Um dos princípios da democracia é a liberdade. Liberdade de escolha. Liberdade de expressão. Liberdade de ação. Mas, até que ponto a liberdade garante aos indivíduos e a coletividade o gozo de seu pleno exercício? Trata-se de uma questão que deve ser considerada quando se analisa os sujeitos em sociedade e as regras que direta e/ou indiretamente acabam delimitando suas ações, pensamentos e fala impondo-lhes, assim, limites. Somos sujeitos sociais e históricos, por esta condição somos regulados por um conjunto de valores existentes na sociedade em que vivemos. A par disso, considera-se que o papel da imprensa na democracia deve, portanto, ser analisada a partir daquilo que a limita num determinado contexto histórico.

No Brasil, para além da Constituição de 1934, podemos considerar dois momentos marcantes da democracia do país. O primeiro trata-se do período pós-Estado Novo de Vargas (1937-1945) e o segundo refere-se à reabertura política com o fim da Ditadura Civil-Militar (1964-1985). Nos dois momentos ditatoriais, a imprensa foi controlada por departamentos criados pelo governo e, por vezes, teve seu poder de fala cerceado. Com o fim do período ditatorial brasileiro, o próprio jornal reservava espaço nas suas páginas para advogar pela democracia. Os jornalistas reforçavam a importância da liberdade de pensamento, de palavra, de reunião e de imprensa, principalmente, após 1945.

Em meados dos anos cinquenta do século XX, nota-se um conjunto de discursos produzidos em defesa da democracia, da liberdade de pensamento e da imprensa pelos jornalistas de Teresina (PI). Pensamento que, desde o período de redemocratização política do Brasil, na primeira metade do século XX, já se cultivava no discurso jornalístico de ver a imprensa como um lugar institucional do exercício da liberdade (BARBOSA, 2007). Contudo, a liberdade dispensada ao jornalista é relativa. Além das relações hierárquicas existentes na redação do jornal e das restrições impostas pelo editorial, o jornalista ainda passa pelo crivo do leitor e dos formadores de opinião, pessoas que avaliam e dão (ou não) credibilidade ao jornal.

Na “cambaleante” democracia brasileira da segunda metade do século XX, A. Tito Filho afirmava que a unanimidade de pensamento era incompatível com a democracia, sobretudo naquele momento em que a imprensa local encontrava-se estruturada ideológica e politicamente como órgão de situação ou oposição ao poder executivo. Da mesma forma, colocando-se como um “defensor” da liberdade de pensamento e da democracia, Cunha e Silva advertiu, pelo Jornal do Piauí, para os perigos do uso abusivo dos direitos e deveres dos cidadãos e dos jornalistas na imprensa. No seu entendimento, a democracia não significava o governo das unanimidades, mas também, os jornalistas simpáticos ou adversários de um governo não poderiam confundir o direito de crítica “construtiva” e “patriótica” com o “oposicionismo sistemático” somente para satisfação das paixões pessoais.

A questão em torno da liberdade de imprensa esteve presente na discussão sobre o fazer jornalístico local. Muitas vezes, a ideia de liberdade foi anunciada pelos jornalistas de Teresina como sendo restrita ao conceito de verdade da notícia. Para Cunha Silva, por exemplo, a liberdade de pensamento e de palavra do jornalista na imprensa tinha que ser limitada, visto que, em sua opinião, a “liberdade de pensar e de escrever não representa o direito de pensar e de escrever o que se quer e sim, de pensar e escrever o que se deve e o que não for contra a verdade” (SILVA, Cunha e. A nossa imprensa. O Dia. Teresina, ano I, n. 56, p. 2, 24 fev. 1952). A “verdade”, portanto, constava nas matérias assinadas por Cunha e Silva como um dos limites da liberdade de pensamento e de palavra e como medida preventiva e corretiva do uso excessivo de uma linguagem virulenta, caluniosa e difamadora ainda tão presente nas matérias jornalísticas e nas batalhas discursivas travadas entre os jornais de Teresina. Para ele, no regime democrático, o jornalista tinha a liberdade de emitir opiniões e de sustentar suas ideias na folha, porém, esta liberdade não lhe dava o direito de dizer tudo o que queria ou de dizer coisas inconvenientes ou de dirigir, gratuitamente, ofensas e insultos a outrem. O chamado para o domínio da verdade, a independência, liberdade, sinceridade, honestidade e responsabilidade eram alguns dos quesitos que definiam as questões éticas do jornalismo e determinava os limites e os excessos da liberdade de imprensa que já eram previstos pela Lei de Imprensa ou pelo Código Penal (ROCHA, 1955). Porém, efetivamente surtiam pouco efeito na prática, exceto nos períodos de perturbações políticas mais profundas (JOBIM, 1960).

Neste período, a liberdade de imprensa, de pensamento e de palavra dependia da responsabilidade dos jornalistas no cumprimento ético e moral da profissão. As leis que regulam o exercício do jornalismo e limitam a liberdade de imprensa, de palavra e de pensamento não são apenas as regras codificadas e esquematizadas em textos oficiais. O exercício do jornalismo é também regulado pela obrigação moral dos jornalistas que correspondem as responsabilidades éticas, morais, filosóficas, e políticas como um valor absoluto e indiscutível do seu dever para com a sociedade e com o Estado. Sobre o assunto, Luiz Beltrão (1960, p. 92) pontua que “a força do jornalista está na verdade e na honestidade que é a coincidência de seus atos com o seu dever, como a verdade é a coincidência de sua apreciação como acontecimento em si”. Porém, o que se observava no jornalismo brasileiro era uma “deseducação profissional” em virtude dos “abusos” no exercício da liberdade de imprensa dos anos 1950 e início dos anos 1960, através da publicação de notícias falsas, ofensas à moral pública e aos bons costumes, emprego da calúnia, difamação, injúria para atacar o seu adversário político que se configurava pela falta de conformação do seu exercício às normas da moral comum e da moral profissional, reitera Luiz Beltrão (1960).

No Piauí, a questão em torno da liberdade de imprensa esteve presente na discussão sobre o fazer jornalístico nos anos 1950, já em um contexto do regime democrático brasileiro. A liberdade e a responsabilidade dos jornalistas eram apontadas como duas condições fundamentais ao exercício do jornalismo. Além das leis que regulam e limitam a liberdade de imprensa e do jornalista registradas em textos oficiais à ordem jurídica; deve-se, também, compreender as regras que correspondem às responsabilidades éticas, morais, filosóficas e religiosas dos sujeitos singularizados à função da produção do discurso jornalístico. Tais ideias faziam-se presentes nos discursos que primavam em destacar o compromisso do jornalista com a objetividade, a responsabilidade social e a defesa da liberdade de imprensa, noções que contribuíram para a concepção de uma nova deontologia para o jornalismo brasileiro e piauiense daquela época.

Nilsângela Cardoso é mestre em História do Brasil e doutora em Ciências da Comunicação

(Publicado na edição#25, junho/julho de 2016)