“Eu era a Alzirinha que cantava suave, delicado. Agora canto porrada e só recebo carinho.” – diz Alzira E no tocante documentário Aquilo Que Eu Nunca Perdi. Dirigido por Marina Thomé, o filme foi lançado no primeiro semestre deste ano e ganhou o Prêmio do Júri no 13º In-Edit Festival Internacional do Documentário Musical.

A obra é uma imersão na intimidade de Alzira Maria Miranda Espíndola: a infância no Mato Grosso do Sul, a incrível família artística, sua história entre o Pantanal e São Paulo, os filhos, além das parcerias musicais com Almir Sater, Itamar Assumpção, Alice Ruiz, Luhli, Lucina, Ney Matogrosso, Tetê e os irmãos Espíndola, Arrigo Barnabé, Tiganá Santana e outro sem número de gente. Por isso mesmo ela assina Alzira E – esse “E” existe como conjunção aditiva, unindo pessoas, pois temos, a cada instante, Alzira “E” mais alguém.

Cantora, compositora, produtora, diretora artística, desenhista, violonista, baixista, Alzira é uma grande intérprete brasileira com uma vasta discografia. Com o documentário, agora sabemos que ela ainda guarda um baú, alimentado por décadas, com incontáveis canções inéditas. O que vamos ouvir de lá?

Fazendo um paralelo com as ideias de Stefano Mancuso, fundador da neurobiologia vegetal, é nítido que Alzira leva consigo a “metáfora das plantas”: compõe música e vive numa estrutura de cooperação, distribuindo belezas, sempre surpreendendo.

Em nosso encontro por vídeo, entre uma cachacinha e um cigarrinho, ao lado do seu gato Tapume, ela respondeu a tantas questões! E questionou tantas respostas! O resultado é esta conversa-ensaio: fluente, caudalosa, profunda, simbolizando o rio da existência.

Foto: Marina Thomé

Thiago E – Que história é essa de você não gostar de sonhar? Por que todo sonho é pesadelo?

Alzira E – (risos) Não sei. Eu sonho muito pouco. Prefiro não sonhar. Eu tenho um costume de acordar e não lembrar do que sonhei. Às vezes eu lembro que sonhei, mas não o quê. E justo quando lembro que sonhei, é pesadelo. É sempre um negócio aflitivo, um negócio que não cabe. Ano passado, um sonho recorrente, que pra mim era pesadelo: eu estava em lugares aglomerados e sem máscara. Desesperada, puxando a blusa, inconformada de estar ali sem máscara. Sonhei isso várias vezes. E acordo assim agitada. Pra mim, sonhar é isso, é acordar agitada. Daí eu lembro do sonho. Se não, não lembro. Ou considero que não sonho.

Você não gosta nem de saber dos sonhos dos outros…

Ah, não gosto. Esse da máscara é engraçado, né? Porque não sou só eu, deve ter um monte de gente sonhando com isso. É o que fica emergente na nossa cabeça. Não gosto de sonhos não. Pessoas que sonham comigo, querem contar os sonhos, eu tenho medo. Não gosto (gargalhadas). Logo disfarço e vou entrando em outro assunto. Não quero saber que sonharam.

Alzira, isso é muito interessante porque as pessoas valorizam o sonho. Ainda mais depois de Freud, com A Interpretação dos Sonhos. E você fala: “não gosto de sonho” (risos). De onde vem isso? É de criança?

Eu fiquei traumatizada com meus pesadelos de criança. Acordo cansada quando sonho. O bom descanso mesmo é quando não sonho. Ou quando nem chego a lembrar do sonho, entendeu? Porque eu acordo sempre com um cansaço. Parece que eu não desliguei. E tá, eu até acredito também que sonhos possam trazer muita informação, dialogar com nosso emocional, com nosso kármico. Não que não acredite nisso. Mas não me peça pra trabalhar isso aí que não vou dar conta. Eu fiz muitos anos de análise e ele sabia disso. Então já nem botou o exercício de eu contar sonho. Porque falei pra ele: “Eu tenho esse problema. Não gosto”. Eu sonho acordada mesmo. Com certeza, boa parte da minha cabeça, durante o dia, sonha. Acho que é por isso que não aguento sonhar à noite (risos). Já ficou o dia inteiro sintonizada num pedaço que está num outro lugar. Acho que é a música que faz isso comigo. Estou sempre sintonizada com uma área que não é essa área prática da vivência diária. É uma área talvez de fomentos, de fragmentos musicais, versos e coisas que ficam pairando até o momento em que você possa “pairir” (risos).

Você começou a tocar com 11 anos, em 1968. Como foi sua infância na família Espíndola, essa família de músicos?

Nossa! Humberto é artista plástico, o mais velho da família. Valquíria é minha irmã que não está nessa área. Sérgio é músico e começou a tocar muito cedo. Geraldo foi o primeiro a compor na família. E foi um pai, mago pra todos nós porque nos ensinava. A gente ficava muito olhando ele cantar as músicas que fazia. Geraldo é o papa. E aí a Tetê, que começou a cantar muito cedo. Já tinha aquela voz maravilhosa desde os seis anos de idade! Cantava Rita Pavone, fazia showzinho. Mamãe tinha essa mania de reunir os filhos. Acabava a energia elétrica na cidade e ela tinha que fazer alguma coisa com aquela turma, né? Celito ainda não sabia tocar, mas já apreciava Geraldo tocar. Era uma mistura. Era divertido. Com isso, fui aprendendo. Com 11, 12 anos, que cê começa a sair com sua turminha, aprendi a tocar guarânia e polca paraguaia. Eu ia muito nas fazendas do Pantanal… E foi nessas festinhas que conheci o Almir [Sater]. A gente já ficou amigo nessa época. Eu tinha uns 12 anos. Depois só fui encontrar com ele uns sete anos depois. Ele já era um violeiro tentando seu caminho. Ele também veio pra São Paulo e a gente se encontrou no tempo do [LP] “Tetê e o Lírio Selvagem” aqui.

Foto: Marina Thomé

Sua mãe, Alba Miranda Espíndola, foi a primeira cantora na família e teve um papel fundamental na vida de vocês, né?

Desde pequenininha, que eu me lembre, ela já junta os filhos pra fazer showzinho. E Alba cantava muito pra gente. Cantava os sucessos da rádio: Lupicínio Rodrigues, Francisco Alves, Elizeth Cardoso, Lamartine Babo, Noel, Maysa, Ângela Maria. Cantava as músicas que essas mulheres apresentavam na época. E às vezes até o lado b. Ela tinha esse ouvido, de não ficar presa só naquele sucesso radiofônico. Ela tinha curiosidade… Tinha muita animação, muito carisma, muita alegria. Era muito amiga, sabe? Ela era muito aberta.

E ela ficava amiga do povo de circo que chegava?

Ficava. A gente morava num bairro mais afastadinho do centro. Tinha um campo, desses vazios, que vivia lá, cercadinho. Os circos alugavam aquele campo, eu acho.

O filme veio abordar uma protagonista mulher, uma protagonista mãe, uma protagonista brasileira, de uma família brasileira, no seio de uma família artística.

Qual era o bairro?

Amambaí. E o circo, onde que ficava? Justo em frente da nossa casa. Em frente! Às vezes tinha que ir uma estaca até lá na nossa calçada. Você ficava até sem rua, mas tudo bem. Tinha circo que pedia autorização pra ocupar a rua, mas dava passagem aberta pra gente durante toda a temporada. Esse circo, em especial, nós ficamos tão íntimos… A mamãe fazia amizade com as dançarinas, com as malabaristas, trapezistas, e até o domador. E o domador ia em casa com a chimpanzé do circo. A chimpanzé era louca pela minha mãe! Louca, louca, louca! Não podia ver minha mãe que queria pular no colo dela. Mas sabe o que minha mãe fazia? Levava a chimpanzé pra penteadeira dela e deixava mexer na maquiagem. A chimpazé ficava louca! Mexia no batom, com brinco, colar, ficava se olhando no espelho, se arrumando (risos). É demais! Até fugiu uma vez do circo pra ir lá em casa (risos)! Muita história.

Como foi ver a sua trajetória no documentário Aquilo Que Eu Nunca Perdi?

É difícil, né? Primeiro, é muito emocionante. Mesmo porque eu não opinei em nada no roteiro, nem na direção. Dei carta branca pra ela [a diretora Marina Thomé] fazer o olhar dela. Achei que ela deu um peso, um equilíbrio em tudo, tanto na vida como na obra. Nunca vai ter tudo. Mas acho que o olhar dela, a partir do momento em que ela sustentou toda a parte profissional em cima de uma coisa muito pessoal, que é a minha vida, o jeito que ela vem sendo levada, acho que esse olhar dá uma ideia geral muito profunda da minha vida e da minha obra. O filme veio abordar uma protagonista mulher, uma protagonista mãe, uma protagonista brasileira, de uma família brasileira, no seio de uma família artística. Acho pontos fundamentais onde eu desenvolvi minha carreira. Foi difícil. Eu vi a primeira vez, fiquei muito impactada. Chorei. Fiquei muito emocionada. A memória tem um peso. E pra você, que está lembrando, é uma coisa muito íntima. Mas ela usou dessa intimidade sem me expôr. Eu achei isso um primor. Maravilhoso, elegante, sabe? É arte. Porque arte é muito maior que o pessoal. Foi fantástico. Embora não tenha muito a parte da minha parceria com o [poeta] arrudA, que é muito marcante pra mim. Ou mesmo com o Jerry [Espíndola], que é da família com quem eu componho mais. Músicas que eu canto com meu irmão Sérgio [Espíndola], que também não aparecem. Ou mesmo [o show] “Anahí”, que fiz muitos anos com a Tetê.  Mas o balanço de tudo tem. Ela conseguiu dizer que a minha vida é isso: esse fervilhão de gente, de parceiros maravilhosos, e notáveis, e uma vida muito agitada, com muito trabalho a ser feito, com muito trabalho a ser sustentado. Porque são cinco filhos, é uma vida também de mãe, de cidadã brasileira que emergiu da ditadura. Não é fácil.

Eu era jovem, e era bonita. Então tinha muito assédio, opressão de machista. Eu sempre fui muito teimosa. Hoje vejo que muita teimosia valeu a pena. Mas tem outras que não.

O documentário é uma costura de grandes mulheres: você, sua mãe, suas parceiras Alice Ruiz, Luhli, Lucina, suas filhas… Você fala: “ser mulher, eu aprendi desde cedo, que é você lutar sozinha”.

Principalmente na minha época, e na região em que nasci, eu era sozinha ali, entendeu? Fiquei lutando como uma artista. E, você viu, eu era jovem, e era bonita. Então tinha muito assédio. Muito machismo, opressão de machista. Tanto das cidades como das relações pessoais que eu me envolvi. Aprendi isso cedo. Eu tinha vinte e poucos anos e caiu essa ficha. Ou você toma uma conduta muito séria a respeito disso ou você não escapa. Em 1980 a gente estava muito no frescor de uma liberdade que foi gritada pós-ditatura: feminismo, hippismo, todas essas coisas que aconteceram. Só que não! Eram só algumas cabeças, vamos dizer. Era um pessoal que estava vindo pra chocar de frente com uma estrutura que não pensava assim. E muito menos agia. Foi uma época de luta mesmo. E essa luta a gente faz sozinha. Depois que aprendi isso, não teve nada que me oprimisse. Não importava nem casamento, nem cinco filhos, nem dinheiro, nem sucesso. Eu sempre fui muito teimosa. Hoje eu vejo que muita teimosia valeu a pena. Mas tem outras que não.

Você tem algum cuidado diário com a voz?

Tenho. Não é diário, mas é sempre. Faço aquecimento vocal e relaxamento de toda essa parte da cabeça, do pescoço, dos ombros. A postura também: quando você faz um alongamento, você fica mais inteiro, sem fechar canais que você pode precisar pra cantar. Músculos também mais flexíveis do diafragma, e com força. Você tem que alimentar esse músculo, manter ele firme pra ele não te largar na mão quando cê precisar do apoio dele pra dar uma nota que, às vezes, é mais difícil. Religiosamente, antes de shows, tenho que fazer um alongamento e um aquecimento pra eu me sentir solta.

Há algo da cultura indígena no seu trabalho musical?

Algo me diz que tem algumas coisas. Já refleti sobre. Tipo ritmos, melodias. Os Terenas são muito melódicos na música deles. Os Guaranis têm muita melodia nos cantos, nas rezas, nas danças. Acho que tem mais peso por esse lado do que por uma “raiz brasileira”, como se fala excluindo os índios. Porque raiz brasileira tem que ter índios. Mas nem sempre foi assim na visão, vamos dizer, da Música Popular Brasileira. Trago essa questão porque nunca me senti tão dentro da Música Popular Brasileira. Por que não? Talvez seja aí a questão.

Talvez pelo conceito de “Música Popular Brasileira” que difundem.

É. Fico vendo agora, que eu tenho bastante estrada, que tem uma barreira aí da minha música popular brasileira com a Música Popular Brasileira (risos). Talvez seja pela parte indígena: onde os ritmos acompanham mais o verbo, onde a melodia é inusitada porque tem mais a ver com a natureza, com o rio que corta, com os bichos.

E até pelo vocabulário, quando pegamos gravações que você fez com a Tetê, há muitas palavras indígenas.

A primeira língua que eu ouvi depois do português, com certeza, foi guarani. Não tenho a mínima dúvida. Talvez até isso também seja uma trave pro meu inglês que não anda.

“Alzira E” é sempre Alzira “E” mais alguém. Da sua ida pra São Paulo com o Almir Sater, depois você começa uma grande parceria com Itamar Assumpção.

Almir me trouxe pra um trabalho específico. A gente ia tocar e deu ênfase à viola. A principal coisa era a viola de 10. O meu violão era em função daquela viola. Consequentemente, minha voz andava nos vocais daquelas canções. Mas, enquanto acontecia o trabalho, o ganha-pão, mais que isso, porque existia toda uma dedicação, um entendimento, uma afinidade de nós dois, eu continuei compondo coisas e agregando aprendizados na minha composição. Tanto pelo lado da viola, mas eu já tinha feito música com o Arrigo Barnabé antes. Na minha composição, ficava andando paralelo. Não importava se eu estava fazendo um som rural, ou de raiz, ou caipira. Ao mesmo tempo, eu estava fomentando outras composições, esse outro lado. E assim eu fui atrás do Itamar em 88. Ele me chamou, eu e a Tetê, pra gente gravar “Adeus Pantanal”. Dali pra diante, fizemos uma temporada de parceria. Fizemos muitas músicas. Passei a trabalhar com ele. Em 90, viajei pra Europa com ele. Fui pra Alemanha, Suíça, Áustria, fizemos show em lugares incríveis! Com muito público! É impressionante como a música do Itamar chegava! Mesmo sem ter nenhuma palavra em inglês, chegava (fala com ênfase)! Assim mesmo a gente fazia uma música em inglês e o pessoal delirava. Mas era inglês com sotaque guarani.

Das parceria com Itamar, quais músicas foram mais significativas pra você?

Pra responder isso, eu fiz o disco “O que vim fazer aqui”. São as músicas com o Itamar que dei mais destaque. Incluindo “Sei dos caminhos”, que não é minha, mas foi um destaque pra mim. E “Tristeza não”. Nesse álbum, consegui pôr o que tinha. Ainda tem umas coisinhas inéditas que, em breve, podem ser destaque pra mim. Aquele disco todo foi muito gostoso.

E sua parceria com Alice Ruiz?

Alice eu conheci por causa do Itamar. Primeiro, por causa de “Sei dos caminhos”, que eu comecei a cantar. Ela foi ver a gente num show em São Paulo, no Bixiga. Lembro direitinho. Lá a gente se conheceu e já ficamos amigas. Fomos pra casa curtir, tomar uma, e ela me deu o primeiro livro dela: “Navalhanaliga”. Eu já tinha feito “Azeite” nessa época, com Itamar e Jerry, mas o tema era praticamente meu. Então já fiquei ligada. Navalha na liga tinha tudo a ver com “azeite / se me quiser assim / aceite…”. Foi um encontro muito na hora certa. Daí fiz uma música prum “poemínimo” do Navalhanaliga: “um sol menor lá fora si espalha”. Era um desenho feito numa pauta. Aquilo já me inspirou na hora a fazer a música em sol, si, lá. Mas, na verdade, essa música demorou anos pra ficar pronta. Ela só foi ganhar outra parte quando a gente começou a fazer o [disco] “Paralelas”, lançado em 2005. Muito gostoso! A gente pegou parcerias de 14 anos. Quer dizer, hoje já fazem… Eu e a Alice a gente é muito irmã. Tivemos também essas filhas que curtiram uma época muito parecida, mais ou menos da mesma idade. Juntou as filhas do Itamar também, Anelis [Assumpção] e Serena [Assumpção]. Então era uma mulherada! Uma criançada! Foi muito gostoso poder curtir esse tempo com a Alice. Ela é uma mulher muito forte. Muito objetiva. Ela tem uma coisa sólida. Admiro muito a mulher que a Alice é. Eu acho genial, humorada. Sabe entrelinhas. É um tapa na cara. É uma parceira querida. E Lucina, que é outra parceirona de muito tempo já!

Você nasceu no dia 8 de setembro. Fala sobre seu mapa astral.

(risos) Tenho minha astróloga pra ler meu mapa direitinho. Mas, pelo pouco que entendo, eu nasci com o Sol na casa 10. Agora, ele progredido, está na casa 11. Olha só que maravilha! Ele é oposto à minha Lua, que fica Virgem em Peixes. Os dois alinhados em oposição. Eu acho que essa força da Lua na casa 4, que é a casa da família. Essa mãe aí tem uma força, um peso muito grande com esse Sol. Então vejo que meu mapa está certo. Tenho a Lua na casa 4, da família. Eu tinha que ser mãe, e ser mãezona mesmo. Com um monte de gente em volta, minha família toda. E ter o Sol na casa da carreira, que significa ter uma luz ao sol, mas completamente em balanço com essa Lua. Talvez por isso eu consiga ser as duas coisas ao mesmo tempo, sendo que elas são a mesma coisa. Só no equilíbrio, juntas, consegue se mover. E as outras coisas explicam muito cada vez que passa o tempo.

Tudo que você vai vendo com astrologia tem um fundo de verdade óbvio. Você nasceu pra ficar debaixo do céu, então você tem que saber como estava o céu na sua cabeça quando você nasceu, não?

Quais coisas?

Minha Vênus está na casa 11, que pra mim é a casa de Libra. Mas acontece que ela tem uma conjunção com Netuno, que já se encontra na casa de Escorpião, que é a casa 12 no meu mapa. Então tem um peso aí dessa mulher, que significa essa Vênus. Ela tem um entrave. Ela tem esse Netuno aí que confunde tudo, entendeu? Assim eu nasci. Só que depois de 63 voltas, você está num outro lugar. Você progride. Seu mapa é progredido. Já não fazem mais tanto sentido algumas coisas porque já estão sob influência de outros signos. É muito lindo astrologia. Você tem seu mapa de nascimento, mas precisa viver pra você entender esse mapa. Aí quando você entende esse mapa, esse mapa não é mais o seu. Seu mapa já será outro. Acho bem interessante as leituras astrológicas. É questão de ser óbvio. Não é questão de “ah, eu acredito em astrologia”. Não, não é. Tudo que você vai vendo com astrologia tem um fundo de verdade óbvio. Não importa, meu, a hora em que você saiu da barriga da sua mãe, estava assim, assim, assim o céu (risos). Acho bonito ver isso. Você nasceu pra ficar debaixo do céu, então você tem que saber como estava o céu na sua cabeça quando você nasceu, não?

E a casa do “dinheiro”?

A princípio eu não tenho nada na casa 2, 3. Ou mesmo 5, 6, que são casas também ligadas ao dinheiro, ou outros tipos de dinheiro. E o que agrava mais é que minha casa 5 cai em Touro e tenho a roda da fortuna lá. Então, desde a minha primeira leitura, eu sabia que ia ter que trabalhar muito (faz uma pausa). Muito. Quem tem esse detalhe de estar em Touro na casa 5 é muito difícil ter um golpe de sorte, um dinheiro fácil. O dinheiro só vai vir da sua labuta. Já Capricórnio, que é outro que manda bem no dinheiro, é na minha casa 2, e eu não tenho nada… Mas chegou, viu! Chegou. Porque progrediu e eu já estou com coisas na minha casa 2 (gargalhada). Muito massa!

Como é seu processo de composição?

Não sei explicar. Não sei porque meu processo de composição é muito complexo (risos). Sempre acho que fico fazendo coisa numa região da minha cabeça. Só assim explico como é que, em determinados momentos, eu sento e faço. É porque, realmente, em algum lugar da minha cabeça, fica um embrulho, um som, uma ideia. Pra mim é isso mesmo: não é pra chegar no pensamento. Quando chega no pensamento, já está pronto. Não sei nunca que hora vai sair. É meio cuspido, entendeu? Que nem eu peguei sua letra. Cê viu, eu fiquei uns tempos: “É, gostei dessa”. Ela ficou lá naquele lugar na cabeça. Fui sentindo cada vez mais aquele blue. Quando peguei o violão, já cabia.

Como o isolamento na pandemia vem te afetando?

Primeira coisa, já te contei. Começou a me dar aqueles sonhos que eu não suporto. Pra mim, isso já diz tudo. Me afetou! Afeta todo mundo, né, Thiago. Muda sua rotina. A gente isolado aqui vendo essa barbaridade que está acontecendo na desgovernança do país. Isso afeta muito a gente… mas a minha vida prática. Minha vida que, vamos dizer, eu levanto pra viver, não foi afetada. A gente tem que aprender a ter paciência. A gente tem que aprender a ser flexível, a mudar os hábitos, a mudar sua rotina em função do que é melhor. Imagina meu medo. Meu coração pequeno, esmagado, com cinco filhos aí podendo qualquer um pegar Covid. É muito difícil você viver uma situação dessas. Ou mesmo você pegar Covid e morrer disso. É um momento que a coisa vem pra dizer: “Ó, tem um aprendizado aí muito grande”. Você tem que pensar nos outros, você não está sozinho, o mundo é um só. Pra gente, que tem o privilégio de poder manter nosso distanciamento, nossa rotina flexível, nós não somos como a grande maioria. Uma parte das pessoas são pessoas que estão sofrendo muito porque não têm esse privilégio de parar, de ter paciência. Precisa sobreviver e a sobrevivência se tornou um negócio muito difícil com a pandemia… Eu comecei a desenhar. Essa parte foi muito boa pro mergulho interior. Li coisas muito interessantes, nosso querido Ailton Krenak, li os livros dele. São pequenininhos e gostosos e profundos. Aproveitei pra fortalecer essa ideologia espiritual. Eu não faço parte de nenhuma religião, mas tenho espiritualidade. Também li muito sobre isso. Surgiram algumas parcerias.

A gente tem que aprender a ter paciência. A gente tem que aprender a ser flexível, a mudar os hábitos, a mudar sua rotina em função do que é melhor.

Com os encontros suspensos, lembrei de você falando que o palco aflora o seu tesão.

Sim. Eu sinto muita energia e prazer. Energia e prazer. O que é o tesão? Só pode ser isso. E demora pra gastar, entendeu? (risos) Eu fico com a macaca! Três horas da manhã e eu ainda com a macaca. Ligada a mil. E sei lá, é um suor. É um negócio como se fosse mesmo um tesão. Você está com tesão, você tem que malhar o tesão, né? Até ele abaixar (risos). Só foi aumentando essa sensação. Hoje em dia, que faço show do [projeto] Corte, por exemplo, dá meio período aí pra baixar meu tesão. Porque não é fácil. É muita energia que rola. E muita beleza, sabe? Pega no corpo. Tem que pegar.

Irônico que você vinha cantando com a banda Corte e o projeto ter sofrido um corte.

Infelizmente, o Corte sofreu um corte. Mas a gente conseguiu produzir coisas. Nesse ano, com ajuda da Lei Aldir Blanc aqui em São Paulo, a gente fez o projeto “Quintal da Bruxa”, que é um projeto muito ousado. Porque sair com esse nome, numa hora dessas, foi inclusive arriscado.

O que é música pra você?

Eu tenho um conceito. Interno. Mas nunca textualizei. É meio longe, diferente. Eu não sei. Não me atrai muito textualizar. Eu gosto mais da sensação. Uma música, pra mim, ela tem que me dar uma sensação. Uma sensação de expôr também alguma coisa que você está ideologicamente fechado com aquilo. É importante pra mim. Não vai vir uma inspiração de um negócio que não tem a ver com o que penso, com o que sinto. Muita gente me procura pra eu pôr música. Aí não sei, porque está nesse lugar. Às vezes é isso, porque não tem a ver mesmo, ideologicamente não bate com a minha. Mas às vezes tem e, assim mesmo, não consigo ter um controle de falar “eu vou sentar e fazer”. Eu prefiro não.

Pra mim, estar aqui já é um sucesso. O sucesso não tem nada a ver com o público. Ele tem que vir de dentro de você mesmo. Se não vier de dentro de você, não vai atingir o público.

O que é fazer sucesso?

Fazer sucesso? Putz! Pra mim, estar aqui já é um sucesso. O sucesso não tem nada a ver com o público. Ele tem que vir de dentro de você mesmo. Se não vier de dentro de você, não vai atingir o público. Em nenhum momento. O sucesso, primeiro, você tem que descobrir dentro. Depois tem que rebater com a plateia, com o público. Conforme isso vai acontecendo, aí sim vai se dando o tal do sucesso que as pessoas falam (risos). Mas o sucesso é anterior a isso. Se não, como é que ele vai ser feito? Em algum lugar, ele tem que estar feito pra você expor e acontecer, expandir. Sucesso é você fazer o que você gosta. Eu me considero uma pessoa de sucesso porque mantenho essa espontaneidade, de só fazer quando gosto, quando quero, quando existe. Até uma amiga me falou: “Nossa, você está famosa agora!” (risos) “Famosa” é outra coisa. Não quer dizer sucesso. Alguns padrões do nosso mundo consumista subverte um pouco e deixa transparecer outra coisa que não é. Tem que tomar cuidado com coisas como sucesso, fama.

Qual seu desejo para quando sairmos dessa pandemia?

Eu desejo sempre inovar. Acredito que tudo isso possa me fortalecer para eu, mais uma vez, me renovar de alguma forma. O meu futuro só será um futuro se ele se renovar e se inovar. Tento ficar atenta pra perceber onde estou recebendo essa dádiva, onde estou conseguindo chegar com meu desejo. Um ano e tanto de pandemia parece que passaram 10 anos! Isso é uma coisa pra vocês que têm trinta e pouco. E pra mim, que tenho sessenta e pouco? Desejo que eu consiga me renovar e criar coisas. Mas está acontecendo. Estou me preparando pro meu desejo. Eu não fico parada desejando. Estamos preparando, pelo menos na ideia, o próximo disco do Corte. Também tenho um projeto paralelo. Quero fazer um trabalho sobre o filme [Aquilo Que Eu Nunca Perdi]: seriam músicas que peguei desse baú e quero mostrar em show, em disco. Quem sabe?

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Entrevista a Thiago E, exclusiva para o site Revista Revestrés.

Thiago E nasceu em Teresina, Piauí. É filho da Neide e do Zorro. Integrou a banda Validuaté por 12 anos, com a qual lançou os álbuns Pelos pátios partidos em festa, Alegria girar, Este lado para cima, Validuaté ao vivo. É banhista com discromatopsia, músico em reabilitação labiríntica, driblador de gagueira. Publicou Cabeça de sol em cima do trem (Corsário) e Os gatos quando os dias passam (7Letras).

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