Cuidado! Ao ler este texto você pode estar sendo cúmplice de um manifesto subversivo e socialista. Para não obrigá-lo a acompanhar-me nesta maria-fumaça marxista, aproprio-me ousadamente de um slogan de outrora. Sobre este texto: “ame-o ou deixe-o”!

Escolheu ficar? Vou alertá-lo mais uma vez sobre sua permanência neste texto. Segura essa declaração de Olavo de Carvalho: “Todo intelectual de esquerda é vigarista. Não há exceções.” Resistiu? Tudo bem. Seja bem-vindo.

Começo com um breve relato a respeito do quadro nacional à época: instabilidade política, corrupção, descrédito do poder público, insegurança pública. Você percebeu que eu mencionei “à época”? Pois é, meu amigo, o quadro atual é gêmeo do outro. A classe artística, em uma porção considerável, sangrava para não se deixar calar.  A cultura sofria intervenções cortantes. Para o bem ou para o mal, à medida que a censura ganhava fôlego, os resistentes sinalizavam um não sei quê de rebeldia sistematizada. A política estudantil, marcadamente de denúncia e reação, manifestava-se contra duas fatias de um insidioso cenário: o estabelecimento do ensino pago e a tecnização da formação educacional.

É de crer que o movimento estudantil foi o grito agônico que decidiu não se ajoelhar diante da influência norte-americana a qual vislumbrava orientar, a seu modo, a frágil educação brasileira, como um cão que urina para demarcar território. Tivemos nossos heróis, que iluminaram como puderam essa fase escura e nefasta da nossa história, como Darcy Ribeiro que dizia: “Nós, brasileiros, somos um povo sem ser, impedido de sê-lo.”

Na música, o bicho pegou quando houve a transição de uma discreta censura sob o comando do General Humberto Castelo Branco para o tóxico Ato Institucional n°5. Esta macabra ferramenta trouxe no bojo o mau cheiro de enxofre e uma nuvem negra que se instalou sobre nossas cabeças.

 

Toda e qualquer manifestação artística precisaria ser medida, calculada e pesada numa balança cruel de mordaça. O cão raivoso da censura não sentia remorso quando decidia abocanhar com suas inúmeras fileiras de afiados dentes num apetite voraz. Se você, amigo leitor, está achando que o silêncio então era a melhor saída para se esquivar dos ataques do regime militar, está ingenuamente enganado. Edu Lobo, em seu álbum instrumental “Casa Forte”, sofreu a injusta análise de que, se não havia versos, o disco era possível ser interpretado como uma crítica à censura. Dá pra acreditar?

Sempre me interessei pelo assunto da Ditadura Militar, sempre achei que tudo aquilo era produto da veleidade humana, da animosidade que faz parte de nós. No fundo, somos produtos do caos. O entorpecimento pela dor nos destrói e nos aniquila como semelhantes. Visitei vários museus e antigos centros de tortura espalhados pelo país. A impressão que carrego em meu coração é de um profundo sentimento de compunção e penitência. Em minha cidade, Teresina-PI, o rastro deixado pela ditadura ainda guarda cicatrizes e medo. No Centro de Artesanato, há um calabouço que fora usado nos tempos do Regime Militar, em que o Centro de Artesanato era o Quartel. Por várias vezes visitei aquele lugar, fiz vários trabalhos escolares voltados ao assunto. Ano após ano, enviei alunos para conhecerem o local e sentirem na pele um rascunho de uma época em que sonhar era desautorizado.

Sinto um agigantado constrangimento quando ouço alguém dizer que o Regime Militar foi necessário. Desmorono por dentro. Depois disso, passo o dia macambúzio, melancólico. Peço perdão baixinho à memória de tantos que perderam a vida na luta pela liberdade. A vontade é de encher os pulmões e gritar: “CALA A BOCA!”. Mas em seguida desisto, porque senão eu seria um deles.

Neste caso, vou realizar aqui um tutorial de como reagir: o melhor a fazer é tomar distância, agradecer a Deus o dom da vida, olhar bem nos olhos da figura e lançar um Chico Buarque nele: “Apesar de você, amanhã pode ser outro dia…” Uma risada frouxa cai bem nessa hora pra engatar um Gonzaguinha como golpe final: “…VIVER E NÃO TER A VERGONHA DE SER FELIZ…CANTAR E CANTAR E CANTAR…”

É, meu amigo, faz bem à saúde acreditar num mundo em que o amor e a arte sejam protagonistas de histórias que rendam o respeito, o amor e a compaixão. VIVA A LIBERDADE!!!