Químico industrial por formação na Escola Politécnica de Minas Gerais, fotógrafo autodidata e artista visual dos mais respeitados do Brasil, Eustáquio mistura tintas e objetos do cotidiano a papéis fotográficos, fixadores, memórias, críticas sociais e uma luta constante para, pela sua arte e postura como artista, resgatar e mostrar a força da identidade negra e de seus antepassados.

Quem vê a obra marcante e eloquente de Eustáquio Neves antes de ser apresentado a ele dificilmente irá reconhecê-lo no homem de voz mansa, frases curtas, gestual tranquilo e ar visivelmente “mineiro”. Mas está tudo ali: sob camadas que vão se desvelando aos poucos, Eustáquio e a sua produção vão se confundindo e mostrando força e vigor, em meio a histórias de viagens e de vida.

Em sua casa, em Diamantina, na rua batizada por ele e com nome aceito pela prefeitura como Arthur Bispo do Rosário, Eustáquio vive em meio à natureza exuberante e seus pincéis, negativos, câmeras, livros e lembranças. Do coração do Jequitinhonha parte, para todo o mundo, Àfrica, Europa, América do Sul, uma das obras mais premiadas e instigantes das artes visuais do Brasil. E, desse canto que é vários lugares ao mesmo tempo, Eustáquio Neves falou com Revestrés.

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Seu trabalho é marcado por questões de identidade e resgate de visibilidade histórica. Qual é a importância da arte para a afirmação de valores e reconfiguração social?

Eustáquio Neves – Com a arte você pode elitizar ou democratizar a informação, eu uso a segundo opção. A partir do momento em que percebi que o meu trabalho me dava o poder de falar com um número maior de pessoas, além daquelas que tinham acesso às minhas gavetas, não parei. E cada vez mais o que eu tenho feito é ressignificar e compartilhar as minhas inquietações.

Outra característica de sua obra é a organicidade, seu trabalho mistura técnica fotográfica, utilização de materiais alternativos e orgânicos.Como você vê as possibilidades abertas pela tecnologia no processo criativo e que tipo de problemas ela pode desencadear nesse processo?

EN – O maior problema é como lidar e se apropriar das novas e até mesmo das velhas tecnologias. Gosto do trânsito entre elas, sempre me fascinei pelo fato de eu poder subvertê-las.

Você postou nas redes sociais uma foto onde segurava um violão, e disse que ele foi seu companheiro até os 23 anos, quando descobriu a fotografia. Existe um momento em que o artista se descobre artista?

EN – Eu sempre fui uma criança muito inventiva, que gostava de construir os próprios brinquedos. Aprendi a tocar violão, aprendi a dirigir carros e a fotografar praticamente sozinho. Já transitei por outras expressões artísticas, mas foi na fotografia o ambiente mais confortável que encontrei para me expressar. E, em um momento propício, eu tinha uma grana e tinha tempo. Isso, claro, não serve como regra. Acho que cada um tem o seu momento.

O que seria o principal requisito para alguém que se pretenda um artista?

EN – Antes de qualquer coisa, respirar arte. Buscar informação e ir à luta.

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Como você vê o mercado da arte contemporânea e da fotografia em tempos em que a Internet derruba qualquer limite de reprodutibilidade de imagens e circulação dessas imagens pelo mundo? A facilidade em ver/adquirir cópias influencia hoje na definição dos preços?

EN – Uma coisa é o mercado e suas regras, e a ética de cada artista. A internet, com sua circulação das imagens, é um meio, um caminho mais ágil a favor do artista e, de certa forma, facilita o acesso à arte e democratiza a informação. Eu acredito que são duas coisas diferentes, quando você trabalha com cópias limitadas, numeradas e assinadas a oferta de trabalhos na rede não interfere nisso. Mesmo os colecionadores, quando buscam obras pela internet, fazem questão de obras certificadas. [Quebra da Disposição de Texto]Vejo a facilidade da aquisição de obras baratas pelas redes ou fora dela como uma democratização no consumo de obras de arte. Mas não é o mesmo público que consome Adriana Varejão, por exemplo. Acho que isso não influencia na obra de artistas já estabelecidos no mercado,

Você vive há vários anos em Diamantina, interior de Minas Gerais. É possível para um artista iniciante de fora dos “grandes centros” ter seu trabalho conhecido e, em especial, reconhecido pelo mercado de arte?

EN – Sim e, descobri isso desde o começo quando eu ainda só contava com o serviço de correios convencional, o telefone fixo e o fax. Hoje temos a internet que encurta qualquer distância. No mais você precisa mesmo é ter um trabalho de fato, ou seja, aquele trabalho em que você acredita.

(Matéria publicada na Revestrés#24 – Março/Abril 2016)