A criminalidade toma conta da sociedade na ótica dos filmes marginais, com personagens q não hesitam em matar ou morrer. Resgatado diretamente da Boca do lixo, o cinema mar ginal é capaz de trazer à tona aquilo q os sãos e comportados habituaram-se a chamar de escória.
Torquato Neto era vidrado nos filmes (MAL) ditos marginais, onde se esbarra num cotidiano supra-violento e a morte é musa e protagonista. É importante atentar como Torquato retoma a morte num momento onde a própria bailava velada aqui no país. E não apenas a partir do suicídio, pois escritos de Torquato confirmam q ele apenas estava vivendo tranquilamente todas as horas do fim. Impossível não se dar conta de como existe uma gota de sangue em cada filme q ele participou. Inquietante é a forma tomada pela morte, presente em diversos momentos, dirigindo as filmagens e inspirando roteiros. Rascunhada incessantemente, é colocada à prova do lado de dentro dos filmes, onde assume o papel de libertária, redentora, como um grito dos excluídos, um protesto. A obsessão pela morte é observada na atuação nos filmes e, em especial, no único dirigido por ele, cantando a própria terra: O Terror da Vermelha, onde o protagonista (uma espécie de alter-ego do diretor) “enlouquece” e sai matando os conhecidos e desconhecidos do bairro…
Torquato nos apresenta um terror poético autofágico em forma de filme, visão pessimista do conservadorismo imposto nos valores da cidade natal, onde estariam em jogo o próprio realizador, o ato de filmar, as liberdades tosadas e repercussões post mortem.
O fascínio de Torquato pelo cinema nunca foi segredo: ele apostava nos filmes funcionando como artimanhas potenciais para irromper ideias e ocupar os espaços: “o quente é filmar.” Torquato experimenta um jeito de fazer cinema onde a violência é regra.
A afeição pelo cinema contribui para a marginalidade do poeta: no cinema marginal, bitola super-8, como podemos vislumbrar no filme de Ivan Cardoso, Nosferato no Brasil, tecido sob o viés experimental, também existe a busca por uma ruptura com os padrões artísticos convencionais. A influência dadaísta é vista logo no poster do filme, onde a gilete representaria os cortes (epistemológicos?) do processo de filmar e montar, remetendo diretamente às fotomontagens, recortes e colagens.
Além da influência dadaísta, está implícita uma citação direta ao poeta maldito do simbolismo: Pedro Kilkerry. No início do século XX, Kilkerry possuiu uma coluna no Jornal Moderno, cujo título era ‘Quotidianas Kodaks’. Quotidianas por tentar retratar cenas do cotidiano, enquanto Kodaks é um termo remetente à ideia de momentaneidade instantânea. No emblemático Nosferato no Brasil, Torquato faz o papel d’um vampiro de férias, incorporando-se aos trópicos e chupando sangue e água de coco nas praias cariocas, em plena luz do dia.
Na interpretação do vampiro Nosferato, a busca pela subversão dos quadros e a transgressão das normas e padrões é gritante. A instantaneidade presente no contexto geral da modernidade provoca a perspectiva da multiplicidade infinita das possibilidades: nada mais próximo do sentido de ruptura! No filme marginal, a câmera capta a violência da situação, freneticamente perdida tentando absorver e revelar tudo em volta. De fato, os personagens mais se assemelham a espectros vagando a esmo, magros, atônitos e tragados pela violência, absortos à onda de acontecimentos, decidindo tudo a cada instante e trilhando qualquer coisa oferecida. O espetáculo é incrementado de tal forma que os criminosos, se não fossem os ‘bandidos’, seriam os ‘mocinhos’.
No cinema incentivado por Torquato não é o entendimento o objetivo geral, mas antes o choque. Há um clima insano de esquizofrenia subliminar envolvendo as películas. Jatos de sangue transformados em espetáculos de vida e beleza. ‘As intenções eram, talvez, desvendar e criticar os mecanismos da sociedade de classes em um país subdesenvolvido.’ Para Torquato, o cinema não estaria invariavelmente associado a uma narrativa, ou a uma reportagem, estando liberto para provocar a “escancaração da barbárie, mas sem a carapaça política e o sentido de missão.” O q importa não é o drama, nem sequer a narrativa se faz necessária, mas sim as imagens, construindo um “cinema de situações e não de personagens”, uma tela livre de todos os circuitos.
Filmes novos, invenção!!! Livres das conexões do enredo, as imagens e os sons apenas poderiam ser atados através da lógica dos sentidos, transferindo a percepção do nível da constatação diretamente ao nível da significação, a supra realidade brasileira na década do terror. As imagens transformadas em gritos experimentais, cenas marginais ocupando os espaços e berrando provocações e escrachos.