O pai de Itamar Assumpção costumava dizer que mulher era um bando de coisas, inclusive o que Deus quisesse. Daí Itamar espalhou a notícia por aí. 

De fato o Nego Dito parecia entender muito sobre muita coisa, e talvez seu pai soubesse muito também. Talvez eles entendessem mais do que eu, mulher, sobre as mulheres. Porque, sobre este assunto, devo ser a mais confusa dentre todas elas. Eu, mulher, entendo menos sobre mim e sobre minhas iguais do que homens como esses que citei, cheios de certezas. 

Eu, não, gata. Eu nunca te entendi, nem me entendi. Nunca entendi ninguém. E com isso meu jeito ficou tão sem jeito que nunca consegui estar perto de você, nem de nenhuma outra. 

Mas o que eu queria te dizer, mesmo, é que você não precisava, nunca, ter decretado essa distância. Não há comigo nenhum mundo oculto, estranho, que te diminuirá. Pelo contrário, meu mundo é aberto. E não sei por que isso seria um problema. Tudo bem, é seu direito, e talvez você só não tenha saco, mesmo. 

Mas acho mesmo que é medo. Não é, não? Medo da gente se gostar, se dar bem, ser cúmplice? Não é exatamente este o problema? Dar o braço a torcer? Ser um pouco mais feliz? É estranho, né? Para mim também, a ideia de a cada dia ser mais feliz, de buscar felicidade, é estranha. Parece coisa de gente boba, fútil, despolitizada. 

Não é necessário utilizar seu universo tão bacana, tão colorido (ou melhor: preto e branco, estilizado, clean, experimental, bacaninha, moderno) para me afastar. Seu universo é seu e pronto. Ninguém o tira de você. Muito menos alguém como eu, tão fora disso tudo, tão MPB, tão na minha. Meu mundo jamais toca o seu. 

E o que acho estranho é que você parece estar feliz, ou faz questão de demostrar. Mas se você finge que eu não existo, é porque algo em mim a incomoda, e daí penso que seu mundo feliz não dá conta de tudo; não é suficiente para apaziguar competições e comparações que lamentavelmente foram criadas em algum momento. Fato é que queria ter sabido bem antes de sua existência. 

Eu só queria saber de ti. O que você anda fazendo, como alcançou algumas coisas, como as realiza, se está feliz, se quer ter filhos, ou nem pensar. Sabia que era só isso? Nada mais.

E sei que você se esforçou, uma vez ou duas, para me ignorar (quando foste obrigada a se lembrar que existo, por culpa minha: te procurei). Digo então: a ideia não era ser invasiva, nem te deixar aborrecida, incomodada com uma invasão de seu mundo tão perfeito. Havia ali uma outsider, uma marginal invadindo seu mundo certinho. Ou melhor: uma certinha invadindo seu mundo marginal. Não é isso? Ainda bem que nem insisti, mas já deve ter sido uma afronta. Enquanto que… A ideia era só estar um pouco mais perto. 

Sabe, andei me apaixonando algumas vezes. Nesse meio tempo. Outro dia andei de carro e me apaixonei pelos braços da mulher no banco do carona, à minha frente. Neste mesmo dia, mais cedo, eu havia trabalhado com outra mulher, e sua voz aguda demais já havia me deixado encantada, bem como seu jeito infantil e inteligente. E o jeito que sussurrava, também. Que coisa boa é se encantar à toa, por qualquer uma. Uma mais especial que a outra. 

Xi, fugi do assunto, desculpe, mas queria te dizer que amo muito fácil, que amo cada vez mais tantas e tantas mulheres, e que você é mais uma dessas que me deixam assim. Então a admiro de longe, usando os poucos momentos que tive de contato contigo, porque sei que você não gostaria de ser vista com alguém como eu. 

Eu só queria saber de ti. O que você anda fazendo, como alcançou algumas coisas, como as realiza, se está feliz, se quer ter filhos, ou nem pensar. Sabia que era só isso? Nada mais. Apenas uma vontade de estar perto. Como escrevi outro dia, bobamente, num dos vários rascunhos do Gmail: quero estar junto, quero me apaixonar também, quero saber como é – e, na verdade, entendi porque é que ele se apaixonou por você, antes de se apaixonar por mim. Somos praticamente a quadrilha do Drummond, onde você o amou (e ele a amou), ele me ama (e eu o amo), eu amo você. Já deu pra ver que não somos quadrilha nenhuma… 

Mas não precisa fugir, nem criar esta distância. Todos sabem que você é foda, linda, alta, tem cabelos bonitos, é esperta, sabe viver, se virar. Todos sabem de sua autonomia e de sua sorte em ter tanto, tão nova ainda. Nunca foi necessária esta tua ojeriza. Eu nunca iria querer diminuí-la, talvez no máximo endeusá-la. Idealizá-la de uma forma bem torta e exagerada. Mas era isso o que eu tinha a oferecer. Minha admiração. 

Daí fico eu, aqui, me obrigando a entendê-la, a compreender sua resistência. Me obrigo a seguir sem uma pessoa interessante em minha vida, mas tudo bem, a gente se vira, é só questão de saber aceitar um “não”. Dizem que os homens estão tão habituados a recebê-los, não é? Pelo visto eu não estou, e me dói, como mulher. Mas a cada dia dói um pouquinho menos, pois a cada dia que passa te entendo mais e acabo te respeitando mais. Te humanizando mais, vou me libertando. 

Relaxa, gata, eu só queria mesmo é sentir aquele cheiro ruim do seu cigarro. Aquele cheiro que se mistura com pele, saliva e bafo, mais perto de mim. Na verdade queria saber se deduzi certo; queria ter a certeza de que seu cheiro é mesmo assim, ou se é um pouco diferente. 

No final é só isso: eu apenas adoraria acender um de seus cigarros. 

Guidi Vieira, do Rio de Janeiro, é cantora, compositora e atriz.

(Publicado na Revestrés#34 – janeiro-fevereiro de 2018.)