Clarão 

a fome – ave de rapina – 

fita o que nos desalimenta, 

cada farelo que nos consome: 

os ásperos grãos 

de pão, 

de guerras, 

de prêmios, 

de dinheiro, 

de poder… 

caberia tudo 

num só clarão de espanto ou 

num bater de asas sovinas? 

a fome, de modo inclemente, 

mata com pílulas de culpa, 

de exílios e silêncios cortantes! 

um sonho de capa de jornal: 

em fase de inapetência e autoflagelo, 

a fome suicida-se, 

com uma garfada, 

no fundo da vasilha 

em que jantava vazios. 

 

No alto da ladeira de pedra 

no alto da ladeira de pedra, 

vô Quirola remenda 

as redes de pesca. 

enganchos e tarrafas 

do tempo, saudade é linha 

que me abrange. 

não me desprendo do pé 

de amêndoa, campo-santo 

dos meus ascendentes. 

dormem aqui os peixes 

nas cabaças, os pés 

de puerícia, o balé 

das petecas… 

todos os meus cavalos 

de palha. 

 

O rio e eu 

uma folha duma árvore qualquer 

dançava na corrente de águas, 

flutuávamos o rio e eu 

um no silêncio do outro, 

até o instante em que mergulhamos 

num voo de segredos dos silvos 

dum pássaro de nome não revelado. 

 

Carvalho Júnior é maranhense de Caxias, professor e poeta. Membro da Academia Caxiense de Letras (ACL), é um dos organizadores do Encontro de Poesia Na Pele da Palavra e faz parte do coletivo de autores Academia Fantaxma. É autor dos livros  de poemas Mulheres de Carvalho (Lápis, 2011), A Rua do Sol e da Lua (Scortecci, 2013), Dança dos Dísticos (Patuá, 2014) e No Alto da Ladeira de Pedra (Patuá, 2017).

Publicado em Revestrés#41 – maio-junho de 2019.

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