Severino era gente. Tinha nome.
Tinha boca. Tinha fome. Tinha orelhas.
Tinha nariz. Tinha olhos. Tinha mãos.
Tinha amor. Tinha raiva e ódio.
Tinha tudo de gente.
Severino era gente.
O seu corpo torvo
Turvo estorvo
Como qualquer corpo
Estendido na calçada às 11 horas da noite
Sob as marquises de néon das lâmpadas
Acusava as cicatrizes do couro
E a engenharia dos ossos tiritando sob a pele
Sugeria a grotesca forma de um
S
Seu nome não era Marco
nem era Antônio nem Manoel
Seu nome era apenas homem
Nome sem significado aparente
Ferreiro das noites forjava sua fome
Sete dias na semana
Se alimentando de nada
Em sua marmita de lata
arroz feijão e loucura
Severino é bonito?
Talvez nem apenas…
Certamente é nordestino
Obreiro?
Porteiro de edifício?
Roceiro?
Ninguém soube ou saberia:
Mulher grávida
9 filhos 9 insônias 9 choros 9 fomes
E uma só agonia…
De não ser ferreiro ou marceneiro
De não ser porteiro nem tampouco roceiro
De nem saber-se mais Severino
Maranhense
Operário em desespero
Quase nada
Nordestino!
Severino Severino
Com suas mãos calejadas
Pelo gesto e pelo ato sem sequer um desacato
Só a camisa barata
E os olhos embotados
(de sonhos)
Apenas o tempo a morte
(a fábrica)
E esta vida provisória
Que de vida talvez só reste
A expectativa da morte
Severino Severino
Dormemorre na calçada
Com mil falas esculpidas
Nas cáries do que foi dente
Com rugas dúvidas martírios
Na cara que já foi rosto
E no peito tanta dor
Pra tão pouco Severino
Que em resumo o que soma?
Soma o preço de sua vida
Ao preço do desencanto de Severino José
E o preço das injustiças
Ao preço que vale ser um Severino qualquer
Severino era gente. Tinha nome.
Tinha boca. Tinha fome. Tinha orelhas.
Tinha nariz. Tinha olhos. Tinha mãos.
Tinha amor. Tinha raiva e ódio.
Tinha tudo de gente.
Só não tinha trabalho.
Severino era gente?
Nivaldo Lemos é jornalista, publicitário e poeta, piauiense de Floriano e vive no Rio de Janeiro há mais de 50 anos. É coautor de História das Sociedades Americanas (Ed. Record) e Fazendo a História: as sociedades americanas e a Europa na época moderna (Ed. Ao Livro Técnico).
Nivaldo ocupa a Revestrés com um belo poema.
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Publicado na Revestrés#44 – novembro-dezembro de 2019.
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