NRevestrés#38 tentamos explicar a crise atual do mercado literário brasileiro com entrevistas de diversos editores, de norte a sul, sobre como superar essa fase. Para recapitular a informação, entre 2006 e 2017, o Brasil perdeu 21% em volume de consumo de livros. Um total de R$ 1,4 bilhão, segundo pesquisa divulgada no meio do ano passado pela Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (Fipe). Em se tratando da recuperação desse cenário de perda, as editoras independentes não trabalham sozinhas e, hoje, vamos acender os holofotes para outro importantíssimo agente no mercado literário nacional: o(a) autor(a) independente.  

O termo “autor(a) independente” é considerado recente no meio editorial e está atrelado a três revoluções: a Internet (após os anos 1990), que permitiu aos usuários a criação e manutenção de um espaço online para publicar todo o tipo de texto autoral possível; os progressos na área de impressão, que possibilitaram a novas editoras publicar pequenas tiragens com boa qualidade a preço baixo; e a vinda da Amazon ao Brasil (dezembro de 2012), que, a partir da venda de livros digitais e logo depois físicos, impulsionou drasticamente a autopublicação, ou seja, a ideia de que é possível publicar de forma autônoma, sem uma editora de qualquer porte por trás. Esses três fenômenos contribuíram para a ideia do(a) escritor(a) como participante de todos os processos de seu livro: escrita, revisão, edição, produção, lançamento e divulgação. O(A) autor(a) independente trabalha por si só. Mas o conceito não é tão rígido. Também é considerado independente aquele que paga para a publicação do próprio livro ou que publica por uma editora considerada independente. Agora vamos direto ao ponto: como quem escreve de modo independente deve se comportar nesse momento de crise do mercado?  

Ilustração: Irineu Santiago

“Diante de tantas incertezas, a postura deve ser a mais clichê possível: encarar a crise como oportunidade. Com a nova onda do comércio online e dos aplicativos que substituem intermediários em todas as áreas de negócio, o mercado dos livros não tem outra opção que não seja se remodelar e evoluir.” O conselho de Eduardo Krause, escritor gaúcho publicado pela editora Dublinense, perpassa por algo fundamental: a reinvenção da figura do autor. E como explica Maílson Furtado, poeta do Ceará que surpreendeu o país porque seu livro independente “À cidade” ganhou o Prêmio Jabuti para Livro do Ano 2018, se reinventar significa tanto encontrar novas expressões para seu próprio trabalho quanto promover debates no mercado. “O autor independente é um ator e um ato de resistência no/ao establishment, e a partir disso sempre teve de pensar e aplicar ações para simplesmente apresentar-se enquanto artista. Vejo que este autor deve sempre estar se reinventando (tanto quanto artista, como produtor de seu próprio trabalho) e buscar parceiros que podem fazer parte ou não deste mercado, e sempre propor novas discussões sobre tal tema, necessário a todos.” 

Ao pensarmos o escritor independente como um ato de ‘resistência ao establishment’, encontramos outra explicação para o momento de baixa no mercado literário nacional. “O mercado editorial se interessa pelo lucro, pelo retorno garantido que só nomes consagrados ou outros tipos de livros oferecem. Dificilmente alguém ainda desconhecido, por estar em começo de carreira ou por não viver nos grandes centros, desperta o interesse desse mercado. É esse mercado que está em crise”. São as palavras da escritora piauiense Sérgia Oliveira Alves. A autora desvincula Literatura de mercado literário para deixar claro que a vocação prevalece acima dos altos e baixos mercadológicos. “Normalmente, quem se assume como escritor é porque descobriu que escrever é o que lhe faz viver, e isso o impulsiona a escrever em quaisquer condições. De posse desse trabalho, é procurar meios de levar ao outro. Hoje isso significa construir espaços, redes de contato e não ficar esperando ‘ser descoberto’ por um grande editor.”

  “O autor independente é um ator e um ato de resistência no e ao establishment, e a partir disso sempre teve de pensar e aplicar ações para simplesmente apresentar-se enquanto artista –  Maílson Furtado, escritor

A construção de espaços citado por Sergia Oliveira Alves perpassa por uma ferramenta fundamental ao autor independente: a internet. O ambiente online aproxima escritores e leitores, e a autora piauiense Lorena Nery dá exemplos de como usar isso em favor do trabalho literário. “As lives na internet ajudam muito a criar uma proximidade com as pessoas que acompanham o trabalho e fotos conceituais dos livros também causam boa impressão. Outras boas práticas incluem estar disponível para responder os comentários e mensagens, fazer parcerias com os influenciadores digitais; tudo isso pode ser uma boa maneira de manter a rede social atualizada.” Esse espaço sem fim criado pela rede mundial de computadores, para Eduardo Krause, é o que justifica o conceito de “independente” no século XXI. “Hoje em dia, com a fragmentação da comunicação, todos temos a possibilidade de colocar a mão na massa e divulgarmos nossos próprios livros. Podemos contar com e-mails, ferramentas de pesquisa, redes sociais e suas ferramentas de propaganda, e promover nós mesmos nossa comunicação. É a verdadeira independência. Fico imaginando a solidão dos escritores de antes dos anos 2000.” 

André Luis Mansur, escritor independente carioca, também compara a revolução da rede mundial de computadores, mas como remanescente dos anos 1990. “Muita coisa melhorou em relação aos anos 90, quando comecei a trabalhar no jornalismo literário e a enviar originais para editoras. Tivemos um crescimento muito grande de feiras e eventos literários, assim como de prêmios, além de uma quantidade bem maior de editoras. A postura de independente hoje é aproveitar o momento e sempre usar a internet.” O escritor baiano Itamar Vieira, publicado pela editora Mondrongo, também chama atenção para o crescimento de espaços físicos, complementares ao online, de união entre autor e leitor. “As feiras literárias têm se consolidado por todo o país, os clubes de leituras, estão bem com o comércio direto de livros para os leitores, além das pequenas e médias livrarias que não parecem ter tido um ano tão ruim. Acho que o mercado livreiro irá se ajustar com criatividade.”  

Reivenção, criatividade, postura na internet; escritores independentes querem mostrar o seu trabalho da melhor forma possível. Consequentemente, é importantíssimo discutir outro tópico: o aperfeiçoamento. Para Maílson Furtado, Prêmio Jabuti também como melhor livro de Poesia de 2018 com “À cidade”, a melhora na escrita é um processo individual e contínuo, e os prêmios literários recompensam a jornada percorrida. “O aperfeiçoamento da qualidade literária a meu ver, é um processo autodidata: a busca por leituras pontuais, construções atualizadas, interação com pessoas e artistas da área – é algo necessário. A importância dos prêmios literários surge dentro desse processo como um coroar de um trabalho, um abrir de janelas para novas possibilidades.”   

Quando o texto é finalizado para publicação, em segundos o livro deixa de ser do autor e se torna dos leitores. Logo o escritor independente tem que estar preparado para críticas positivas e negativas. “Quando escrevemos e publicamos estamos dando ao leitor o direito de gostar ou não daquele trabalho. Isso é legítimo. O livro não é mais tão seu, ele passa para um domínio onde você não tem tanto controle. Por isso encaro a crítica negativa de forma muito tranquila, se ela se ativer à obra.” Explica o escritor Itamar Vieira sobre as reações quanto ao seu trabalho. Ele complementa que o essencial, na construção de público e crítica, é que o autor saiba enxergar a linha mestra da sua escrita. “O primeiro compromisso que devemos ter é conosco: ter um projeto literário que pode se consolidar ao longo do tempo, não ter pressa para publicar, compreender que tudo tem tempo para amadurecer. A partir dessas premissas, seu trabalho, certamente, vai conquistar um público.”  

A conquista do público pode acontecer a qualquer momento. Pensando nisso, André Luiz Mansur desenvolveu um serviço intitulado book-bike para entrega de seus livros nas proximidades de onde mora. “Pedalo todo dia no meu bairro, Campo Grande, na zona Oeste do Rio de Janeiro, e constantemente levo livros para as pessoas que querem comprá-los. Também gosto de me intitular ‘mascate literário’, pois sempre carrego livros na mochila não só para eventos, mas também para qualquer ocasião onde possa ter alguém interessado em um livro meu.” 

O escritor independente pede passagem trabalhando junto com as editoras na produção e venda de seus livros. Contudo, como alerta Lorena Nery, ainda há um tratamento inferior desse profissional quando comparado a outro autor de uma grande editora. “Ainda é necessário evoluir no quesito respeito aos autores independentes. Nos eventos literários de grande porte, os curadores e organizadores geralmente oferecem tratamento diversificado aos profissionais que já possuem suporte das grandes editoras e esquecem de quem se dedica aos processos de produção de forma independente. Aqui incluímos também a falta de valorização de escritores locais e ainda a ausência de um espaço igualitário para a produção literária de mulheres.” A denúncia da autora piauiense deve fortalecer o princípio de que apenas com a união de editoras e autores de todos os níveis e demais agentes do mercado literário iremos alcançar uma pátria de leitores.  

 

Ilustração: Irineu Santiago

 

Prêmios Literários para autores independentes  

Uma forma de reconhecimento pelo trabalho é ganhar um prêmio literário importante. Premiações podem impulsionar um novo autor, torná-lo conhecido e dar prestígio ao seu trabalho para alcançar mais leitores. Há dois tipos de concursos: para publicações inéditas e outros para textos já publicados (atenção na leitura dos editais, pois há variações até dentro do mesmo prêmio), e são oferecidos, em geral, por grupos culturais, secretarias de cultura das cidades e empresas. 

Os principais concursos literários do país são: 

Prêmio Sesc de Literatura – Inscrições gratuitas. Completou 15 anos em 2018 e acontece anualmente. Recebe originais inéditos nas categorias Conto e Romance, contudo, o autor não pode ter outro livro publicado na categoria em que ele compete. As inscrições começam em janeiro de cada ano pela internet, no site: www.sesc.com.br/portal/site/premiosesc Os ganhadores são publicados pela editora Record e participam de um ciclo de palestras e feiras/festas literárias por todo o país.  

Prêmio Biblioteca Nacional – Inscrições gratuitas. Destinado a livros publicados no ano anterior à premiação.  As inscrições começam geralmente em junho de cada ano e o prêmio contempla as seguintes categorias: poesia, romance, conto, ensaio social, ensaio literário, tradução, projeto gráfico, literatura infantil e literatura juvenil. Em algumas categorias é necessário enviar o livro para avaliação, em outras todo o processo é feito pelo site www.bn.gov.br/explore/premios-literarios/premio-literario-biblioteca-nacional. O concurso paga R$ 30 mil ao primeiro lugar de cada categoria. 

Prêmio Paraná de Literatura – Inscrições gratuitas. Em 2018 o prêmio completou sua quinta edição. Premia livros inéditos em três gêneros: romance, contos e poesia. O processo é todo feito pelo site da Biblioteca Pública do Paraná, em www.bpp.pr.gov.br. As inscrições começam em maio e o(a) vencedor(a) de cada categoria recebe R$ 30 mil e o livro é publicado pelo selo Biblioteca Paraná, com tiragem de mil exemplares. 

Prêmio Jabuti – Inscrições pagas (valor oscila) – Prêmio concedido pela Câmara Brasileira do Livro desde 1958. Em 2018 houve 18 categorias (a cada ano há mudanças) e é o concurso mais importante do país. Podem concorrer livros publicados no ano anterior à premiação, inclusive edições independentes custeadas pelo próprio autor. As inscrições costumam ser abertas em maio e, em 2018, o prêmio informatizou-se, com mais dados no site www.premiojabuti.com.br. Em 2018 também houve mudança na premiação, apenas o primeiro lugar é premiado com o valor de R$ 5 mil e o vencedor do Livro do Ano, onde concorrem todos os vencedores, R$ 100 mil. 

Por conta da diminuição da verba de cultura de várias cidades e o congelamento dos investimentos em Cultura no Governo, alguns prêmios são descontinuados. Para saber quais concursos literários estão em vigor atualmente, acesse o blog concursos-literarios.blogspot.com.br que agrega todos os concursos no Brasil e prêmios em países lusófonos. Há também informações sobre revistas de literatura que recebem material para publicação.  

 

Publicada na Revestrés#39 – janeiro-fevereiro de 2019.