O certo é que prezamos a destruição. 

Qualquer coisa chegando ao fim, eis o que nos interessa.  

Fotografamos ruínas e colecionamos imagens de casas enfermas, 

desenganadas pelo tempo, 

e apreciamos o turismo por vilarejos decadentes, 

prestes a sumir do mapa. 

A imagem do velho edifício implodido  

nos mantêm cativos diante da TV. 

O que move a ferrugem não é mistério para nós: 

conhecemos essa fome – e a respeitamos. 

A árvore doente do passeio público nos interessa  

mais do que as crianças desaparecidas. 

Comovidos, chegamos a abraçar a velha figueira ameaçada, 

pretextando solidariedade. 

Mas não somos solidários, não se engane. 

Apenas queremos estar por perto na hora final. 

 

O certo é que apreciamos a destruição. 

Casais nos falam de crises, da reta final, da beira do precipício. 

Ouvimos interessados os pormenores da autópsia conjugal, 

queremos saber em que momento  

as vísceras do encanto deixaram de cumprir seu papel, 

queremos conhecer tudo que fez do desejo 

azinhavre, mancha agônica, bolor. 

Existe desamparo maior do que 

num velho carro entregue ao pó junto ao meio-fio? 

O disco riscado e o livro que perdeu folhas e palavras 

são nossos entes queridos. 

O amigo que faz aniversário recebe nossos cumprimentos, 

pois deu um passo à frente, rumo ao fim.  

Vamos a velórios de parentes e conhecidos 

com um olho vermelho de consolo, outro verde de curiosidade: 

quem visitaremos inerte da próxima vez? 

Amamos o corroído (pontes, trens, viadutos), 

o que está prestes a se perder. 

Respeitamos o desgastado, o roto, 

o que se esfarelou, majestoso. 

E esperamos. 

Porque algo foi posto em marcha, 

está a caminho. 

 

Marçal Aquino é escritor, jornalista e roteirista. Junto com Beto Brant produziu  sete longas-metragens, entre eles O cheiro do ralo e Eu receberia as piores notícias dos seus lindos lábios. Para a TV escreveu, ao lado de Fernando Bonassi, a série Força Tarefa, para Rede Globo.

Publicado na Revestrés#41-maio-junho de 2019.