Um homem de camisa social e calça engomada chegou ao portão batendo três compassadas palmas. “Ô, de casa! Tem um cafezinho aí pra mim?”. Gorete largou o que fazia na cozinha e foi atender a voz estranha no portão. Havia ordens restritas de que ninguém deveria entrar na casa enquanto ela estivesse sendo o hotel dos artistas. Era bom resolver logo: “Diga, moço, tá procurando quem?”.  Alguém da produção avisou discretamente que aquele em sua frente era o cantor a se apresentar de noite no festival. Gorete deu um pulo. “Mas como é que eu ia saber? Na foto do cartaz ele tava muito diferente com aquele cabelo espetado!” defendeu-se depois. O “moço” na porta era Arnaldo Antunes.

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Foto: Maurício Pokemon

É ali, entre suítes apertadas, salas pouco espaçosas e um quintal com roupas no varal e um galinheiro, que circulam cantores, músicos e toda a produção que vem, em geral, do centro-sul do país para dar shows no interior do Piauí. Na falta de grandes hotéis e na procura por privacidade e conforto, a solução é alugar a casa da Gorete. “A produção ficou encantada com a minha casa e com o meu jeito de receber bem as pessoas”, gaba-se.

Gorete é pedro-segundense e faz salgadinhos para vender num trailer na cidade, que vira o destino mais cobiçado dos turistas durante o Festival de Inverno de Pedro II. O município piauiense já foi palco de grandes nomes da MPB, como Leila Pinheiro, Maria Rita, Edson Cordeiro, Fernanda Takai, Ivan Lins e Milton Nascimento. Estilos bem diferentes, mas com algo em comum: todos passaram pela casa da Gorete.

O Festival acontece há nove anos e Gorete está presente há seis deles. Tudo começou quando um amigo dela, que integrava a produção local do evento, apresentou-a à equipe. Logo, o conjugado familiar que envolve as casas da sua mãe, a do irmão, e a da própria Gorete, virou algo como o backstage do Festival.

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Foto: Maurício Pokemon

Engana-se quem pensa que a escolha pela residência da Gorete veio por conta de instalações luxuosas. Apenas há três edições do festival ela terminou de montar o que chama de “suíte master”. Um quarto de 9×3 m², construído em cima da casa e equipado com cama box para casal, TV de plasma, DVD, ar condicionado Split e frigobar. O banheiro é pequeno, mas oferece chuveiro elétrico e possui um espelho. Dona Gorete é quem decora o quarto com cortinas, tapetes, edredom, toalhas brancas e travesseiros novos, para receber os artistas que ali se hospedam.

Mesmo seus dotes culinários não estando inclusos no pacote do aluguel, Gorete não perde a chance de mostrar o seu talento para os visitantes ilustres. “Eu sou da cozinha, adoro agradar. Eles acham a culinária muito diferente e todos querem provar a minha comida”. Foi assim que Edson Cordeiro, sozinho, devorou seis beijus. Ivan Lins pediu que ela fizesse pãezinhos de queijo para viagem. Lenine não resistiu ao cheiro de bolo de milho saindo do forno. E até Maria Rita, a mais exigente das estrelas que por ali passaram, virou uma lenda com o desejo de uma sopa light que não se encontrava em lugar algum. Gorete, danada, se arriscou a fazer. “Era só carne moída sem tempero algum e nada de gordura. Nem o cachorro quis comer aquilo, mas ela adorou!”

Aos poucos, Gorete e família foram montando um pequeno altar com fotos de quem já passou por ali. “Fernanda é um doce de pessoa. Simples e tão simpática”, diz, referindo-se a Takai, líder do grupo Pato Fu, que se apresentou há dois anos no festival e agora está emoldurada na parede de Gorete. João Bosco, que esteve apenas de passagem, também parou para um clique e Leila Pinheiro, cantora por quem Gorete deixa escapar uma maior admiração, ao se despedir deixou para ela um buquê de flores.

O último a passar por lá preocupou Gorete com sua lista de exigências. Era Milton Nascimento e suas restrições alimentares, alergias a tapetes, cortinas e almofadas. Tudo foi devidamente contornado pela dona da casa. “Achei que ele fosse cheio de frescura, mas ele chegou, sentou no sofá e ficou vendo Avenida Brasil até a hora de sair”. O músico brincou com a sobrinha de Gorete, arrumou-se para o show e partiu dizendo que queria comprar uma casa em Pedro II – ou, em todo caso, morar com a Gorete. “Dizem que eu tenho algum santo muito forte, que faz todo mundo gostar de mim”.

O sucesso da anfitriã incomoda alguns vizinhos do bairro Vila Operária. “Alguns tem inveja da minha posição, mas a maioria nem tem ideia da magnitude dos artistas que andam por aqui. Sou mesmo muito privilegiada”, declara, admitindo ter ido apenas aos shows daqueles que não passaram por sua casa: Zeca Baleiro e Vanessa da Mata. “Fui só pra tirar foto. Zeca nem me recebeu, mas agradeceu no palco e falou meu nome no microfone”, diz envaidecida. O dinheiro, para ela, nem importa. “A satisfação maior é que eles saiam com a sensação de acolhimento. Eu gosto que as pessoas gostem da minha casa”.

 (Matéria publicada na Revestrés#03 – Junho/Agosto 2012)