Por Samária Andrade – A Balada Literária, ano Torquato Neto, foi realizada pela primeira vez em Teresina (20 e 21 de outubro), dando início a 12ª edição do evento que acontece em São Paulo, sob organização do escritor e produtor cultural pernambucano Marcelino Freire. Na cidade natal do homenageado, o Complexo Cultural Clube dos Diários (Praça Pedro II) recebeu exposições de fotografias do acervo de Torquato, sob os cuidados de George Mendes, e do chamado Filme Perdido. As imagens de “Adão e Eva: do paraíso ao consumo”, com Torquato e Claudete Dias, produzido em super 8, são o registro do filme que se perdeu em viagem para ser sonorizado. No primeiro dia ainda aconteceram lançamento de livros e a roda de poesia “Tensão, tesão e criação”.

Patrícia Mellodi e banda 086: “Deus vos salve essa casa santa”

 

No lado de dentro de Theatro 4 de Setembro, Patrícia Mellodi, acompanhada da banda 086, cantou músicas de Torquato. Os destaques ficaram com “Três da madrugada” e “Deus vos salve essa casa santa” – interpretações sem exageros e comoventes. Jards Macalé encerrou essa parte da noite, com voz e violão.

O segundo dia (22), começou com a proposta de discutir arte fora e dentro do eixo. Marleide Lins mediou a mesa formada pelos jornalistas Paulo Werneck, Mariana Filgueiras e o poeta Omar Salomão. A deliciosa história de Mariana, contando sobre como chegou ao áudio de Torquato, registro único da voz do artista, divertiu os presentes. Werneck foi sincero ao abordar as dificuldades de uma curadoria de evento cultural. Ele, que já foi curador da Flip, é hoje editor da revista Quatro Cinco Um. Mas a maior “treta” (mentira, não chegou a tanto) foi o questionamento sobre estar dentro ou fora do eixo e o que isso implica. A mesa concordou em apontar que a discussão já não se sustenta. A complexidade da questão foi reabilitada pelos escritores e professores Carvalho Júnior e Wellington Soares, que falaram em linhas invisíveis e em mudanças, mas não em abandono dos eixos.

Jornalistas Paulo Werneck e Mariana Filgueiras e escritores Marleide Lins e Omar Salomão: quem está no eixo?

Assim a discussão pareceu mais adequada para as inúmeras questões que pipocavam: se não existe mais o dentro e o fora do eixo, por que Marcelino fez por 11 anos seguidos esse evento no eixo, ainda que, em geral, seja uma personalidade marginal? Se não existe o eixo, por que um grupo chamado exatamente Fora do Eixo (que abriga a Mídia Ninja) acaba de inaugurar casa em São Paulo? E convida para essa inauguração Caetano Veloso, que já não é marginal? Os do eixo podem nos dizer que não existe mais o fora do eixo? Foi até simpático da parte deles, até porque essa discussão por vezes se enviesa para um lado que tende ao ranço e não resolve nada. Mas nos interessa isso de dizer que acabou o fora do eixo? Nós não podemos nos beneficiar sendo marginais? E em que lugar essa suposta abolição (hibridação?) dos eixos nos coloca? Isso pode nos acomodar? Aliás, diga-se, as questões pipocavam dentro de nossas cabeças, pois as participações foram reduzidas, levando Marcelino, bem humorado, a brincar com a plateia, como se muitos quisessem falar ao mesmo tempo. Essa timidez nossa, dos fora do eixo, também não seria um reflexo da distância dos papeis de protagonista ao longo do tempo? Boa mesa porque boas são as que nos mantêm em reflexão. Aqui é o fim do mundo ou lá?

Na parte da tarde, George Mendes, primo de Torquato e curador de seu acervo, e Durvalino Couto, poeta, publicitário, que foi da turma de TN em Teresina, falaram de um personagem de modo mais intimista. Claudete Dias, professora e historiadora, a “Eva” do filme perdido, impossibilitada de comparecer, enviou um áudio com outras histórias curiosas sobre o filme e os jovens “comandados” por Torquato nas ruas de Teresina. “Ele já era grande”, ela falou. Durvalino expressou um Torquato realizador e generoso, dando livros e conselhos. George destacou a delicadeza e timidez do primo que, segundo ele, se não fosse inquirido diretamente, entrava e saia calado de um ambiente.

Quando já estávamos nos consolando com a timidez como traço de identidade, a mesa seguinte, conduzida pelo poeta Thiago E e Patrícia Mellodi, jogou por terra a ideia de que o piauiense é por natureza tímido (ou intimidado?). Espontâneos, ambos conduziram bem a conversa com Jards Macalé e Carlos Rennó, compositor e jornalista. Arrancaram boas histórias e até confissões inusitadas, como o primeiro pum gravado da MPB (como postou Mariana Filgueiras no facebook, no momento da conversa), admitido por Macalé na música “Cuco Maluco” (1977). No momento, Thiago fazia referência a um conselho de João Gilberto para que Macalé ouvisse “seus barulhinhos”.

Feliciano Bezerra e Emerson Boy no encerramento da Balada em Teresina

A Balada terminou festiva, como é a proposta de Marcelino. A noite contou com música, poesia e o desafio de poetas populares. Agora o evento tem uma segunda etapa em Salvador, de 3 a 5 de novembro, cidade onde TN viveu e encontrou parceiros como Gilberto Gil e Caetano Veloso. E finalmente em São Paulo, ocorre de 8 a 12 de novembro, quando será lançada uma edição especial de Revestrés, em homenagem a Torquato Neto. A Balada Literária 2017 é a chance se de conhecer melhor o artista multifacetado, que não para de se desdobrar. O evento tem apoio do Governo do Piauí, através da Secretaria de Cultura, e do Sesc São Paulo e a parceria de diversos colaboradores.