O Inventário Verde da Boa Esperança não é sobre imagem, é sobre momento, memória e lugar. Não é sobre a literalidade monocromática, mas sobre os modos enigmáticos e irrestritos do verde embrionário local se expressarem para além da cor, ao permanecerem nos hábitos rurais, nos rituais religiosos, no cotidiano ligado à natureza, nas práticas ribeirinhas. Há verde não somente no quiabo, no maxixe e no feijão, mas também na abóbora, no cajá e na galinha. Há verde não somente nas mulheres e homens que trabalham nas vazantes, mas também nas artesãs, nos pescadores, nas oleiras, nos vaqueiros, nas rezadeiras, nos pretos velhos e nas mães de santo. Nas intermitências da cor revela-se a ludicidade perene de ser e viver o verde de inúmeras formas.
Frente à naturalização da repressão, este trabalho situa-se enquanto instrumento insurgente, uma vez que potencializa as lutas contemporâneas da comunidade: contestar as correntes ações colonizadoras, resistir ao sentido higienista de progredir para, por fim, permanecer. Ao reconhecer micro geografias e coletividades que legitimam diversas territorialidades, caminha com organicidade na sabedoria ancestral, na pujança natural e no sentido de viver em comunidade. Nesta cosmologia identificada, encontra-se um universo onde natureza e ser humano não se separam.
Maurício Pokemon abre mão da cronologia dos fatos históricos neste trabalho, tão marcantes e indispensáveis à compreensão racional da comunidade Boa Esperança, para mergulhar na atemporalidade que flutua soberana entre o místico e o imagético comunitários. Assume a acepção da palavra “inventário” ao catalogar – com o mínimo de expectativas possível e o máximo de respeito ao tempo das coisas – os modos de viver, habitar, cultuar e trabalhar dos moradores, suas ferramentas, vestimentas, seus gestos, espiritualidades, seus verdes e tantas outras paletas. Na busca por documentar aquilo que transcende ao físico, alcança o mistério imaterial das miudezas palpáveis. No experimentar do olhar inventivo, que caça a linguagem poética, percebe-se que não há registros acostumados e, por isso, não traz leituras automáticas. Artístico e antropológico, o projeto concerne distintas possibilidades de narrativa, sobre o qual só é possível pensar e digerir ao passar pela dimensão do sentir.
Maurício Pokemon é skatista, artista visual, graduado em jornalismo. É artista residente do CAMPO Arte Contemporânea e editor da fotografia da Revista Revestrés. Parte de imagens e símbolos para discutir o lugar do corpo periférico na sociedade, ampliando a discussão sobre representatividade. Nos últimos cinco anos, seu trabalho transita entre a convivência com a comunidade ribeirinha Boa Esperança, em Teresina – PI e colaborações artísticas pensando corpo performático e imagem.
Esse trabalho é resultado da pesquisa iniciada autonomamente em 2017, contemplada pelo Rumos Itaú Cultural 2017-2018. Após imersão entre a Comunidade da Boa Esperança e o CAMPO Arte Contemporânea, desembocou na exposição Inventário Verde da Boa Esperança (Mai2019). Em Dezembro de 2019 tornou-se livro através do projeto Ocupe o Espaço: Olhares sobre Teresina, com o apoio da Lei de Incentivo Municipal à Cultura A. Tito Filho/edital 2012.
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Raquel Carvalho, urbanista e arquiteta, ela percorre, investiga e leciona sobre assentamentos precários, áreas sensíveis à água e a função social da arquitetura.
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