O Fantástico Mistério de Feiurinha, A Droga da Obediência, O Valente da Calça Molhada, O Primeiro Amor de Laurinha, Cavalgando o Arco-íris, A Marca de uma Lágrima… Quem nunca ouviu falar de pelo menos um desses títulos escritos pelo escritor Pedro Bandeira? Parte da jornada literária de muitos leitores brasileiros passa, pelo menos, por uma obra sua. O autor, hoje com 73 anos, é lembrado como um dos grandes nomes da literatura infanto-juvenil brasileira.

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Foto: Rubens Romero

Pedro Bandeira possui uma incrível capacidade de transpor os mais diversos sentimentos humanos para as páginas dos livros em narrativas ágeis e cheias de suspense. Tal característica, aliada ao seu conhecimento de técnicas especiais de leitura, da qual tem especialização, já lhe renderam mais de cem livros publicados e cerca de 30 milhões de exemplares vendidos em três décadas de carreira. Só da sua obra mais famosa da série Os Karas, A Droga da Obediência, são dois milhões de exemplares vendidos desde o lançamento pela Editora Moderna em 1984.

Para comemorar os 30 anos da série, Pedro lançou no ano passado o sexto livro – A Droga da Amizade. Neste volume, Crânio, Chumbinho, Calu e Magri, detetives juvenis, retornam em uma narrativa que resgata o início do grupo. Toda uma geração de leitores foi formada acompanhando as aventuras dos garotos que solucionavam mistérios, ao mesmo tempo em que tratavam de assuntos como neonazismo, AIDS e ecologia. Os tempos são outros, os temas se ampliaram e Bandeira continua a conquistar leitores pelo país. Agora bem mais do que antes com livros, palestras e programas de incentivo à leitura, em parceria com as escolas brasileiras. Em conversa com a Revestrés ele fala, dentre outras coisas, da alegria de retomar a saga e o que pensa sobre os novos autores juvenis. Confira!

Por que dar continuidade à série Os Karas?

Desde que a primeira aventura foi publicada, “A droga da obediência”, em 1984, venho recebendo muitas cartas (agora só e-mails…) pedindo mais aventuras com os Karas. Assim, cedendo a essas reivindicações, ao longo dos anos lancei “Pântano de sangue”, “Anjo da morte”, “A droga do amor” e “Droga de americana”. Mas o tempo ia passando, o século XXI se aproximava, os progressos tecnológicos iam se avolumando e eu cheguei à conclusão de que não mais era possível escrever novas aventuras com esses garotos. Afinal, quando eles estrearam ainda não havia telefone celular, computador, videogame, Internet, Google, Facebook… Como escrever mais uma aventura sem que eles se utilizassem desses recursos modernos? E, se se utilizassem, eles não mais seriam os mesmos, seriam? Mas não teve jeito: a insistência avassaladora de meus leitores me provou que esses personagens já não eram mais meus, pertenciam a milhões de brasileiros que com eles sonhavam, com eles se identificavam, e eu não mais tinha o direito de me sentir “dono” dos Karas. Assim, fiz aquilo que os próprios Karas exigiam: continuar existindo, lutando pela honra, pela honestidade, pela ética, pela cidadania, com a coragem e a determinação que são os sentimentos arraigados no íntimo dessa maravilhosa juventude do meu Brasil.

Meus livros refletem as emoções das crianças e dos jovens, apoia esses sentimentos. Não trazem conselhos, não procuram fazer a cabeça dos jovens – são leituras íntimas e livres

O senhor é um dos autores de literatura infantil que mais vendem livros no Brasil.  A que atribui todo essa conquista num país em que a leitura não é uma prática comum entre os jovens?

De agosto de 1983 a dezembro de 2014 meus livros haviam vendido somente 13 milhões de exemplares para o mercado aberto, além de outros 11,5 milhões comprados pelo governo para distribuição a bibliotecas escolares. Assim, são 24,5 milhões. Continuando a resposta por partes, creio que a aceitação de meus livros se deve a dois fatores: eles refletem as emoções das crianças e dos jovens, apoiam esses sentimentos, e por outro lado não trazem conselhos, não procuram fazer a cabeça dos jovens – são leituras íntimas e livres. Suas páginas são espelhos nas quais meus leitores veem-se refletidos. E, por fim, a leitura é sim uma prática cada vez mais comum entre os jovens: pesquisas recentes mostram que a média de leitura dos adultos do Brasil é de apenas 1,3 livros por ano, enquanto a dos jovens e de 3,3! Quase a média de países do 1º mundo, como a França, onde essa média é de 4,4. E essa gente maravilhosa está lendo cada vez mais devido ao trabalho fantástico de autores como Marcos Rey, João Carlos Marinho, Odette de Barros Mott, Ganymedes José, Ruth Rocha, Ziraldo, (eu!) mas, principalmente, graças ao trabalho fabuloso que as professoras brasileiras vêm fazendo nas últimas três décadas. Sem elas, não haveria Brasil.

Especialista em letramento e técnicas especiais de leitura, pergunto ao senhor: há uma forma correta para se ler?

Por prazer, só por prazer. A leitura de ficção é feita para falar com os sentimentos humanos, para ajudar as pessoas, para diverti-las, para preencher seus momentos de solidão, de dúvida, de ansiedade. Nunca li para “ficar inteligente”; sempre li para me divertir. É que eu não sabia que essas leituras, através do prazer, estavam me construindo.

De autor juvenil à literatura infantil. Como lidar com esses dois públicos?

Do mesmo modo de você faz para adequar o seu discurso de acordo com a idade de seu interlocutor: se você se dirige a uma criança de três anos, você fala macio, sorrindo, com palavras carinhosas e fáceis, não é? Mas, se alguém lhe apresentar o embaixador da Inglaterra, você certamente ficará de pé, fará a cara mais respeitosa que puder e procurará falar com ele com a maior cerimônia e adequação possível. É somente isso que eu faço: se quero que determinada história seja compreendida e sentida por um leitor de seis anos, escrevo para ele como eu falaria com ele, procurando refletir sua maneira de pensar, usar suas limitações vocabulares e coisas assim, ao passo que, se eu dirijo minha história para um adolescente, tenho de adequar-me à psicologia dele, aos anseios dele, a seus sonhos, tratando com o maior respeito possível a sua maneira de ser e de pensar.

Aos 73 anos o senhor é um autor atento as inovações na comunicação e usa ferramentas como o facebook para se aproximar dos seus leitores. Como tem sido esta experiência?

Na verdade os progressos tecnológicos pouco influem na criação literária. A Literatura, desde seu nascimento, desde “A ilíada” e “A Odisseia”, trata da essência do ser humano, de suas emoções, sentimentos, aspirações, medos, esperanças. Tanto uma peça de teatro como “Hamlet”, que já tem 400 anos, quanto um romance como “Dom Casmurro”, que tem 150, ou como “Cem anos de solidão”, que já tem quase 50 anos, continuam vivos, válidos, reveladores, atuantes como se tivessem sido lançados ontem. Para mim, porém, como pra todo mundo, as inovações recentes tornaram-se tão necessárias e indispensáveis como o oxigênio. O que eu faria sem um computador? Sem e-mails? Sem o Google? Acho que eu choraria.

Se um bebê adormeceu ouvindo acalantos pela voz da mamãe, se logo ouviu histórias de fadas para dormir, se foi posto no colo pelo papai que lhe mostrou as figuras de um livrinho enquanto lia para ele, certamente já chegará leitor na escola.

O que acha de obras como Crepúsculo e Harry Potter?

A saga “Crepúsculo” não li, por que ela se dirige a uma faixa etária um pouco superior àquela com a qual dialogo, que se encerra aí pelo fim do Ensino Fundamental, enquanto essa saga procura interessar ao jovem adulto, aquele que já está no Ensino Médio e até um pouco além. Mas o Harry Potter eu adoro! Essa escocesa J.K. Rawlings é demais! Eu adoraria ter uns 10 anos pra poder mergulhar nessas histórias!

Qual sua opinião sobre os novos autores juvenis, como Thalita Rebouças?

Infelizmente não posso conhecer todos os novos autores juvenis. Alguns, até por amizade e proximidade, acabo conhecendo e curtindo bastante, como o Luiz Antônio Aguiar, o Leo Cunha, a Rosana Rios. Mas a Thalita eu conheço. Gosto demais! Ela conseguiu uma proximidade com o leitor que chega a ser revolucionária, mas infelizmente inimitável. O que ela faz é propriedade dela, é verdade por ela descoberta. Torço por cada vez mais sucesso para ela. Agora, tenho a certeza de que, na juventude, ela foi minha leitora. A Thalita Rebouças é uma Kara de verdade!

Quem lhe influenciou na literatura?

Todo mundo! De Lobato a Mark Twain, de Machado a Fernando Pessoa, de Shakespeare a Dostoievsky! De Tolstoi a Alexandre Dumas! De Robert Louis Stevenson a Edgar Rice Borroughs!

De onde veio a inspiração para tantas histórias?

Dos lugares que eu citei acima: das emoções humanas, de suas esperanças, de seus medos, de suas alegrias, de suas dores. E até de seus defeitos, de suas invejas, de seus ciúmes, de suas traições, de suas vergonhas, de seus preconceitos. Basta olhar ao lado: se você prestar atenção, lá está uma nova ideia a ser desenvolvida para um livro, para um quadro, para uma música, para uma peça de teatro, para um filme.

Como conquistar quem não gosta de ler?

Bom, este é o tema que eu pesquiso e desenvolvo já há 40 anos. É o conteúdo que eu apresento e discuto com professores em minhas palestras. Por isso, seria impossível eu resumir tanta coisa, tantos anos de estudos e pesquisas em apenas uma curta entrevista. O que posso adiantar é que o contato com os livros, com as histórias, com a música, é uma tarefa da família. Se um bebê adormeceu ouvindo acalantos pela voz da mamãe, se logo ouviu histórias de fadas para dormir, se foi posto no colo pelo papai que lhe mostrou as figuras de um livrinho enquanto lia para ele, certamente já chegará leitor na escola, certamente já terá desde o berço se iniciado na escalada da longa escada que leva à leitura, ao conhecimento, à arte, à liberdade. Quando isso não acontece (e infelizmente isso ocorre na maioria das famílias brasileiras) a criança chega à escola muito zerada em relação a quase tudo. Aí, as professoras fazem de tudo para compensar essa defasagem, felizmente. Mas uma professora, por mais carinhosa que seja, não consegue pôr no colo 30 crianças ao mesmo tempo, não é? Isso é obrigação da família. Mas elas tentam, lá isso tentam! E muito têm conseguido. Benditas professoras, tão mal pagas, tão pouco respeitadas neste Brasil. Mas isso há de mudar, ah, isso há de mudar!

O senhor se considera um grande escritor?

Eu não! Sou baixinho, meço apenas 1,68. Grande escritor é o Ricardo Azevedo, que mede quase dois metros!

 

(Publicada na edição #19)