Sem trio elétrico, sem abadá, no meio da rua e com uma cabeça de jegue puxando os foliões. Foi desse jeito que as águas começaram a rolar há 15 anos com o bloco Jegue Elétrico – um carnaval bem nordestino no coração de São Paulo.

1782474_828213137195385_1439718719_oEmerson Batista já era o Emerson “Boy”, quando conseguiu uma transferência do seu curso de Música na Universidade Federal do Piauí e o emprego no banco para a ULM (Universidade Livre de Música) na capital paulista. Na cidade, onde vive há mais de duas décadas, constituiu sua vida e fez seu próprio carnaval.

 “O carnaval de rua estava morrendo”, diz com melancolia o fundador do Jegue Elétrico. Há 15 anos o bloco exótico disputa as ruas com os mais de 400 blocos da cidade grande – se não existe amor em SP, folia e bom humor é o que não falta.

 Jegue Elétrico existe aos montes pelo país – mas Emerson Boy jura autenticidade da sua criação. “Este é original, democrático e inspirado em tudo da cultura nordestina: reisado, festa junina, corso”, defende. “Remete aos blocos de Oeiras, da minha juventude”.

 O carnavalesco puxa lá da memória as brincadeiras de menino no carnaval da velha capital do Piauí. “’ Os Malandros’ era um bloco que eu tinha em Oeiras”, recorda. “Por lá se usava animais como jegue e jumento para puxar as carroças que desfilavam enfeitadas”, diz como se revivesse a brincadeira. “Eram os nossos blocos de carnaval”.

 Daí veio o nome do bloco que fundou em Sampa. Em uma das cidades mais populosas do mundo, encontrou a sua turma – fez amigos músicos, integrou bandas de rock e sincronizou-se com a cultura de um Brasil inteiro. Mas faltava ali algo da velha cap.

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 Era 12 de fevereiro do ano de 2000 quando aconteceu o primeiro encontro dos fundadores do Jegue, quase que casualmente, na feirinha de artes da Praça Benedito Calixto, em Pinheiros. “Lá tem chorinho, comidas típicas e eu frequentava muito porque lembrava minha mãe e minha terra”. Boy cresceu ouvindo a mãe ao bandolim, em Oeiras, e vendo o pai compondo jingles político. Danou-se a tocar, desde menino, flauta, sax e também violão.

Virou, quase na brincadeira, um compositor – e este é, talvez, o grande diferencial do Jegue, que todo ano sai com uma marchinha autoral que cai na boca do povo. “Ano passado, nossa música do rolezinho fez o maior sucesso”, diz orgulhoso. A letra, em referência ao fenômeno do rolezinho nos shoppings das grandes cidades, deu o caráter político-social de um bloco de carnaval.

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Emerson Boy, o idealizador do bloco Jegue Elétrico em SP

 Meses antes do feriado, os jegueiros começam os encontros para debater, organizar, discutir e, claro, começar a compor. “Todo mundo participa, quase 30 pessoas”, conta Boy. “A minha filha tem 14 anos, ela cresceu nesse bloco e até ela dá pitaco nas composições”.

Tanta euforia criativa não poderia resultar em nada menos que a gravação de um CD independente, com 12 faixas de autoria do Jegue. O disco foi lançado em 20012 e teve  800 cópias vendidas. Há gravações com o cantor Otto e com a paulista Tulipa, ambos amigos pessoais de Emerson Boy. “Eles são da trupe, todo mundo gosta do Jegue”.

 Em 15 anos, autopromoção nunca foi uma preocupação do bloco – mas já que caiu mesmo na boca do povo (a expectativa esse ano é para 20 mil pessoas) por que não usar isso a seu favor? A ala dos compositores incumbiu-se de botar na letra a marca registrada do bloco nordestino em meio ao carnaval paulista. “No último carnaval a marchinha do rolezinho foi reproduzida em vários blocos, em muitos shows”, explica Emerson. “Este ano pretendemos reforçar a nossa marca para que as pessoas associem as composições ao Jegue”.

Em tempos de seca no sudeste do país, não houve como escapar da temática: “Espremer calcinha” será o enredo do Jegue em 2015, satirizando a crise hídrica que São Paulo vive. Tudo isso, é claro, puxado por um boneco de Jegue e bicicletas. “É uma espécie de trio elétrico de pobre”, define Boy. A farra do Jegue começou em cima do traseiro de uma Brasília comprada em uma sucata. “Foi uma inovação e acho que as pessoas gostaram disso”, acredita o idealizador do bloco que fez ressurgiu, no meio da cidade cinza, as cores de um carnaval. “Todo mundo sentia falta disso, de se unir nas ruas”, acredita. “Rua não é só pra carro não”.

Ala dos compositores

Separamos alguns trechos das marchinhas que bombaram no Jegue em anos anteriores. Sente só:

  “É ou Noé / Alagou tanto deu até bicho de pé / Não é pereba, nao é frieira / Alagou tanto que dormi na cachoeira / É água tanta, não é santa, não é nada / Alagou geral / Só o Jegue Életrico pra salvar meu carnaval” (2012)

“Eu n sou anjo, mas querubim / Quero bin, bin Laden do meu lado / Osama nas alturas / Osama nas alturas / Eu quero bin, bin Laden do meu lado” (2013)

 “O carnaval chegou / Vem dar um rolezinho, amor / Se lá no shopping é proibido / Aqui no Jegue tudo é permitido” (2014)

 “Não Quero Saber / Se o Volume Tá Morto / Se a Seca do Nordeste / Vem Pras Bandas do Sul / Eu Tenho Certeza/ E Disso Eu Não Me Engano/ Vou Espremer Calcinha / E Beber Água de Pano” (2015)