Babidu Barboza segura com as duas mãos, no alto da cabeça, um recipiente circular de parafina. Dentro dele, chamas queimam a cera, que derrete e goteja no rosto do artista, acumulando restos de vela em sua barba. Enquanto ele se mantém de boca aberta, resistindo ao peso dos braços, o público transita no espaço, às vezes parando para assistir e, outras vezes, simplesmente passando.

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Foto: Victor Nomoto

Arrastar pedra amarrada pelo cabelo ou pescoço; fazer corte na testa e marcar progressivamente parede branca com o próprio sangue; banhar-se em bacia de sangue de outros dois membros do grupo e, com ele, pintar mural em branco com os pés; introduzir boca adentro todo o cabelo de outro integrante parado de costas a sua frente. Estes são trechos de alguns dos trabalhos do Grupo Empreza, que defende a performance como uma das linguagens artísticas que mais permite o coletivismo poético e político em sua concepção.

Não é raro ver fogo, sangue, nudez e confronto físico nas ações performáticas e happenings do Grupo Empreza, atuante há mais de 15 anos a partir do estado de Goiás e Distrito Federal. “A dor é um elemento comum a todo ser humano, testemunhamos e vivemos, diariamente, a nossa dor e a dos outros, pessoalmente ou através da mídia, e não paramos para refletir a forma como isso nos atinge”, diz Babidu Barboza, natural de Teresina, artista visual, produtor cultural e membro do grupo desde 2001, ano de seu surgimento. “Nós nos submetemos a certos tipos de dor, quase sempre em um comentário crítico sobre o fato de que, na vida, sofremos dores, em sua maioria, involuntárias”, diz ele.

 

Foto: Victor Takayama

Foto: Victor Takayama

Além de ações performáticas e happenings, o repertório do grupo inclui produções audiovisuais e fotográficas. Vários artistas passaram pela sua constituição que, atualmente, conta com os membros Aishá Kanda, Helô Sanvoy, João Angelini, Marcela Campos, Paul Setubal, Paulo Veiga Jordão, Rava, Thiago Lemos, além de Babidu Barboza. “Todos tinham experiências anteriores com performance e percebemos nela um grande potencial expressivo e de posicionamento político, onde podíamos investir e aproveitar os momentos de discussão, descontração e concentração. Assim, começamos a pensá-la não como um produto individual, mas coletivo”, conta o artista.

Em 2014, o grupo ocupou o Museu de Arte do Rio. Composta pelas áreas “Eu Como Você” e “Sua Vez”, a mostra foi tanto um resgate histórico quanto um ateliê coletivo. Enquanto no espaço “Eu Como Você” a trajetória do grupo, então com 13 anos, foi contada através dos registros fotográficos e filmagens de suas performances; na área “Sua Vez”, o grupo compartilhava diariamente e, ao longo de dois meses, seu processo artístico com o público, grupos e artistas convidados.

“Pesquisamos, desenvolvemos e discutimos sobre todo e qualquer elemento do trabalho: a necessidade, a vontade, a viabilidade e os significados de cada coisa. Somos cautelosos para não colocarmos em risco grave algum membro do público ou do Grupo Empreza. Trabalhamos como pessoas comuns, pois somos comuns, não temos um preparo especial para nada, apenas lidamos com questões que atingem muitas pessoas, de forma poética”, comenta o artista.

O Empreza, definitivamente, era o primeiro da minha lista – Marina Abramovic sobre a escolha dos artistas para a exposição Terra Comunal

Em analogia ao clube artístico em que os dadaístas se reuniam em Zurique, na Suíça, a partir de 1915, Babidu Barboza vem desenvolvendo, em sua própria casa, o Cabaret Voltaire desde 2002. Sua residência se tornou palco de intervenções, saraus e ações performáticas, envolvendo diversas parcerias, entre elas o próprio Grupo Empreza, que assumiu o espaço como sua sede criativa.

A notícia ganhou repercussão, principalmente, após a mostra individual do grupo no Museu de Arte do Rio, em que o último dos serões performáticos denominava-se Cabaret Voltaire.  Adrian Nots, diretor do Cabaret Voltaire de Zurique, em turnê com a tenda “DadaOnTour”, também pelo Rio de Janeiro, soube da atuação do coletivo goiano. Acabou iniciando-se a parceria que chancelou o Cabaret Voltaire Goiânia como uma sede oficial do Dadaísmo. “Tivemos o prazer de combinar com ele uma das comemorações dos 100 anos de Dadaísmo no mundo no Cabaret de Goiânia, sendo o Grupo Empreza o anfitrião do evento”, conta Babidu.

Com percurso consolidado, o grupo foi convidado para participar da exposição Terra Comunal – Marina Abramovic + MAI, no Sesc Pompeia, em São Paulo, no ano de 2015. “Para mim, foi muito importante ser co-curadora desta exposição com Lynsey Peisinger e Paula Garcia. Eu procurei por muita informação, estudei e perguntei para diferentes pessoas que me aconselharam sobre quais artistas devíamos conhecer”, disse Marina Abramovic ao Canal Arte 1 em episódio da série “Um.Artista”, dirigida por Markus Avaloni. “Cada uma de nós três viu cerca de 250 portfólios e discutimos sobre quais iríamos escolher. O Empreza, definitivamente, era o primeiro da minha lista”, disse sobre o grupo.

Entre os eixos da exposição estava “Oito Performances”, em que foram convidados artistas e coletivos brasileiros para produzir performances de longa duração. “Pudemos trabalhar com Marina Abramovic, um dos maiores nomes da performance de todos os tempos, e também com outros grandes artistas de performance no Brasil”, destaca Babidu. “Foram dois meses nos quais convivemos e trocamos ideias e experiências com outros colegas de performance, construímos vínculos de amizade e tivemos oportunidade de apresentar ao público um grande número de trabalhos, em sua maioria inéditos”.

(Matéria publicada na Revestrés#31 – Junho/Julho 2017)