deles as ações feitas pelo ser humano. “Nossa história é apagada. Esses vestígios que estão aí são arte rupestre expressa nos paredões. Elas contam a vida, a história, a simbologia, a conjuntura de uma sociedade que passou ou viveu nesse local há muito tempo”.

A predominância das formações rochosas no local é de arenito, comum na região do território da Serra da Ibiapaba, que desce no corredor do Piauí, no sentido norte a sul. Já as pinturas podem ser enquadradas na tradição geométrica, entendida como a última fase produzida por sociedades pré-coloniais. “Essas são manifestações não figurativas, mas geometrizadas. Você olha e vê um círculo, uma grade, uma seta”, disse Roniel, explicando que pinturas figurativas são como as da Serra da Capivara, em São Raimundo Nonato, onde se vê desenhos de representações de pessoas e situações do cotidiano.

Aos 64 anos, Eudemir vislumbra ver o Parque Pedra do Letreiro ser criado definitivamente. Hoje ele faz visitas guiadas com pessoas que chegam à sua residência querendo conhecer o local. “Eu fico muito feliz quando as pessoas vêm procurar meu pai pra conhecer o Letreiro. É um orgulho, ele tem esse vigor, ama a cidade, a história”, diz Ana Suzane.

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Publicado em Revestrés#49.

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