Foi no ano de 2001, em meio à euforia da juventude, que decidi. Naquela manhã atípica, percebi que já era tarde e que não conseguiria mais viver sem ela.
Ao meu lado o devaneio era geral. Todos ali escolhiam o rumo que suas vidas tomariam e brindavam à vida, ao futuro, ao brilhantismo de suas conquistas futuras e, sobretudo, calculavam os salários que teriam ao escolher a profissão mais promissora e mais rentável. Eu, desconfiado e inseguro, imaginava o que poderia dizer aos meus pais para convencê-los de que nada mais me interessava, a não ser ela. Tantos planos diferentes dos meus habitavam a minha casa, quantos cálculos e probabilidades serviam de recheio para conversas abordando o tema nas rodas de família. Ao mesmo tempo, era notória a minha dedicação a ela todos os dias, chegando ao ponto de aquilo que eu sentia virar uma obsessão e exigir de mim uma atitude que nos assumisse e, a partir disso, nada mais nos impediria de nos unirmos por inteiro – de corpo e alma. Então, contra cálculos e estatísticas, diante de todas as recomendações e prognósticos desfavoráveis à minha vontade, eu assumi! Aquela que, até hoje, faz-me chorar e sorrir num átimo tornou-se minha companheira inseparável: a Língua Portuguesa!
Sinto-me profundo devedor desta que me encanta diariamente e me proporcionou sabores e saberes inimagináveis. Hoje sou, entre tantos colegas, mais um soldado da língua. Tenho vivido experiências que o próprio Manuel Bandeira certamente visitou em seu “alumbramento”. A cada momento a língua se torna, na vida real, sedução e martírio. Explico-me. Todo aquele que se aventura neste campo onírico do magistério é, num só ponto, vencedor e vencido. Vencedor por ousar corajosamente trabalhar por convicção e aceitar a árdua labuta de ser professor no Brasil. Vencido porque a língua é muito maior do que todos nós e a nossa pequenez nos faz tributário de uma missão em que se sente vítima do volume invencível de regras e exigências linguísticas. É como o algoz com a palmatória em punho e ainda assim é impossível não amá-lo. Caberia aqui uma espécie de síndrome de Estocolmo, para exercitar meu lado exagerado em tudo rsrsrs. Em sala de aula, sinto visceralmente o compromisso com o propósito de ensinar. Meus alunos, em grande parte, são pessoas que abriram mão de tudo ou quase tudo por um sonho. Muitos me lançam olhares de esperança e isso me envaidece e me transborda de uma vontade surreal, que faz passar despercebida a exaustão. A rotina de um professor neste país é paga com o sorriso da vitória de um aluno, com a força de um “muito obrigado”, após a décima segunda aula do dia. Por fim, com o profundo sentimento de ter feito a escolha certa, quero dizer que é com enorme prazer que tomo conta de sua língua. Deixa que eu cuido bem dela pra você. (risos)