“Nada mais aproxima os povos do que a arte. Pode-ser-ia mesmo afirmar, sem exagero, que onde a arte termina, começa a desarmonia”, afirmou um dos maiores pintores brasileiros do século XX, Lucílio de Albuquerque, em evento de missão de intercâmbio artístico, na cidade de Buenos Aires, Argentina,  em 1921. Eclético e curioso, foi um mestre das pinceladas que transitou por várias categorias de técnicas e estilos da pintura, introduzindo no país os conceitos de movimentos artísticos como o Simbolismo e Expressionismo. 

O guarani | Reprodução fotográfica Elenilce Mourão | Obra do acervo do Museu do Piauí, doada por Georgina de Albuquerque.

 

Nascido em Barras, cidade ao norte do Piauí, ele ganhou o mundo com as tintas, telas, desenhos e vitrais. Filho do desembargador Alcebíades Dracon de Albuquerque Lima e dona Filomena Albuquerque, residiu de 1877 até os sete anos de idade em terras piauienses. Depois de viver em Pernambuco na adolescência, foi para São Paulo, onde estudou Direito, profissão que abandonou para persistir na vocação de artista na Escola Nacional de Belas Artes, no Rio de Janeiro, em 1896. 

Os escritos sobre a vida do pintor relatam que durante os estudos na capital carioca foi instruído por professores como Zeferino da Costa, Rodolfo Amoedo, Henrique Bernadelli e Daniel Bérad. Já se destacando por suas obras, ganhou bolsa de estudos em Paris (1906-1911), com o quadro Anchieta Escrevendo Poema à Virgem, para estudar na renomada École Nationale Supérieure des Beaux-Arts e na Académie Julian. 

A professora e artista visual Elenilce Mourão, pesquisadora da obra de Lucílio em Teresina, destaca que, em Paris, o pintor teve a oportunidade de lidar com as novas maneiras de tratar a composição, a cor e a pincelada, para aplicar em suas obras. “Ao retornar ao Brasil, em 1911, trazia na bagagem mais um leque de conhecimentos e muitas obras representativas, desenvolvidas em sua estada de aprendizagem e vivências, impressões de outros lugares de onde foi possível expor e participar de conferências. Conheceu pessoas e aspectos da arte nunca vivenciados, além de ser um exímio conferencista em defesa da arte e de divulgação da arte brasileira”, relata. 

O Retrato de Georgina | Reprodução fotográfica: Rômulo Fialdini | Em 1939, Mário de Andrade escreveu no Jornal O Estado de São Paulo, que essa obra (1920) dava ao artista um lugar histórico na plástica nacional.

Considerado um dos artistas de estética mais diversa e vibrante do país, por retratar paisagens do cotidiano e históricas, natureza, nus, mitologia grega e religiosidade, ele lecionou na Escola Nacional de Belas Artes (1911-1937), sendo mestre para outro grande pintor brasileiro, Cândido Portinari. Além de ser Membro da Sociedade Propagadora das Belas-Artes, da Associação de Artistas Brasileiros e da Academia Fluminense de Letras. 

Pela dedicação ao ofício, Lucílio foi admirado por grandes escritores e artistas brasileiros. Em 1939, no Jornal O Estado de São Paulo, o poeta e escritor Mário de Andrade escreveu que a obra O retrato de Georgina (1920) captava a segurança e sensibilidade no desenho e ne cor, dando ao artista um lugar histórico na plástica nacional. Monteiro Lobato, em 1926, no mesmo jornal, afirmou: “A pintura de Lucílio tem a solidez técnica dos mestres e a honestidade artística que torna cada tela um documento exaltado à altura da lição”. 

Lucílio foi casado com Georgina de Albuquerque, que também dedicou a vida às expressões artísticas e foi a grande responsável pela construção de seu acervo póstumo, no Rio de Janeiro, hoje pertencente ao estado. 

Memória de Lucílio de Albuquerque no Piauí 

O despertar de Ícaro | Reprodução fotográfica: Antonio Caetano

O neto João Lucílio de Albuquerque recorda que, em visita ao Piauí, em 2010, teve a satisfação de ser recebido com banda de música, presenteado com bandeira do estado em Barras e palestrar para professores e estudiosos em Teresina sobre o avô, que ele não conheceu em vida, mas o tem na memória como um homem que batalhou pela cultura brasileira. “Ir ao Piauí foi uma experiência interessante. Fiquei muito emocionado”, relatou sobre o contato que fez com as origens dos seus familiares. 

O legado de Lucílio no Piauí está representado em grandes trabalhos do artista no Museu Odilon Nunes, material doado por Georgina de Albuquerque, quando o museu ainda era uma seção do arquivo Público de Teresina. O Guarani (sem data), Flamboyant (1928), Paraíso Restituído (1911), O grande circo (1933) são alguns deles. 

Das mais de 400 telas em exposição pelo país, de uma não se sabe o paradeiro. A tela Marinha, roubada da prefeitura de Barras em meados de 2011, deixou uma lacuna na história da cidade que busca ser preenchida por admiradores. Como é o caso do médico Gisleno Feitosa, que, ao procurar saber quem era o homenageado da praça da qual residia próximo, soube da importância de Albuquerque para o mundo das artes plásticas, uma figura notável que ele lamenta não ser de grande visibilidade no estado. 

A partir de pesquisas que fez, Gisleno passou a ser um contador da história do artista. O médico menciona que a afeição pelas obras do pintor o fez gostar de arte e associá-la à sua área de atuação de forma mais humanizada. “A pintura de Lucílio de Albuquerque me transporta para um ambiente de reflexão e fascínio, criando uma atmosfera de paz, sobriedade, harmonia, naturalidade e encanto”, comenta. 

No livro A História da Arte e da Arquitetura do Piauí, de 2005, as autoras Elenilce Mourão, Fernanda Pearce de Carvalho e Maria Isalina de Moura Cortez registram um capítulo sobre as obras O Guarani (sem data), Despertar de Ícaro (1910) e Paraíso Restituído (1911). O trabalho analisa, além da estrutura composicional das pinturas, como foram as influências impressionistas e simbolistas das obras. “Do Impressionismo, Lucílio captou a atmosfera luminosa, rompimento dos contornos na justaposição de áreas de cor, tornando a composição com aspecto de esboço. Quanto às tendências simbolistas, foram reconhecidas na representação das cenas subjetivas, com o predomínio da emoção, do onírico e da imaginação nos temas mitológicos”, descreve Elenilce.  

Beatriz de Albuquerque, neta do pintor, comenta que o contato que ela e os irmãos tiveram com o avô foi como apreciadores das obras, por meio dos quadros, discos e leituras. “Meu pai falava muito deles e tínhamos quadros de meus avós em casa. Gostava muito de ouvir um disco que conta a vida deles”.

Em Barras e Teresina, ruas, praças e instituições públicas, como a Pinacoteca Lucílio de Albuquerque, no Palácio da Cultura da capital, são registros da memórias do artista no estado.  

Publicado na Revestrés#47. 

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