UM FILHO ME ESPERA
(FOLHAS DOS OLHOS DA RELVA)
I
Um filho me espera em cada sinal luminoso.
Ele tem olhos grandes e acesos como sóis
e o rosto sem nome ressecado de poeira e cola.
Eu estou cego, não enxergo meu filho a chegar.
Ele floresce nos terrenos baldios
desce dos morros nos cabelos de uma cachoeira
arrasta o lixo humano ladeira abaixo
lavando a cidade com a lama do mangue.
Um filho me espera, coberto de sangue!
De sua garganta uma orquestra de flautas
anunciará o fim das trevas
e a elevação dos órfãos assassinados ao colo de Deus.
Ele cavalgará através dos séculos
despertará a sabedoria dos velhos
pedirá abrigo na maloca dos famintos
roubará para os mendigos uma fatia da lua
dirá palavras de consolo aos pobres de espírito
contará piadas ao moribundo.
E ainda assim será uma criança
olhos grandes pedindo amor
centelha da dor de nem ter nascido.
II
Um filho me espera em casa
no colo da minha mulher.
Eu canto para acordar seu futuro
ele chora e ri com seus dentes ausentes
e agora seus grandes olhos estão bem alimentados.
III
Um filho me espera
e outro
e outro
e mais outro.
Vinde a mim, criancinhas,
que eu vos darei pipoca, chocolate, bala Juquinha.
Vinde a mim, vinde a mim,
restaurar a poesia!

O NOVO SER
Pegou o ônibus certo, sem pedir ajuda.
Passou na roleta, pagou a passagem e ganhou de troco
um sorriso discreto da cobradora carrancuda.
Sentou-se à janela, ao lado de uma senhora elegante.
Conversaram sobre o tempo, os novos tempos, os velhos tempos.
Agora os out-doors esbanjavam conteúdo,
as placas, os nomes das ruas…
Seus ávidos olhos tinham fome de tudo.
Parou na banca, devorou os jornais;
seguiu caminho sem olhar para trás, na correnteza de gentes e nomes:
açougue, padaria, armarinho, a mercearia do Toni…
As palavras piscavam em sua mente como vagalumes.
Tudo era novo, recente, infante,
graças à palavra, seu diamante, amiga do peito!
Deu boa noite ao vizinho e entrou em casa
pisando forte com o pé direito.
Tirou a receita do bolso, os ingredientes da sacola e preparou um souflê.
Saboreou a iguaria com um livro de poesia sobre o colo.
Leu madrugada adentro, até adormecer.
E mesmo dormindo, as palavras continuavam girando em sua cabeça.
Sonhou que todas as coisas eram feitas de letras,
e que todas as letras eram feitas de coisas,
e que todas as coisas e letras nasciam do seu pensamento, em forma de teorema.
Ao despertar, ainda sonolento, escreveu seu primeiro poema
com rima pobre e metro vagabundo.
Nos versos agradecia aos céus, por abrir suas portas ao mundo.