A informação pode ser nova ao leitor mais desavisado, mas o mercado editorial brasileiro encolheu. Entre 2006 e 2017 o consumo de livros no país perdeu 21% em volume, um total de R$ 1,4 bilhão segundo pesquisa divulgada no meio do ano pela Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (Fipe). Menos pessoas comprando livros representam poucas livrarias cheias e, consequentemente, menos títulos no mercado. Desse vácuo de lançamentos e por praticarem uma forma de negócio que é um contraponto ao dos grandes grupos editoriais, entre outras coisas, as editoras independentes conseguiram penetrar o antes difícil mercado de livros nacional e hoje mantém-se como vanguardistas de um novo modelo de vender livros.  

Em primeiro lugar, a perda do volume do mercado editorial brasileiro está ligada aos inúmeros editais de cultura que foram suspensos, principalmente, após 2013. Era com esse dinheiro que as grandes editoras pagavam seus livros e faziam caixa para novos títulos. Sem o incentivo do governo e com as pessoas comprando menos livros por conta do momento do país, algumas editoras faliram e outras suspenderam lançamentos ou gêneros com retorno financeiro mais longo. Otávio Campos, editor da mineira Edições Macondo, lembra o caso dos livros de poesia em tempos de crise do mercado. “Publicamos quase que exclusivamente poesia, que é um gênero historicamente de poucas vendas. A lógica das grandes editoras é publicar poesia quando existe uma margem de manobra, ou seja, quando há um dinheirinho sobrando. Esse dinheiro não está sobrando, o que prejudica drasticamente a qualidade do mercado literário e, sobretudo, do produto que é entregue a um público leitor.”  

Ilustração: Irineu Santiago

Contudo, como adverte Eduardo Lacerda, editor da paulista Patuá, a crise não é da Literatura. “Não podemos confundir Literatura com mercado editorial, a Literatura não passa por crise nunca, todos os dias ótimos escritores e ótimas escritoras surgem procurando por leitores e vice-versa. Já a crise do mercado editorial existe apenas para as grandes editoras, que se acostumaram a vender principalmente para os governos (municipais, estaduais e federal) e, quando as compras pararam, muitas faliram.” As editoras independentes nasceram sem os editais de cultura e, além de publicar títulos que as grandes editoras não conseguem bancar, também trazem uma nova maneira de pensar o mercado: com poucos consumidores indo até as livrarias, é preciso formar leitores e fazer o livro chegar até eles. Wellington Soares, editor da piauiense Quimera, explica esse comportamento. “No fundo, tentamos ocupar todos os espaços disponíveis e imagináveis, coisa esquecida ou irrelevante para as grandes editoras. De preferência, a editora independente deve envolver seu elenco de autores nessas atividades, praticar preços mais em conta e ter um batalhão de gente vendendo de porta em porta.” 

As grandes redes livreiras hoje se parecem com tudo, menos com uma livraria.

Gustavo Felicíssimo, Mondrongo.

Atrair e formar novos leitores também perpassa pelo rearranjo de outro local importantíssimo para a cadeia dos livros: as livrarias. Com a continuidade da crise econômica nacional e menos consumidores comprando livros, elas adotaram quatro práticas: começaram a vender outros produtos nas suas prateleiras, passaram a receber livros apenas de modo consignado (ou seja, o produto pode ser devolvido se não for vendido), cobram 50% do valor de capa em caso de venda e repassam a parte das editoras apenas, em média, 60 dias após a compra do leitor. “Os locais onde as grandes editoras vendem, essas grandes redes livreiras, hoje se parecem com tudo, menos com uma livraria. É absurda a comissão que cobram para vender nossos livros, por isso não estamos lá.”

O desabafo de Gustavo Felicíssimo, editor da baiana Mondrongo, exemplifica bem a pouca relação entre as editoras independentes e as grandes livrarias. O editor, contudo, ressalta que ainda admira esses locais de venda de livros, mas as grandes redes de livraria têm que lidar de uma forma diferente com as pequenas editoras. “Ainda vejo uma livraria como um santuário, mas não a Cultura ou a Saraiva, mas a livraria do Luiz, em João Pessoa, uma das mais aconchegantes do Brasil, a Papirus, em Ilhéus, a Leonardo da Vinci, no Rio de Janeiro. Nesses lugares, e em diversos outros, os livros da Mondrongo estão expostos com dignidade e possuem visibilidade. Desse pessoal eu recebo o que se vende.” As livrarias citadas, assim como as editoras, também são chamadas independentes, porque têm um comportamento diferente em relação ao livro. É isso o que atesta Nathan Matos, editor da mineira Moinhos. “Acredito nas pequenas livrarias, nas que realmente se prestam a movimentar o mercado de uma maneira que vai além, de entender que um livro gera muito mais que um valor no caixa no final do mês, que um livro pode ajudar a livraria a ser um ponto de encontro, que pode contribuir na marca da livraria, entre outras coisas.”  

 

O autor na editora independente e as feiras 

Editoras menores contribuem para a diversidade do mercado literário ao apostar em autores fora do padrão de uma grande casa editorial. Eduardo Lacerda, editor da paulista Patuá, aponta que essa pluralidade é o lema das independentes em várias áreas. “Editoras grandes precisam dar lucro, então é provável que seu investimento sempre será em títulos de menor risco, de autores já reconhecidos, e é comum que autores do sul-sudeste, brancos, homens, sejam privilegiados. As editoras independentes arriscam mais, publicam autores e autoras de todas as regiões, editam poesia, editam contos, fotografia, romances, literatura trans, autores negros, enfim, há uma diversidade maior, um espaço maior para todos.” 

Editoras independentes arriscam mais, publicam autores e autoras de todas as regiões, editam poesia, contos, fotografia, romances, literatura trans, autores negros, há uma diversidade maior

Eduardo Lacerda, Patuá

Ao trazer essa diversidade de títulos e autores ao mercado, o que as editoras independentes fazem é tornar seus escritores mais presentes no negócio, utilizando a rede de contatos de ambos para se aproximar melhor dos leitores e vender livros. “O melhor parceiro nosso continua sendo o empenho da editora e do autor no sentido de fazer não apenas a divulgação do livro em redes sociais e mídias formais, mas de trabalhar um a um cada um dos seus compradores em potencial. Não se pode ter ilusão ou romantismos quanto a isso: o livro tem que ser bom, bonito, se pagar e não pode ficar encalhado no depósito da editora”, conta Felicíssimo, da Mondrongo.  

E qual seria o espaço que congregaria novas editoras e autores, talvez, desconhecidos? As feiras de livros. O fenômeno é recente em todo o país e, segundo Gustavo Faraon, editor da gaúcha Dublinense, a má fase das livrarias foi um motivo para esses eventos literários despontarem. “As feiras de livros estão surgindo muito em razão de as livrarias não conseguirem cumprir plenamente a sua função, que é ofertar para o leitor a variedade do que há de interessante por aí, a famosa bibliodiversidade.” Touché. As editoras independentes são as maiores contribuidoras, atualmente, da bibliodiversidade e o fato de o leitor buscar livros, seja de assuntos ou autores não-tradicionais, criou um espaço de convergência: as feiras literárias. E são nesses espaços próximos entre leitor e editora, segundo Wellington, da Quimera, que as independentes ganham o público. “As pequenas editoras fazem o corpo-a-corpo, por meio de seus autores, com a figura mais importante dessa cadeia, o leitor, também nas feiras literárias. Isso contribui para o sucesso delas no relacionamento com o leitor.” 

Mas o trabalho é contínuo, ou, segundo Faraon, da Dublinense, a cadeia do mercado literário é longa e autor e editora devem se esforçar para chegar não só a leitores nas feiras, mas também a outros parceiros literários. “Jornalistas, booktubersinstagramers, blogueiros, livreiros, curadores de eventos, pessoas à frente de instituições culturais e de fomento, gráficos, designers, revisores, e até parceiros logísticos. O processo é muito complexo e exige, entre outras coisas, que não tentemos artificialmente ficar jogando o protagonismo de um lado para o outro.”  

 

Ilustração: Irineu Santiago 

Incentivos para continuar o bom trabalho 

“A chegada e o sucesso das independentes passa muito pela diversidade que elas trouxeram ao mercado. A possibilidade de você ter mais editoras, com visões diferentes, com publicações que saem das tradicionais. Isso foi fundamental.” As palavras de Thiago Tizzot, editor da curitibana Arte e Letra resumem bem o sucesso das pequenas editoras. Mas, e depois? Alguns editores, como Otávio, da Macondo, questionam a continuidade nesse espaço literário. “O processo de inclusão das pequenas editoras no mercado se mostra democrático, porque todo mundo pode ocupar aquele espaço, mas na verdade é mais uma falácia. As políticas de inclusão desses pequenos agentes não dão conta de suas particularidades e muitas vezes também não dão conta das particularidades do mercado no atual cenário.”  

Não é, portanto, uma concorrência por mais livros vendidos e leitores, mas uma busca por medidas comuns que possam facilitar a permanência das independentes no mercado. Pensando nisso, foi fundada a Liga Brasileira de Editoras (LIBRE), uma rede de editoras independentes criada em 2002, que também tem como objetivos fortalecer e ampliar o mercado da edição independente e o público leitor. A Libre representa suas filiadas em feiras nacionais e internacionais, como em Frankfurt (Alemanha), Paris e Montpelier (França) e Buenos Aires (Argentina), e organiza, ela própria, a anual feira de livros Primavera Literária, em Belo Horizonte e no Rio de Janeiro.   

Mas nem todas as editoras independentes são filiadas à Libre. O que ainda falta, portanto, nas palavras de Wellington, da Quimera, são medidas de incentivo que alcancem todo o negócio. “As editoras independentes deveriam ter uma linha de crédito especial, nas três esferas de governo, para alavancar seus negócios.” Com capital, as pequenas editoras mantêm sua fundamental contribuição à bibliodiversidade e ajudam no progresso, segundo Thiago, da Arte e Letra, do mercado literário. “As independentes são fundamentais para o mercado do livro evoluir. Elas trouxeram uma nova forma de pensar o livro, seja com novos autores e títulos, seja com novas formas de se relacionar com os leitores e vender o livro.”  

 

Fatores de crescimento das pequenas editoras 

Alguns fatores explicam o crescimento significativo do número de pequenas editoras, ou editoras independentes, no país. O primeiro deles é a demanda por livros para públicos diversos no mercado. A explicação reside no fato de que, em momentos de crise, as grandes editoras tendem a apostar apenas em sucessos comerciais enquanto produtos para outros leitores deixam de ser lançados. Com esse espaço vago e as pessoas, principalmente após a internet, encontrando seus assuntos de interesse, surge uma procura por livros diferenciados. “Aconteceu uma fragmentação do público muito grande e, atualmente, é possível encontrar na internet grupos de discussão das mais diversas coisas, seja ela algo mundial ou muito específico. Nestes grupos a editora independente consegue encontrar o seu público”, explica Thiago Tizzot, editor da curitibana Arte e Letra. 

Temos editoras em que uma mesma pessoa é editora, revisora, diagramadora, capista, é a responsável pelo financeiro, pelo contábil. Isso acaba sendo um problema para as pequenas.

Nathan Matos, Moinhos

O segundo fator que beneficia as pequenas editoras é a impressão digital, porque barateia as pequenas tiragens. Em uma grande editora são impressos, em média, entre mil e três mil exemplares, para que o valor unitário seja competitivo nas livrarias. Contudo, com o novo modelo de produção editorial, livros com poucas unidades passaram a fazer parte do mercado. “Hoje nós podemos fazer livros em pequenas tiragens (1, 10, 50, 100 exemplares) com uma qualidade maior do que a oferecida por grandes editoras, de autores que se empenham em encontrar seus leitores, participam de feiras, de eventos, de saraus, de debates”, informa Eduardo Lacerda, editor da paulista Patuá.  

O trabalho sério dos envolvidos é o último fator que impulsiona o crescimento das editoras independentes. Numa grande casa editorial, por exemplo, há espaço para mais profissionais e investimentos, como uma área para marketing, logística, outra para livrarias, revisão, etc. Numa pequena editora, a estrutura é muito mais enxuta e demanda menor capital inicial, o que, segundo Otávio Campos, editor da mineira Edições Macondo, talvez explique a sobrevivência delas diante da crise. “Em uma pequena editora não há quase nada a se perder porque trabalhamos sempre na margem financeira do vermelho. Por isso, acredito, nós operamos de outro modo, já que nosso mercado nos molda de outro jeito.”  

Com menos pessoas para trabalhar o livro, por vezes o editor acumula outras funções e, como explica Nathan Matos, editor da mineira Moinhos, isso pode nublar o ofício do livro. “Temos editoras em que uma mesma pessoa é a editora, a revisora, a diagramadora, a capista, é a responsável pelo financeiro, pelo contábil. Isso acaba sendo um problema para as pequenas, porque quando se tem 50, 60 livros para cuidar, a demanda em todos esses setores aumenta e quando se percebe você está mais preocupado com a burocracia do que em editar livros.” Contudo, como aponta o mesmo editor, não fosse a competência dessas pessoas, muitos livros não estariam entre os leitores. “Os profissionais que estão à frente das pequenas editoras são tão competentes quanto os de grandes editoras. Eles produzem e acreditam em muitos livros que as grandes não acreditam, e têm realizado inúmeras ações em prol da leitura e da difusão do livro de novos autores.”  

Algumas editoras independentes:

arteeletra.com.br

dublinense.com.br

edicoesmacondo.com.br

editora34.com.br

editoraaleph.com.br

editoradraco.com/loja/

editoramale.com

editoramoinhos.com.br/livros

editoranos.com.br

editorapatua.com.br

ibislibris.loja2.com.br

jujubaeditora.com.br

Quimera revistarevestres.com.br

kapulana.com.br

livrariaentrelivros.com.br

mondrongo.com.br

relicarioedicoes.com

viajantedotempo.com

(Matéria publicada na Revestrés#38- novembro-dezembro de 2018).