Quem vê Elba Ramalho chamando Jacinta para cantar com ela no palco do Theatro 4 de Setembro não imagina quem é a convidada. Na ocasião, a dupla rendeu uma generosa “canja” e esbanjou aplausos. Ficou um gostinho de quero mais.

Jacinta pode ser vista pelos corredores da Universidade Federal do Piauí-Ufpi. Voz rouca, alta, loira, de olhos claros, a cantora não passa despercebida nos locais públicos.

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(Fotos: Mauricio Pokemon)

Conversamos no shopping sem interrupções, situação que em Portugal, seu país de origem, certamente, não se repetiria sem pausa para fotos ou autógrafos.

Em Teresina, é professora universitária no curso de Música. No mundo, é estrela dos palcos. É que, na verdade, Jacinta é um fenômeno do jazz, com resultados equiparados aos da música pop.

Após 15 anos unicamente fazendo shows, resolveu ingressar no doutorado. No primeiro ano de aulas em sua cidade natal, Aveiro, Jacinta se depara com metade da turma composta por brasileiros.

Foi por meio de uma colega de sala, professora da Ufpi, que tomou conhecimento do processo seletivo para professores da instituição. “Resolvi concorrer porque queria mudar meu estilo de vida”, explicou a cantora.

Familiaridade com o Brasil ela tem de sobra. A cantora inclui em sua trajetória projetos de tributos a artistas brasileiros como Tom Jobim e Djavan.

Hoje dividida entre a rotina de dar aulas e viajar mundo afora para fazer shows, Jacinta foi considerada a melhor jovem artista de jazz do continente europeu, em 2007, na iniciativa “O Melhor da Europa”.

Espaço intimista e público reduzido? Para Jacinta, não. Ao contrário das apresentações reservadas, comuns ao mundo do jazz, Jacinta está acostumada a cantar para grandes públicos. Esgotou sete noites seguidas no espaço Jardim de Inverno do Teatro Municipal de Lisboa e já fez shows para mais de 5 mil pessoas.

Seu primeiro disco, lançado em 2003, foi gravado pela Blue Note Records, gravadora norte-americana de artistas como Norah Jones, e vendeu mais de 25 mil cópias, recebendo, com isso, disco de ouro.

Mas nem só de talento vivem os artistas. Parte de seu sucesso foi motivado pelas estratégias comerciais delineadas por sua empresária, Maria Joana Pereira. Há 10 anos trabalhando juntas, a dupla se completa em rigorosidade musical e definição das táticas de carreira. “As pessoas acham que não é preciso o lado comercial. Se não houver a parte do management, o músico pode ser muito bom, mas ninguém vai conhecer”, diz Jacinta em típico sotaque português, arrastando o “r”.

Não fazer shows em um raio de determinados quilômetros, um mês antes e depois de uma apresentação; projetos diferentes de discos para viajar em turnês; trabalhar com designers de moda que criam figurinos exclusivos para Jacinta e seus músicos são algumas das exigências. As práticas são comuns aos artistas da música pop, porém pouco usuais aos músicos de jazz.

Álbuns em inglês, outros em português ou projetos mistos. Em seus cinco discos lançados, Jacinta imprime sua voz forte nas canções. Passou por mais de 20 salas portuguesas e, a partir de 2010, começou a ganhar expansão no cenário internacional e fez participações em festivais de jazz como o de Atenas, Cartago e Istambul.

Ainda assim, Jacinta diz se considerar estudante de música. “Até porque voltei à escola duplamente: para estudar e dar aulas” – e em Teresina. “Eu penso no Brasil em nível nacional. É um mundo enorme para descobrir”.

Do além-mar para o mundo

Apesar da trajetória, o jazz nem sempre esteve na vida de Jacinta. De Portugal, país conhecido pela tradição folclórica do fado, começou estudando música aos quatro anos de idade, por meio do piano e violino. A formação em música clássica só permitiu que ela escutasse o primeiro disco de jazz aos 18 anos. E foi paixão à primeira vista. “Acho que a partir daí eu me decidi pelo jazz”, conta.

Integrou vários grupos como cantora e instrumentista. No entanto, só aos 22 anos, após uma atuação de jazz onde interpretou música de Ella Fitzgerald – popular cantora de jazz estadunidense -, foi que Jacinta passou a receber inúmeros convites e viu sua carreira deslanchar. “Eu sempre senti qualquer coisa dentro de mim, mas não era consciente, era mais porque as outras pessoas me diziam que eu cantava muito bem”.

Foi nos Estados Unidos que Jacinta descobriu a si mesma. Em 1997, aos 26 anos, decide se mudar para Nova York, inscrevendo-se na Manhattan School of Music, onde foi premiada com uma bolsa de mestrado em jazz vocal. “Foi aí que descobri a minha verdadeira voz e entendi que eu tinha talento como cantora e profissional”. E a história que vem depois você já conhece.