Impulsionados por editoras, clubes de assinaturas e escritores ou amigos que querem começar ou cultivar o hábito da leitura, os clubes de livros se espalharam pelo país. Embora não tenhamos uma associação de clubes literários para calcular quantos existem atualmente, o certo é que seus frequentadores querem mudar outra estatística: a de que o brasileiro lê pouco, apenas 4,9 livros por ano, segundo a pesquisa Retratos da Leitura de 2017. Outra certeza é que não foi um único acontecimento que resgatou esse costume de origens aristocráticas de se reunir para falar sobre livros, mas vários fenômenos ocorridos entre 2014 e 2015. Os principais são o clube de assinatura TAG Livros, o movimento Leia Mulheres e parcerias entre editoras e livrarias para a formação de clubes literários. 

A TAG Livros é um clube de assinaturas que começou suas atividades no segundo semestre de 2014 no qual o cliente recebe, mensalmente, um livro indicado por um curador (Mario Vargas Llosa, Milton Hatoum, Chimamanda Ngozi Adichie e Alberto Manguel, entre outros, já foram curadores da TAG), com brindes sobre a obra, em casa. O serviço de enviar livros para assinantes não é nada novo, ecoa dos extintos Clube do Livro, que funcionou no país entre 1943 e 1989 e chegou a 50 mil assinantes, e do Círculo do Livro, que operou entre 1973 e 1993 e bateu a marca impressionante de 500 mil filiados. A TAG começou a operar com essa herança, contudo, conforme explica Arthur Dambros, sócio-fundador da empresa, o projeto não foi bem compreendido a princípio. “Um clube de assinatura de livros era algo novo e bastante abstrato para as pessoas, que levaram algum tempo até entenderem a ideia. Ficamos mais de meio ano praticamente sem crescer e chegamos a pensar em encerrar o clube.” Gradualmente, através do marketing boca-a-boca dos próprios assinantes, a compreensão sobre o serviço foi alterada. “Com o tempo os associados começaram a divulgar aos seus amigos, postar fotos nas redes, o clube começou a sair na mídia e, finalmente, as pessoas tiveram confiança no nosso trabalho”, completa Arthur.  

 

Atualmente, a TAG conta com 32 mil assinaturas ativas por todos os estados brasileiros e acabou de ganhar, na Feira do Livro de Londres, o prêmio de excelência internacional em inovação The Quantum Innovation Award. Em relação ao contrassenso que supostamente possa representar um clube de envio de livros recebendo um prêmio de inovação, Arthur responde: “Quando criamos a TAG, não havia nada semelhante no Brasil nem fora. Além disso, executamos o conceito com muito rigor e preocupação com o produto que estávamos entregando: tivemos sempre curadores de muita qualidade, livros muito bem selecionados e um atendimento bastante preocupado com o cliente.” Hoje, além da TAG Livros (taglivros.com), outros clubes de assinatura de livros se popularizaram, como o Turista Literário (turistaliterario.com.br), o Garimpo (garimpoclube.com.br), o Pacote de Textos (pacotedetextos.com/) e o Beco Literário (becoliterario.com), entre outros. Temos também clubes literários para o público infantojuvenil, como o Leiturinha (leiturinha.com.br/), o Petite Box (petitebox.com.br/), o Expresso Letrinhas (expressoletrinhas.com.br) e o Quindim (clubequindim.com.br/). 

Há quatro anos, outra iniciativa igualmente potente conquistava espaço, o Leia Mulheres. Em 2014, a escritora Joanna Walsh propôs uma maior leitura de escritoras, o #readwomen2014 (#leiamulheres2014). No ano seguinte, a paulista Juliana Gomes convidou as amigas Juliana Leuenroth e Michelle Henriques para tornar a iniciativa de Joanna Walsh em ações nas livrarias e espaços culturais. De lá para cá, o Leia Mulheres está presente em 80 cidades pelo país e cada clube tem autonomia de funcionamento. Juliana Leuenroth relembra que, a princípio, o projeto encontrou resistências. “Algumas pessoas realmente ficaram incomodadas com a ideia. Ouvimos muito que estávamos segregando nossa leitura, que isso era excludente.” A persistência do Leia Mulheres, contudo, colhe frutos desejados além da Literatura. “Todos os dias recebemos mensagens de pessoas que passaram a ler mais, ou ainda pensar mais sobre representatividade não só na Literatura, mas também em outras esferas da nossa vida. Isso é muito gratificante para nós”, conta Juliana.  

Leia Mulheres Teresina. Foto: Maurício Pokemon

Em Teresina, o Leia Mulheres é capitaneado por Lorena Nery Borges e Bruna Dayane. Lorena chegou até o projeto por conta de uma investigação pessoal as vésperas do Dia Internacional da Mulher de 2017. “Estava fazendo um exercício de avaliação na minha pequena estante de livros para saber quantos eram produzidos por mulheres e percebi que a quantidade de livros escritos por homens era dez vezes maior. Isso me incomodou bastante. Busquei na internet algumas iniciativas de apoio e encontrei a página do Leia Mulheres [www.facebook.com/leiamulheres/].” O primeiro Leia Mulheres Teresina foi organizado em junho do ano passado e desde então se reúne mensalmente de maneira itinerante, percorrendo bibliotecas públicas, livrarias, cafés e espaços culturais da cidade.   

Como cada Leia Mulheres tem autonomia para decidir seu formato, em Teresina as leituras são decididas por meio de enquetes virtuais no grupo do Facebook (basta procurar “Leia Mulheres Teresina”, no Facebook), pela hashtag  #leiamulheresteresina e votações presenciais, sempre alternando autoras internacionais, nacionais e locais. Sobre a boa assiduidade dos participantes, Lorena comenta: “Os debates no Leia Mulheres vão além do que está escrito nas obras, nos preenchem de emoções e vontade de continuar. É um gás, uma fuga e, ao mesmo tempo, enfrentamento dessa realidade hostil.” Outra ação do Leia Mulheres Teresina é o “Recita Mulher”, um sarau de poesias produzidas por mulheres que incentiva a participação de escritoras locais e amantes da literatura.  

Com o Leia Mulheres ocupando espaços e os clubes de livros online enviando exemplares aos associados, as editoras passaram a se movimentar. Algumas delas reativaram ou renovaram suas parcerias com as redes de livrarias ao redor do país e começaram a impulsionar, utilizando, principalmente, as redes sociais, novos clubes literários. A Companhia das Letras, por exemplo, tem parcerias com as livrarias Zaccara, Martins Fontes, Travessa, Cultura, Ilimitada, Curitibas e Livraria da Vila. Rafaela Deiab, do Departamento de Educação da editora, reconhece o valor dessas uniões literárias. “Pensamos ser de extrema importância fomentar e possibilitar encontros, debates e novas formas de trocas de conhecimento. O projeto de clubes é uma contribuição modesta da editora para que se cultive uma nova forma de relacionamento das pessoas com a leitura.” Bruno Rodrigues, que coordena o clube do livro na Livraria da Travessa de Botafogo, no Rio de Janeiro, reitera que os encontros literários são fundamentais também ao mercado. “Os clubes são capazes de fomentar novos leitores e deixar o mercado editorial mais movimentado. A troca de informações sobre livros e escritores ultrapassa as fronteiras das reuniões dos clubes em si.”  

Rocco (rocco.com.br), Autêntica (grupoautentica.com.br), Intrínseca (intrinseca.com.br), Record (blogdaeditorarecord.com.br), são outras editoras, assim como a Companhia das Letras (companhiadasletras.com.br), que mantêm parcerias regulares com clubes de leitura, basta entrar nos sites para se informar sobre eles.  

Foto: Maurício Pokemon

 

Como começar (e manter) um clube de leitura  

Uma pesquisa rápida no Google pode ajudar você a encontrar um grupo de conversa sobre livros na sua cidade. Mas se não houver ainda, por que não começar um? Revestrés dá as dicas: 

1º Encontre pessoas com a mesma vontade de iniciar um clube literário 

Fale com seus familiares, amigos, dissemine nas suas redes sociais a vontade de iniciar um clube de leitura. 

2º Escolha de organizadores ou mediadores para o clube de leitura 

Um clube pode acontecer sem mediadores, mas a própria sequência dos encontros faz com que, naturalmente, algumas pessoas se mostrem mais ativas em relação aos eventos. Mesmo com organizadores, é essencial que as decisões sejam tomadas com o grupo. 

3º Onde acontecerá o clube 

Será um clube online? 

Pode unir pessoas mesmo se elas forem de outras cidades, estados ou países; economia de deslocamento; o frequentador pode fazer a atividade de acordo com seu tempo disponível ao longo do dia e semana. Clubes online podem acontecer através de videoconferências do Skype, Google Hangout, WhatsApp, grupos de e-mails, Telegram etc. 

Será um clube com encontros físicos? 

Encontros físicos favorecem a empatia e a sociabilidade. O ideal é que seja de fácil acesso, levando em conta custos de deslocamento. Se for em livraria, café ou outro estabelecimento comercial, é preciso comunicar à gerência ou proprietários. Se acontecer na casa ou apartamento de alguém, lembre que pode haver despesas como alimentação. Pode-se dividir gastos ou organizar um lanche coletivo. 

4º Periodicidade do clube 

Se as reuniões forem semanais, e isso é válido tanto para encontros físicos ou online, é necessário que se escolham livros, poemas, ou contos de menor extensão para leitura; se mensais, podem ser escolhidas obras de maior tamanho. Defina também o tempo de reunião. A escolha é feita de acordo com a quantidade de membros, a disponibilidade dos participantes e o tempo disponível do local escolhido. 

5º Defina o formato da reunião 

Formatos mais comuns: 

o grupo (ou os organizadores) escolhe um livro para cada reunião e as conversas giram em torno da obra lida; 

o grupo (ou os organizadores ) escolhe um tema para cada reunião e os participantes levam livros de acordo com o assunto; 

o grupo (ou os organizadores) não escolhe livros ou temas para cada reunião. Os participantes são livres para trazer qualquer livro e o bate-papo é feito a partir das obras apresentadas; 

o grupo (ou os organizadores) escolhe autora ou autor e estilo literário, e os participantes levam os livros de acordo com o estabelecido. 

6º Feedback dos participantes e repetição 

O grupo deve conversar entre si após cada reunião para saber o que foi positivo, o que não deu certo, e quais mudanças podem ser realizadas para que a experiência seja mais positiva. A manutenção dos encontros tende a fidelizar os participantes. 

7º Iniciativas paralelas ao clube de leitura 

Grupo ou página do Facebook; 

Grupo de WhatsApp; 

Lista de e-mails; 

Canal do Youtube; 

Perfil no Instagram. 

8º Proatividade 

O que falta para melhorar a experiência de leitura e bate-papo entre os participantes? Crie. 

 

(Publicado na Revestrés#36 – maio-junho-2018)