olhou de soslaio para o vizinho 

pim! 

não revelou a senha do celular 

pof! pof! 

isso lá é jeito de se vestir?! 

pá! pá! pá! 

em nome do amor 

knokk! knokk! knokk! 

em nome da honra 

bang! bang! bang! bang! 

reagiu ao estupro 

crash! crash! crash! crash! crash! 

 

a mulher, propriedade 

na mira, por ser mulher 

por dá cá aquela palha 

craccc! craccc! craccc! craccc! craccc! 

menos uma na luta 

mais um número acrescido 

ao triste e repugnante rol 

(no brasil 

a cada dia, três mulheres 

são vítimas de feminicídio 

a cada nove minutos, uma mulher 

é vítima de estupro 

a cada dois minutos, uma mulher 

registra agressão sob a lei maria da penha 

taxa de feminicídios no brasil 

diz a onu 

é quinta mais alta do mundo) 

***

 

 

Vinte e cinco do um do primeiro ano de nossa anunciada  hecatombe 

 em lugar da prisão 

 o dejeto presidente 

 da empresa assassina 

 volta ao local do crime 

 escudado pelo presidente 

 da nação enlameada 

 lado a lado 

 empertigado e lustroso, aquele 

 como convém a um alto executivo 

 colete de caçador amarfanhado, este 

 como convém ao mais alto dignitário 

 perdido na floresta de trapalhadas 

 da república federativa do brasil 

 sobrevoam 

 a lama, a lama, a lama… 

 após os lucros retirados 

resta a lama/rejeito devolvido 

 em conluio, derramada 

 sobre os rejeitos humanos 

 acusados de prejuízo 

 sobrevoam e calam 

 pelo twitter, prometem 

 mudam o discurso 

 mentem 

 a lama que tudo oculta 

 está longe de ser metáfora 

 lama língua linguagem 

 silêncio que diz 

 dos corpos sem nome 

 mortos, que o protocolo 

 chama de (?) desaparecidos 

 os que não morreram 

 ficam sem nada 

 são nada 

 servem apenas de espetáculo 

 motivo / lenitivo 

 para a caridade de ocasião 

 amanhã, todos 

 mortos e mortos vivos 

 não passarão de meras estatísticas 

 

 brumadinho 

 bruma indício 

 do fracasso 

 da ex-terra brasilis 

 e de sua falência humana.

***

Dalila Teles Veras é natural do Funchal, Ilha da Madeira, Portugal (1946). Reside no Brasil desde o 11 anos de idade. Publicou inúmeros livros de poesia, entre os quais Tempo em fúria (2019), Solidões da memória (2015) e Estanhas Formas de Vida (2013). Desde 1992 dirige a Livraria, Editora e Espaço Cultural Alpharrabio, com sede em Santo André, São Paulo.

Publicado na Revestrés#44 – novembro-dezembro de 2019.

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