Atenção, pessoal: nós vamos mudar. Estamos de malas prontas para ir morar longe, bem longe, mais precisamente a 384.405 km daqui. Cartas e correspondências agora devem ser endereçadas a nosso novo endereço na Via Láctea. Cansada de admirá-la à distância, a Revestrés apostou na especulação imobiliária da Lua. Compramos nosso lote, fincamos nossa bandeirinha em uma cratera e estamos planejando nossa nova sede, com visão privilegiada para a Terra. E não tem falta de atmosfera que nos faça desistir.  

Ilustração: Dereck

Foi depois dessa empreitada que decidimos ir, literalmente, atrás dela: a deusa dos casais, a inspiração dos poetas, a musa dos astrônomos, a razão do lobisomem, a casa de São Jorge e seu dragão. São muitos os mitos, curiosidades e as crenças relacionadas a esse imenso e brilhante satélite no céu. Mas, despindo-nos de todo o romantismo, podemos dizer que a Lua é nada mais que uma enorme esfera de pedra. Uma rocha colossal, com o diâmetro aproximado de 3.476 km, que, apesar da extensão, é bem pequena se comparada à Terra (cujo diâmetro chega a 12.756 km). 

Contudo, não é de tamanho que estamos falando. Pequena ou grande, ela cabe direitinho no imaginário popular, desde a infância: as cantigas de roda, as histórias que os mais velhos contavam, e por que não dizer o luar do sertão no interior? Na escola, quem não gostava da aula de Ciências quando o assunto era a Lua? Quem não sonhou em ser astronauta para um dia, como Neil Armstrong, nela pisar? Envolta em tantos mistérios e aparentemente inalcançável, é nela que muitos artistas, em alguma época, foram buscar sonhos e inspiração.  

O que dizer, por exemplo, de Fly me to the moon, sucesso na voz de Frank Sinatra nos anos 1960 e incansavelmente regravada por intérpretes do mundo todo até os dias de hoje? Para trazer um exemplo mais pro Hemisfério Sul, em 1975 A Lua e eu, do cantor Cassiano, estava nas paradas de sucesso de todas as rádios. Nos anos 80, é a vez de Caetano Veloso, com a sua Lua e Estrela, que associava o brilho da Lua à saudade de alguém e Shy Moon, uma canção para a Lua tímida. Um personagem de novela fez o ator Marcos Frota encantar o Brasil em 1993, com seu comportamento meio fora dos parâmetros da normalidade. Chamava-se Tonho “da Lua”. Na mesma década Renato Russo cantava para sua legião de fãs como é triste uma noite sem luar. Em 2006, Arnaldo Antunes lança seu poema-declaração para a Lua Vermelha: “toda sertaneja, eu sempre te quis”. 

“Sendo o mais brilhante objeto do céu noturno, seria difícil que a Lua não despertasse fascínio”, discorre, com toda a frieza necessária a um cientista, Luiz Felippe Rodrigues, Doutor em Astronomia pelo Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas da Universidade de São Paulo. “O céu noturno, com sua aparência inacessível, sua delicada beleza e suas misteriosas regularidades é alimento rico para a curiosidade e imaginação, de maneira que não é surpreendente a existência de uma rica produção associada a ele”, opina o especialista.  

Para o homem da ciência, no entanto, não é a inspiração poética o que mais lhe impressiona. “O que mais me chama atenção em relação à Lua é o quanto podemos aprender sobre a história de formação da Terra e do Sistema Solar através de seu estudo”. Apesar da proporção e de todo o deslumbre construído em torno da Lua, para ele, é ela – e toda a poluição luminosa que arruína o céu das cidades – que encobre outros brilhos e belezas noturnas. “Só na ausência da Lua que se pode ver o enorme número de estrelas de menor brilho que de outra maneira estariam ocultas. É nesse momento que me vem a poderosa e perturbadora lembrança de que só estou olhando para uma pequena fração da Via Láctea, e que ela é só uma galáxia dentre bilhões”. 

 

 

Ilustração: Dereck

 

“Eu vivo no mundo da Lua” 

Desde criança Yolanda ouvia a mãe cantar “Lua, luar, vem buscar essa menina pra acabar de criar”. Encantada, observava o céu a imaginar mil coisas que aconteceriam se ela fosse, de fato, criada pela Lua. “Eu já era artista ali, mas ainda não sabia”, avalia hoje a artista plástica e gravadora Yolanda Carvalho. No ano passado, um de seus trabalhos foi contemplado pelo projeto Amazônia das Artes, e ela e sua exposição viajaram por sete cidades da região. E era sobre a Lua que falavam. 

Luas são nove gravuras voltadas para as fases da Lua, mas na verdade a totalidade vem do simbolismo do círculo, da plenitude, um elo, um ciclo”, diz a artista. “A Lua sempre esteve presente na minha vida, por ter essa conotação feminina, e pela sua ternura. Ela não agride, ela é suave, e a luz que vem dela não pertence a ela, na verdade é o sol. Quer dizer: masculino e feminino juntos que projetam outra coisa”.  

Para Yolanda, o desejo artístico de representar a Lua vem da sua grandiosidade, do fascínio e do mistério que a rodeia. “Por mais que um poeta ou artista reverencie a Lua através do seu processo artístico de inspiração, nunca ninguém vai atingir e chegar a falar tudo que ela representa para os seres humanos. E as vezes você nem precisa falar. Você só olha e sente”, afirma.  

Yolanda já está trabalhando em sua próxima exposição, também de gravuras, que se chamará Xamã, nome do chefe de uma tribo indígena, tema pelo qual se apaixonou após um passeio pelo Rio Madeira, em Porto Velho. Novamente, as luas aparecerão. Enquanto desenha protótipos e cria o projeto da nova exposição prevista para 2015, Yolanda vai para um lugar onde tem costume de ficar por horas. “Tem momentos que me sinto a quilômetros de distância. Estou pensando, construindo uma imagem, um pensamento bem particular. Eu vivo no mundo da Lua”. 

 

“Teresina tambémtem luar” 

 Na contracapa do primeiro número da revista Pulsar está uma imagem espacial da Terra vista da Lua. O poeta Paulo Machado, que pertenceu ao corpo editorial da publicação, mostra a foto tentando esclarecer a intenção: “Aqui foi um tentativa de inversão do referencial”.  

Mostrar um contraponto sempre foi a intenção de quem quer provocar uma reflexão, por qualquer que seja. Foi assim também quando, em 1999, Paulo escreveu o poema concreto Lua Rua, um trabalho conceitual que apresenta, graficamente, características do quadrilátero original da planta desenvolvida para Teresina no século XIX. Paulo levantou informações históricas e culturais relacionadas à contribuição dos escravos negros ladinos à construção da nova cidade. “Esses escravos trouxeram para cá, além de sua força de trabalho, sua bagagem invisível: sua cultura imaterial. Trabalhavam no período do dia para construir a cidade, pois não havia ainda iluminação elétrica, e restava a noite para as atividades de cultura. E a fonte de iluminação era a Lua”.  

Para Paulo, criou-se um imagético de que Teresina é a terra do Sol. “E eu fiz esse contraponto mostrando que Teresina também tem luar”. No poema, Paulo usa a planta original da cidade de Teresina e substitui as quadras desenhadas por palavras: rua e lua, dois substantivos concretos e comuns aparecem sete vezes em uma matriz com o mesmo número de colunas e linhas, numa preocupação gráfica, estética, visual e poética. 

Sete são o número de linhas, ruas, luas, são sete os dias da semana (que correspondem ao período de cada fase lunar), e foi também o número de fotógrafos escolhidos para a exposição “Luar de Teresina”, coordenado por Paulo Machado e a Pró-Reitoria de Extensão da Universidade Federal do Piauí. Convidados, os fotógrafos representaram o movimento lunar pelas lentes de suas câmeras, com tomadas específicas de cada esquina em intervalos temporais definidos. O resultado foi exposto em 16 de agosto de 2007, aniversário da cidade, no adro da Igreja São Benedito.  

Antônio Amaral, artista plástico, foi também um dos responsáveis pela escolha da imagem na contracapa de Pulsar. Pertencente ao grupo de editores da revista, era ele quem conduzia sua diagramação, e continuou levando a Lua, mesmo que inconscientemente, em algumas de suas produções. “Talvez tenha se manifestado algum ancestral mais remoto, de nossas raízes matriarcais por quem clama nosso sangue nativo”, diz ele sobre as HQs “O pintor” e “Caramujo Blue”, publicadas no blog orbitalseguinte.blogspot.com.br e com pequenas participações da Lua (“agora que a lua / já foi dormir/ devolve ao sol / toda luz que é dela”, diz um dos quadrinhos). “Minha expressão é uma relação de encontros e descobertas, uma resposta a sentidos distintos. Assim como o Sol. A Lua se compara ao olho. Um recurso emblemático da cultura nativa, uma das poucas que compartilha em pé de igualdade com a natureza sem subjugá-la”, explica Amaral. “São exemplos, antídotos contra o acúmulo, o consumo e barbárie. Nada mais oportuno para nossa diluída contemporaneidade. O olho que zela”. 

 

Ilustração: Dereck

 

Luar no sertão 

Em uma noite de lua cheia do mês de agosto de 1983, e mais de mil pessoas acampavam no meio do sertão para contemplar o céu. Era um ritual de religiosidade e interação com a natureza, batizado de “Festa do Lajeiro”, por acontecer próximo ao lajeiro de um riacho a 22 km da cidade de Monsenhor Gil, centro norte piauiense. Mas ficou mesmo conhecido foi como “a caminhada da Lua”. 

Quem organizava era o médico Antônio de Noronha Filho, à época prefeito da cidade, apaixonado por ecologia e pelo luar nordestino. “É uma das coisas mais lindas que existe”, admira-se. O evento aconteceu por uma década, como parte do calendário de atrações da cidade. Noronha não está mais na organização,  mas segue contemplando e acreditando em todos os fenômenos e influências creditados à Lua. “Acredito na influência dela em nossas vidas. Se a Lua tem atração pela água, provocando o surgimento das marés, como não terá sobre nós que somos feitos quase totalmente de água? Quando analisamos o caso do mar estamos pensando no macro, que é mais fácil de ser percebido, mas também acontece no micro e nós não notamos”, acredita. 

 

* * 

Clair de Lune 

Claude Debussy foi um dos nomes mais importantes da música francesa. Ele nasceu em 1862 na cidade de Saint-Germain-enLaye e teria completado 151 anos no último mês de agosto. A mais conhecida obra de Debussy acabou se tornando um som familiar para os amantes do cinema e até mesmo das novelas. Clair de Lune foi a trilha sonora de diversos longas-metragens, sendo um dos mais recentes a saga Crepúsculo. No Brasil, Clair de Lune também está presente na TV aberta, como uma das canções da trilha da novela Amor à Vida, da TV Globo. Na trama de Walcyr Carrasco, a obra do compositor francês era tocada nas cenas da personagem Nicole (interpretada pela atriz Marina Ruy Barbosa). Além da dramaturgia, Clair de Lune também foi muito utilizada na publicidade. Um dos comerciais mais famosos do perfume Chanel nº 5, estrelado pela atriz Nicole Kidman e pelo brasileiro Rodrigo Santoro, teve a canção como trilha sonora.     

Não jures pela Lua 

Um dos diálogos de Romeu e Julieta, talvez a obra mais famosa de Shakespeare, é justamente sobre a inconstância da Lua que discute o casal apaixonado: 

Julieta – (…) Belo Montecchio, é certo: estou perdida, louca de amor; daí poder pensares que meu procedimento é assaz leviano; mas podeis crer-me, cavalheiro, que hei de mais fiel mostrar-me do que quantas têm bastante astúcia para serem cautas. Poderia ter sido mais prudente, preciso confessá-lo, se não fosse teres ouvido sem que eu percebesse, minha veraz paixão. Assim, perdoa-me, não imputando à leviandade, nunca, meu abandono pronto, descoberto tão facilmente pela noite escura. 

Romeu – Senhora, juro pela santa Lua que acairela  de prata as belas frondes de todas estas árvores frutíferas… 

Julieta – Não jures pela Lua, essa inconstante, que seu contorno circular altera todos os meses, porque não pareça que teu amor, também, é assim mudável. 

Romeu – Por que devo jurar? 

Julieta – Não jures por nada, ou jura, se o quiseres,  por ti mesmo, por tua nobre pessoa, que é o objeto  de minha idolatria. Assim, te creio. 

Mistérios da meia-noite 

O lobisomem é um dos mais populares monstros fictícios do mundo. Suas origens se encontram na mitologia grega, porém sua história se desenvolveu na Europa. A lenda é muito conhecida no folclore brasileiro, sendo que algumas pessoas, especialmente aquelas mais velhas e que moram nas regiões rurais, de fato creem na existência do monstro. A figura do lobisomem é de um monstro que mistura formas humanas e de lobo. Segundo a lenda, quando uma mulher tem sete filhas e, depois, um homem, esse último filho será um lobisomem.  A transformação ocorre em noite de lua cheia em uma encruzilhada.  O monstro passa a atacar animais e pessoas para se alimentar  de sangue. Volta a forma humana somente com o raiar do sol. 

Em outras palavras… 

Fly me to the moon, um grande clássico de Frank Sinatra, foi lançada em seu disco It Might as Well Be Swing, de 1964  – e depois disso, incansavelmente regravada por intérpretes do mundo inteiro até os dias atuais. Curiosamente, a canção foi escrita dez anos antes, em 1954 pelo compositor Bart Howard com o título In Other Words, mas ficou conhecida pela primeira frase de sua letra e, com o tempo, teve o título oficialmente alterado. 

O passo do Michael 

moonwalk, também chamado backslideé um passo de dança popularizado pelo músico norte-americano Michael Jackson, que se tornou sua marca registrada. O passo era geralmente realizado pelo astro durante performances da lendária canção Billie Jean. Moonwalk se tornou mundialmente famoso na noite de 25 de março de 1983, em um especial da Motown Records, transmitido pela TV, onde Michael Jackson se apresentou e fez o passo pela primeira vez em público. Ao final de Billie Jean, o astro andou até o lado esquerdo do palco e voltou em um suave e mágico deslizar de costas. A revista Rolling Stone em uma reportagem da época disse:  “Foi aquele o momento que cristalizou o status de celebridade de Michael Jackson”. 

 Galileu e sua luneta 

No século XVI, cientistas faziam observações astronômicas a olho nu ou com equipamentos pouco eficientes. No início do século XVII, Hans Lippershey (1570-1619) inventou a luneta, instrumento óptico que utilizava uma lente côncava e uma convexa, que recebera o nome de refrator. Em 1609, Galileu Galiei construiu sua própria luneta e a utilizou para observar o céu, assim nasceu a luneta astronômica, equipamento que revolucionou a astronomia. Foi com ela que o cientista italiano fez descobertas importantes como, por exemplo, que Júpiter tem satélites, a Lua montanhas e crateras e que Vênus tem fases – e, após este fato, passou a enxergar embasamento na teoria Heliocêntrica. 

O rei Lua 

“Não há, ó gente, ó não / luar como esse do sertão”. Nenhum outro nome da música brasileira cantou tão bem a saudade de um luar como Luiz Gonzaga, o Rei do Baião. O nordestino que saiu de Exu, sua cidade natal, no interior do Pernambuco, para tentar a sorte na cidade grande fez da sua saudade do luar da sua terra inspiração para botar milhões de pessoas a repetir seus versos. “Se a lua nasce por detrás da verde mata / Mais parece um sol de prata prateando a solidão / E a gente pega na viola que ponteia / E a canção é a Lua Cheia a nos nascer do coração”. Mas antes mesmo do estrelato, por ter um rosto arredondado e um largo sorriso, Luiz Gonzaga ganhou de Dino, um violista da época, o apelido de Lua – que foi amplamente divulgado por César Alencar e Paulo Gracindo. 

Você é capaz de ver? 

São Jorge foi um soldado cristão do Império Romano no século IV. Quando o imperador Diocleciano declarou perseguição aos adeptos do cristianismo, Jorge protestou e acabou sendo torturado pela insolência. Ele morreu decapitado em 23 de abril de 303, mas sua história foi contada em diversas cidades do Império Romano pelos soldados que estavam em missão. Foi assim que ele ganhou sua fama e virou São Jorge, o santo guerreiro. A ligação de São Jorge com a Lua é algo puramente brasileiro, com forte influência da cultura africana. A tradição diz que as manchas apresentadas pela Lua representam o milagroso santo, seu cavalo e sua espada, pronto para defender aqueles que buscam sua ajuda. Há quem jure conseguir vê-lo ao olhar pra Lua. 

Publicado na Revestrés#10 – Setembro/Outubro 2013.