Joana sentou-se em um pedaço de cimento onde já fora um banco em meia-lua. Espaço charmoso. Palco de namoricos juvenis. Uma mangueira enorme abria-se acima da sua cabeça. Copa imensa. Brisa suave. Pássaros cantavam, animados. À frente do antigo jardim da sua casa, onde estava sentada, uma avenida larga, cheia de carros, irritava-a. Aquele já foi um espaço residencial, silencioso. Nada ali lembrava o que já fora o seu lar. Estava triste. Cabeça baixa, olhos fixos no chão. Lembrava-se da vida que vivera naquele lugar. E ouvia risos, sussurros, gritos de alegria, conversas animadas e discussões de outro tempo. Sentiu-se subitamente revigorada. Via-se como sempre fora. Mulher alta, linda, vaidosa e uma dona de casa dedicada. Com ela tudo sempre estava no seu devido lugar. A imagem dos filhos brincando e correndo pelo jardim viçoso e colorido rondava-lhe. Era mãe novamente. Podia ouvir longe: mãe, mãe! A felicidade arrancou-lhe lágrimas. Memórias líquidas de um tempo de outrora. Por onde andariam seus filhos? Não sabia dizer. Teria sido abandonada? Se ela o foi, queria protestar. Aquilo era um crime. Não, não faria nada para prejudicar seus filhinhos. Nada de protestos nem delações. Mais uma lágrima brotou-lhe nos olhos. Colheu-a ainda verde com suas mãos lívidas. Não entendia o porquê daquele esquecimento. O mato ocultando a casa e ela mesma do mundo. O telhado já não existia. De pé só havia mesmo a fachada da casa e uma parede lateral. Cães sarnentos dividiam o espaço com ratazanas, escorpiões e aranhas. Havia lixo. Fedia. O sol começava a se recolher, despedia-se dela. O chão ao redor iluminava-se, enriquecia-se com o derramar-se de todo aquele ouro solar. Levantou o rosto, queria contemplar aquele espetáculo crepuscular. Mas assustou-se. Viu uma lápide bem na sua frente. E leu com assombro o texto que dizia: Aqui jaz Joana, uma grande dama, 1900-1990. O sol se pôs.

(Publicado na edição #29, Fevereiro/Março 2017)

Lizziane Negromonte Azevedo é advogada e estudante de Letras Português pela UFPB.

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