Entro no Uber. Me identifico. O moço de expressão juvenil me cumprimenta com boa tarde. Eu respondo de volta. Boa tarde. Indico o caminho. Ele inicia a corrida. Desenlaço meu cabelo preso. Alguns fio soltos caem no tapete do carro. É quando olho sem motivo algum pro banco traseiro e percebo uma moça de cabelo ruivo ali sentada assando um pão numa torradeira. Gritei. 

– Meu Deus!! 

Exagerei no espanto! 

– O que essa moça tá fazendo aqui? 

Perguntei ao motorista. E ele respondeu de supetão: 

– É minha namorada! A gente terminou tá com uns sete meses e desde então ela mora no meu carro! 

– Como assim sua ex namorada mora no seu carro? Isso não existe! Pare esse carro agora! 

De um jeito ou de outro a gente sempre guarda o ex da gente em algum lugar: na cabeceira da cama, na quinta gaveta do armário, enlaçado na toalha de banho, na xícara velha…

– Em algum lugar a ex tinha que ficar… meu coração já não cabe tanta mágoa, e o único local confortável que tinha era meu carro. Minha mãe me ensinou a dar abrigo a quem precisa. De um jeito ou de outro a gente sempre guarda o ex da gente em algum lugar: na cabeceira da cama, na quinta gaveta do armário, enlaçado na toalha de banho, na xícara velha…tantos lugares cabíveis. 

Olhei sem acreditar no que estava ouvindo. Gaguejei algumas palavras, mas lá no fundo eu concordava! Foi aí que eu olhei pra dentro de mim e vi minha ex acenado no meu peito. Eu nunca havia reparado. Mas ela tava lá, esperando ser percebida. Como pode a gente carregar dentro da gente alguém que já foi embora? 

– Para o carro, eu quero descer! 

Desci! Segui perplexa e dei de cara com minha vizinha carregando o ex marido na coleira! Gritei veloz pela rua implorando em urgência por um banho de descarrego!  

Ítalo Lima é escritor, autor dos livros Quando a gente se mata numa poesia e Tem sempre uma esperança se prostituindo dentro da gente. Ele produz fanzines e é publicitário.

(Publicado na Revestrés#37, agosto-setembro de 2018)