Ah, o café! Por Deus, eu bem poderia 

ter servido uma xícara a Lord Keynes 

ou a outro integrante do Bloomsbury. 

À Virgínia, talvez uma dose de pinga 

fosse mais interessante. 

 

A mim, basta-me um pouco do que 

guardam as manhãs esquecidas. 

 

Para quem se acostumou aos restos 

que o tempo despreza, sorver o que 

quer que seja é mais fácil e posso 

ser mais feliz. 

 

Viver talvez seja esta estranha forma 

de ser rico: 

 

um riso qualquer em uma parada de 

ônibus, que ficou no final de uma 

noite chuvosa; 

 

uma brisa leve, um aceno incerto, 

de uma meretriz; 

 

o dedo em riste 

de alguém que reza 

e se contradiz. 

 ***

 

GONÇALVES 

                          à memória de Carvalho Junior
 

Nestas distâncias sem conta, 

Que a terra espalha e sepulta, 

Afina-se o canto da ave 

No que se revela e se oculta. 

 

E a ave decola em prantos 

Sobre as vazantes da vida. 

Celebra o fio de espera 

Sangrando o tempo e a ferida. 

 

Seu olho mapeia o passo 

Do homem que um dia dirá: 

“Quisera, meu Deus, quisera, 

Bater asas para lá”. 

 

* Textos do livro ALGUMA CERTEZA,  Vencedor do Prêmio Cidade de Manaus 2021  (Prêmio Violeta Branca Menescal).

***

Nathan Sousa é professor, ficcionista, ensaista, poeta, letrista e dramaturgo. É tecnólogo em Marketing e publicou vários livros, entre eles Um esboço de nudez (2014) e Semântica das aves (2017). Foi finalista do Prêmio Jabuti (2015) e venceu por cinco vezes os prêmios da União Brasileira de Escritores.

Publicado na Revestrés#50. 

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ESSA EDIÇÃO TEM APOIO CULTURAL DA EQUATORIAL ENERGIA POR MEIO DO SIEC (Sistema Estadual de Incentivo à Cultura) da SECRETARIA DE CULTURA do GOVERNO DO PIAUÍ.